Maior grupo editorial do mundo, o britânico Pearson acaba de incluir em seu portfólio a Companhia das Letras. Por meio da editora Penguin, uma das empresas do grupo, a empresa anunciou ontem a compra de 45% da editora brasileira, por um valor não revelado. Os outros 55% continuam nas mãos de Luiz Schwarcz, o fundador, e da família Moreira Salles, que já era e continuará sendo sócia minoritária. Uma holding será formada para comandar a nova empresa e um conselho, formado pelos sócios brasileiros e ainda por John Makinson e Coram Williams, diretores da Penguin, se reunirá anualmente no Brasil para acompanhar os resultados.
“Sou CEO da Penguin há 10 anos e esta é a primeira vez que fazemos um investimento desse tamanho. Nossa preferência é sempre mais por investir internamente para melhorar nossos selos do que por diversificar nossa atuação, mas o Brasil é uma enorme oportunidade de negócios”, comentou Makinson. Para ele, Índia e a China também são, mas a empresa já está nesses países editando livros em inglês. Esta é, aliás, a primeira vez que a Penguin se arrisca em um país de língua não inglesa. Makinson, que é também livreiro independente na Inglaterra, país que junto, com os Estados Unidos, lidera as estatísticas de fechamento de livrarias de rua, disse que o grupo tem muito a aprender com o Brasil.
Em plena crise econômica mundial e num momento em que o mercado editorial e livreiro tenta encontrar um ponto de equilíbrio entre o livro impresso e o digital, o Brasil continua abrindo grandes lojas país afora. “O Brasil pode indicar ao resto do grupo como enfrentar e se beneficiar de oportunidades em mercados emergentes.” Para Luiz Schwarcz, a parceria vai abrir muitas portas. “Estamos nos associando à empresa mais tradicional em termos de publicação cultural e literária e à mais moderna em termos de administração, conceitos e tecnologia editorial.” Duas outras características da britânica, no entanto, chamam a atenção.
Vendas digitais da Penguin cresceram 128%
Com o grupo Pearson – dono também do jornal Financial Times e da revista The Economist – presente no Brasil por meio do sistema de ensino SEB (COC, Dom Bosco, Pueri Domus e Name), adquirido em 2010, a editora paulistana terá ainda mais força para ingressar no lucrativo mercado de vendas para o governo e para escolas particulares. Segundo a pesquisa Produção e Venda do Setor Editorial Brasileiro, realizada pela Fipe, editoras de livros didáticos faturaram R$ 2,1 bilhões em 2010, aumento de 17% se comparado ao ano anterior.
“Nosso alcance no mercado possibilitará outro nível de interação à Companhia das Letras e seus autores”, disse Guy Gerlach, presidente do Pearson no Brasil. Além de facilitar o acesso da Companhia das Letras à sua rede de contatos, Gerlach comentou que os títulos da editora integrarão a biblioteca digital do Pearson, disponível para mais de dois milhões de estudantes do ensino superior.
A experiência da Penguin na edição, venda e promoção de livros digitais também está na mira da Companhia das Letras, que, assim como as outras editoras brasileiras, começa a engatinhar nesta área. Só no primeiro semestre, as vendas digitais da Penguin cresceram 128% em relação ao mesmo período de 2010, e já representam 14% do total de livros vendidos da editora, que opera no Reino Unido, EUA, Austrália, Irlanda, Nova Zelândia, África do Sul, Índia e China.
Linha editorial não muda
“Chegar a ser sócio da Penguin é um momento de grande realização para mim e um momento que aconteceu naturalmente”, contou Schwarcz, que fundou a Companhia das Letras há 25 anos e a transformou em uma das mais respeitadas editoras do País. Em 2010, ele anunciou a primeira parceria com a empresa britânica – o selo Penguin-Companhia, exclusivo para a edição de obras clássicas do catálogo das duas editoras. “Para a Penguin, isto não parece um investimento para o desenvolvimento do grupo”, comentou Makinson, que foi quem sugeriu a sociedade. “Temos uma parceria de anos, dividimos os mesmos valores, compromissos e qualidade editorial. Há uma afinidade muito grande, o que torna esse anúncio uma evolução muito natural.”
Com a nova formação, a Companhia das Letras passa a ter maior acesso às editoras do grupo e maior visibilidade entre elas, o que não significa necessariamente que terá privilégios nas negociações ou na venda de seus títulos para o mercado internacional. Mas o contato já é um bom caminho andado e pode gerar bons resultados para a literatura brasileira. Schwarcz garante que a linha editorial não muda por ora, mas livros mais baratos serão editados pelo selo Boa Companhia. “No futuro, pode ser que venhamos a desenvolver uma nova linha editorial em conceito, mas, hoje, nada muda.”
Catálogo de 1,3 mil autores
Quando Luiz Schwarcz fundou a Companhia das Letras em outubro de 1986, recém-saído da Brasiliense, ainda não pensava em abrir a editora de seus sonhos. Levou um tempo analisando as propostas do mercado até que resolveu encarar o desafio: criar uma casa editorial que se manteria pequena, mas estável, que teria pouco encalhe e que seria repleta de livros que ele gostaria de ler. Começou com Rumo à Estação Finlândia, de Edmund Wilson, não parou mais e teve sucesso. No primeiro ano, foram 48 títulos. Depois de 25 anos, já contava com mais de 1,3 mil autores – os mais concorridos do mercado – em seu catálogo. Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, Sérgio Buarque de Holanda, Chico Buarque e, mais recentemente, Carlos Drummond de Andrade são apenas alguns dos ilustres brasileiros editados por ela. Do lado dos estrangeiros estão nomes como Philip Roth, J.M. Coetzee, Nadine Gordimer, Orhan Pamuk, Gay Talese, George Orwell, Truman Capote, Roberto Bolaño e tantos outros.
Em 1992, já com sua editora consolidada, Schwarcz começou a editar obras infantis. Para comemorar os 25 anos, a editora fez uma série de eventos este ano, com presenças de peso em debates concorridos, como o do israelense Amós Oz. Com o anúncio, ontem, da associação com a Penguin, a editora paulista começa um novo capítulo em sua história.
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[Maria Fernanda Rodrigues, do Estado de S.Paulo]