Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Direto da Redação


VENEZUELA & RS
Roberto Porto


A RCTV e o Correio da Manhã, 11/06/07


‘A cassação da concessão de funcionamento da emissora de televisão RCTV, de
Caracas, em decisão previamente anunciada pelo presidente Hugo Chávez, da
Venezuela, provocou enorme impacto na mídia brasileira. A rigor, não há um único
e escasso noticiário – principalmente das tevês – que não massacre diariamente
os telespectadores com cenas de protestos populares nas ruas da capital
venezuelana.


Há 33 anos, porém, no Rio, a morte por inanição do Correio da Manhã
(1901-1974), perpetrada maquiavelicamente pelos homens que comandaram o golpe
militar desfechado no Brasil em 1964, não teve a menor repercussão.


O grande matutino da Rua Gomes Freire – situado a dois passos do temido DOPS
– morreu porque teve a audácia de combater os arbítrios perpetrados pelos
militares após a derrubada de João Goulart (1918-1976), que sucedeu Jânio
Quadros (1917-1992) na presidência.


A partir de 1965, quando o Correio da Manhã – que apoiara o golpe desfechado
pelo Exército – decidiu denunciar censura, prisões, mortes e torturas praticadas
pelos militares, o plano de liquidar o matutino começou a ser executado.
Primeiro, através de cuidadosa censura de matérias supostamente subversivas.
Depois, recolhendo as tiragens do jornal antes que os exemplares chegassem aos
caminhões para serem distribuídos.


Quem comandava a apreensão era o ex-zagueiro-direito do Vasco da Gama e da
Seleção Brasileira de 1950 Augusto da Costa (1922-2004). Antigo integrante da
Polícia Especial de Getúlio Vargas (1882-1954), Augusto só não conseguia prender
os jornalistas, que fugiam por uma passagem secreta que os levava à Tribuna da
Imprensa, na Rua do Lavradio, jornal ironicamente fundado pelo jornalista Carlos
Lacerda (1914-1977), adepto da derrubada de João Goulart.


Mas o Correio da Manhã resistiu heroicamente. Seus exemplares,
contrabandeados, chegavam a ser vendidos em Recife por mil cruzeiros, hoje,
aproximadamente, cerca de 100 reais.


Mas o golpe definitivo veio quando os militares chamaram as agências de
publicidade e as proibiram de anunciar no Correio da Manhã. Aí o jornal caiu de
joelhos. E Niomar Muniz Sodré (1916-2003) foi obrigada a alugar o título do
jornal aos irmãos Alencar – Maurício, Marcello (que seria prefeito do Rio) e
Mário – testas de ferro dos empreiteiros que ganhavam obras e mais obras em
concorrências surgidas em Brasília. As matérias da redação tinham que fazer
referências elogiosas, por exemplo, à Belém-Brasília, à Ponte Rio-Niterói e
outras. Eu estava na redação e testemunhei tudo o que relato.


Em 1972, entretanto, as verbas encolheram e em 1974 o jornal, ex-fantástico
matutino, concorrente direto do gigantesco Jornal do Brasil (o da Avenida Rio
Branco, claro), foi a nocaute. E hoje é um prédio mal aproveitado na Gomes
Freire, diante da TV-Educativa.


A mídia brasileira insiste em chorar o fim da RCTV, mas não acendeu uma
única, escassa e barata vela em homenagem póstuma à morte do Correio da Manhã em
1974.


(*) Jornalista há 43 anos (atualmente na ESPN Brasil), com passagens pelo
Jornal do Brasil, O Globo, Correio da Manhã, O Dia, BlochEditores e rádios
Nacional, Tupi e Globo. Publicou ‘História Ilustrada do Futebol Brasileiro’, com
João Máximo, ‘Botafogo – 101 anos de histórias, mitos e superstições’ e ‘Gírias
do Futebol’, com Carlos Leonam.’


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