Um dos triunfos legendários da filantropia foi a construção por Andrew Carnegie de mais de 2.500 bibliotecas mundo afora. Sua fama em estimular o aprendizado jamais foi igualada, mas, numericamente, seu feito foi ultrapassado várias vezes por um americano de quem provavelmente o leitor jamais ouviu falar. Vim ao Vietnã para ver John Wood entregar seu décimo milionésimo livro a uma biblioteca que sua equipe fundou nesta aldeia no delta do Mekong – enquanto centenas de crianças locais aplaudiam e abraçavam os livros que ele trouxera como se fossem os mais raros tesouros. A organização beneficente de Wood, Room to Read, abriu 12 mil dessas bibliotecas por todo o mundo, juntamente com 1.500 escolas.
Sim, o leitor leu corretamente. Ele abriu quase cinco vezes mais bibliotecas que Carnegie, embora as suas sejam, sobretudo, instalações de um cômodo que não se parecem em nada com as bibliotecas grandiosas de Carnegie. A Room to Read é uma das instituições beneficentes que mais crescem nos Estados Unidos e está abrindo novas bibliotecas a um ritmo alucinante de seis por dia. A título de comparação, a rede McDonald’s inaugura uma nova loja a cada 1,08 dia.
Tudo começou em 1998, quando Wood, então um diretor de marketing da Microsoft, encontrou por acaso uma escola remota no Nepal que atendia 450 crianças. Havia somente um problema: ela não tinha livros. Wood ofereceu-se jovialmente para ajudar e acabou enviando uma montanha de livros por meio de uma tropa de burros. As crianças locais ficaram delirantemente felizes e Wood disse que sentiu tamanha alegria que deixou a Microsoft, largou a namorada de toda a vida (que achou que ele havia pirado) e fundou a Room to Read em 2000.
Barato e revolucionário
Teve de enfrentar um desafio após outro, não só de abrir as bibliotecas, mas também de enchê-las de livros que os garotos gostassem de ler. “Não há livros para crianças em algumas línguas, por isso tivemos de também nos tornar editores”, explica Wood. “Estamos tentando encontrar o dr. Seuss do Camboja.” A Room to Read possui, até agora, 591 títulos publicados em línguas que incluem o khmer, nepalês, zulu, lao, xhosa, chhattisgarhi, tharu, tsonga, garhwali e bundeli.
Ela também apoia 13.500 meninas pobres que sem isso teriam de largar a escola. Num remoto recanto do delta do Mekong, só alcançável por barco, conheci uma dessas garotas, uma aluna da 10ª série chamada Le Thi My Duyen. Sua família, desalojada pelas enchentes, vive num barraco esquálido à margem de um dique. Quando Duyen estava na 7ª série, ela largou a escola para ajudar a família. “Eu achava que educação não era tão necessária para meninas”, recordou Duyen.
Os funcionários de contato da Room to Read foram até a casa dela e convenceram a família a enviá-la de volta à escola. Eles pagaram suas taxas, compraram uniformes escolares e ofereceram-se para colocá-la num dormitório para que ela não tivesse de viajar duas horas para ir ou voltar da escola de barco e bicicleta. Agora Duyen está de volta, uma estrela em sua turma – e sonhando alto. “Gostaria de ir para a universidade”, ela confessou, timidamente. O custo por garota desse programa é US$ 250 anuais. Para efeito de comparação, dizem que o casamento de Kim Kardashian custou US$ 10 milhões. Essa soma poderia ter apoiado outras 40 mil garotas na Room to Read.
Muitos esforços americanos para influenciar países estrangeiros não tiveram êxito – sobretudo aqui, no Vietnã, uma geração atrás. Nós lançamos mísseis, enviamos tropas, contratamos fantoches estrangeiros e gastamos bilhões sem realizar muito. Ao contrário, escolarizar é barato e revolucionário. Quando mais dinheiro gastamos hoje em escolas, menos teremos de gastar em mísseis amanhã.
“Em 20 anos, 100 mil bibliotecas”
Wood, de 47 anos, é incansável, entusiasmado e emotivo: um orador motivacional sem botão de desligar. Ele se desmanchou todo enquanto as garotas descreviam como a Room to Read transformara suas vidas. “Se você pode mudar a vida de uma garota para sempre, e o custo é tão baixo, por que há tantas garotas fora da escola?” ele refletiu.
O mundo das organizações humanitárias é em geral terrível para passar sua mensagem, e o sucesso do Room to Read resulta, em parte, do passado profissional em marketing de Wood. Ele escreveu um livro fabuloso, Leaving Microsoft to Change the World (Larguei a Microsoft para mudar o mundo, em tradução livre) para espalhar a palavra, e a Room to Read agora possui divisões para arrecadação de fundos em 53 cidades por todo o mundo. Wood também dirige a Room to Read com uma eficiência empresarial agressiva que aprendeu na Microsoft, atacando o analfabetismo como se fosse o Netscape.
Ele diz a apoiadores que eles não estão doando para caridade, mas fazendo um investimento: onde se poderia obter mais retorno de um investimento do que iniciando uma biblioteca por US$ 5 mil? “Fico frustrado por haver 793 milhões de pessoas analfabetas, quando a solução é tão barata”, disse-me Wood do lado de fora de uma de suas bibliotecas no Mekong. “Oferecermos isso não é garantia de que toda criança aproveitará. Mas se não oferecermos, é praticamente garantido que perpetuaremos a pobreza.” “Em 20 anos, gostaria de ter 100 mil bibliotecas, atingindo 50 milhões de garotos”, disse-me Wood.
“Nossa meta para 50 anos é inverter a noção de que se possa dizer a uma criança ‘Você nasceu no lugar errado no tempo errado e por isso não será educado.’ Essa ideia pertence ao lixo da história humana.”
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[Nicholas D. Kristof é colunista do New York Times, ganhador do Prêmio Pulitzer]