Segmento de destaque entre os produtos jornalísticos – mais na Europa e EUA que no Brasil, ainda – o livro-reportagem cumpre o papel específico de ampliar informações sobre fatos, ideias etc.
Embora se trate de um território em conformação, entre nós, quem pode ignorar, no jornalismo brasileiro, a ampliação de fatos marcantes como a saga de Olga Benário, a trajetória de Garrincha ou a realidade trágica do Carandiru?
Esses fatos já receberam, em sua época, o tratamento técnico do lead e da pirâmide invertida. Hoje estão perpetuados através de outra técnica não menos importante: o livro-reportagem, como nos textos assinados por Fernando Morais (Olga), Ruy Castro (Estrela Solitária), Dráuzio Varela (Estação Carandiru) e tantos outros.
Mas uma técnica não exclui a outra. Pelo contrário, todas contribuem para o aprimoramento do jornalismo. Afinal, ora o texto depende do lead (por questão de espaço, de pressa etc.), com técnicas de pirâmide invertida para prender a atenção do leitor, ora há espaço, tempo e, sobretudo, recursos, para a grande reportagem, para o texto de fôlego. São vários modos de prestar serviço ao leitor e seria uma perda de tempo discutir qualquer tipo de concorrência entre as técnicas. Até porque seria muito pobre reduzir o jornalismo a técnicas.
As funções da linguagem
Portanto, é bem-vinda a quarta edição do clássico Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura, do professor da ECA-USP e da Academia Brasileira de Jornalismo Literário-ABJL Edvaldo Pereira Lima, lançado no início de 2009 pela Manole, em São Paulo.
São 470 páginas de agradável leitura, organizadas em torno de cinco eixos principais que se destacam pela interdisciplinaridade, lançando sobre o estudo do jornalismo diferenciados olhares a partir da literatura, da história, da sociologia, da antropologia, da psicologia social e também da física quântica.
No capítulo inicial, Edvaldo estuda os fundamentos do jornalismo, procurando estabelecer um quadro conceitual sobre a reportagem e o livro-reportagem, sugerindo várias categorias que podem propiciar boas interconexões com a literatura, como no caso do perfil, do depoimento, do retrato, da ciência, do ambiente, do ensaio, da denúncia etc.
Em seguida, o autor ingressa nos procedimentos da extensão, exemplificando como é possível trabalhar de modo diferenciado os processos básicos de pauta, apuração e edição para levar o leitor a fruir o texto com estesia. Aqui são abordadas as funções da linguagem, bem como as técnicas de narração, descrição e exposição.
Uma reinvenção holística
O terceiro capítulo estuda as possibilidades de um (novo) jornalismo destinado a captar o real com preocupação ética – respeitando a essência do fato ou do depoimento – mas indo mais além na contextualização, no aprofundamento, na explicação de detalhes quase imperceptíveis, com técnicas de imersão que fazem a diferença no aguçamento da percepção, no registro de emoções e sensações, no resgate de momentos inesquecíveis.
Tudo isto passa batido, geralmente, quando não temos tempo de apurar. O autor ilustra este capítulo com a ousada experiência do new journalism que fez escola nos EUA, na Europa e em outras regiões, mas que, no Brasil, teve apenas experiências isoladas como no caso das revistas O Cruzeiro, Realidade, Veja (fase inicial) e Jornal da Tarde.
É no quarto capítulo, entretanto, que está o coração da obra, onde Edvaldo Pereira Lima faz a crítica ao reducionismo de uma prática jornalística apressada, superficialista que acaba levando ao leitor mais do mesmo, monotonamente, todo o tempo, na inútil tentativa de competir com a mídia eletrônica, quando sabemos, todos, que a praia do impresso é o aprofundamento, a capacidade de contextualizar, de ampliar o fato sem desrespeitar a sacralidade da sua essência.
Ele propõe que nos deixemos guiar pelas possibilidades da quântica, na morfogênese da criatividade, do olhar compreensivo e abrangente, na sistêmica reinvenção de um jornalismo capaz de ver o todo, holístico.
Deixar a criatividade fluir
A unidade final trata da simbiose com o jornalismo literário e o futuro, estudando os gêneros e concluindo com a proposta do Jornalismo Literário Avançado-JLA, que o autor introduziu e conduziu no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo e que hoje tem continuidade através da Academia Brasileira de Jornalismo Literário e do site Texto Vivo.
A nova edição dessa obra pode ser saudada como um bom serviço prestado à área dos estudos de jornalismo, inclusive por apresentar, no final, uma bibliografia classificatória que relaciona obras especializadas, livros-reportagem, artigos científicos, trabalhos de grau etc.
Pressionado a buscar novos caminhos diante do avanço das novas tecnologias de informação e comunicação, o jornalismo impresso pode ter na conexão com a literatura um excelente nicho de atuação profissional. Entretanto, não se trata – nem o autor propõe – de reinventar o jornalismo em si ou de abolir as técnicas tradicionais. Trata-se, isto sim, de aprender a explorar também outras possibilidades, na diversificação do jornalismo, inclusive com o apoio das novas tecnologias.
Assim, não será necessário demolir nenhuma pirâmide para deixar a criatividade fluir na construção do texto com autoria.
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Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e professor assistente do Departamento de Comunicação Social da Universidade Estadual Paulista (Unesp-Bauru)