A regulação das comunicações e a democratização da mídia são assuntos que vêm provocando discussões e polêmicas nos últimos anos. Em 2007, o Partido dos Trabalhadores (PT) aprovou uma resolução sobre o tema em seu 3o Congresso e convocou e realizou, em 2008, uma Conferência Nacional de Comunicação dedicada a essa discussão. Em 2009 o assunto foi incorporado à agenda do governo Lula, que, sob a iniciativa do então ministro da Comunicação Social Franklin Martins, promoveu uma conferência nacional para debater a democratização das comunicações. A intenção do governo era consolidar uma proposta, a ser submetida ao Congresso Nacional, de regulação e democratização da mídia. Nessa proposta estava embutida, entre outras iniciativas, a criação de um conselho de comunicação que teria como um dos objetivos acompanhar a cobertura midiática. Finalmente, no recente 4o Congresso do PT, realizado neste ano (2011), o partido aprovou resolução reiterando sua histórica posição favorável à democratização da informação e pela regulamentação dos artigos constitucionais que se referem à propriedade cruzada dos meios de comunicação.
Estas iniciativas no plano partidário e no âmbito governamental suscitaram, e suscitam, fortes reações por parte dos principais grupos de mídia do país. Embora sejam coisas diferentes – as propostas de regulação e democratização da mídia e a criação do conselho de comunicação –, ambas foram colocadas no mesmo cesto e tachadas, pela grande imprensa, como propostas autoritárias de censura.
Confunde-se aí, propositadamente, liberdade de expressão, um dos direitos fundamentais do mundo moderno, com a ideia neoliberal de desregulamentação dos mercados. A questão, porém, é muito mais complexa e envolve interesses políticos e empresariais que afetam os poucos grupos familiares que controlam, via propriedade cruzada, as principais publicações da mídia impressa (revistas e jornais) e eletrônica (redes de TV e rádio) do país. Nos últimos anos, esses grupos ampliaram seu domínio ao novo campo da mídia digital que tem como suporte a internet e seus variados subprodutos (portais, sites, blogs etc.). Portanto, a questão-chave nesse debate diz respeito ao monopólio familiar, à propriedade cruzada dos meios de comunicação e às possibilidades do nosso sistema de mídia abrir-se a um pluralismo regulado – como sugere John B. Thompson (A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia, Petrópolis: Vozes, 2002) – que amplie e democratize a informação e favoreça a diversidade de opiniões e o debate na esfera pública.
Uma impossibilidade
A coletânea de Venício Artur de Lima, um pioneiro dos estudos de Comunicação Política e um dos mais produtivos pesquisadores da área, aborda todas essas questões a partir do tema central da regulação das comunicações. A obra, que conta com prefácio de Bernardo Kucinski, está dividida em três partes e reúne dez capítulos e uma entrevista, todos escritos ou reescritos (no caso de textos já divulgados em publicações de circulação restrita) entre 2006 e 2010. Na primeira parte, o autor traça um histórico da política de comunicação em de três capítulos que rastreiam o debate no governo Lula, na Constituinte e a relação da imprensa com o poder político depois dos anos 1930. Na segunda parte, abrangendo cinco capítulos, o livro foca a questão do poder e das concessões públicas de rádio e televisão e seus efeitos no sistema de mídia e no sistema político. E, finalmente, a terceira parte, que reúne dois capítulos, uma entrevista e um anexo, discute questões concernentes ao direito à comunicação e à relação entre comunicação, poder e cidadania.
Lima não se esconde numa pretensa “neutralidade científica”. Ao longo das páginas do seu livro, defende de forma clara, direta e enfática a regulação e a democratização dos meios de comunicação. O autor abre a apresentação da obra afirmando que “o debate público sobre a regulação do setor de comunicações é inevitável. Apesar da interdição histórica e sistemática da grande mídia…” (p.20). E lembra algumas linhas adiante que “… as comunicações constituem um setor onde as cartas são dadas por uns poucos grupos no nosso país, há várias décadas” (p. 21).
A partir deste ponto, Lima reconstrói historicamente, desde o processo constituinte de 1988, o debate sobre a regulação da mídia (com ênfase no setor de radiodifusão) e o direito à comunicação. Expõe com riqueza de dados a resistência dos grandes grupos de mídia e seus ideólogos, e os argumentos e contra-argumentos esgrimidos pelos defensores do status quo e os militantes pela regulação e democratização da mídia. Mostra e comenta casos da relação entre o campo da mídia e o campo político, examinando, particularmente, a influência da mídia na esfera do poder, as concessões de rádio e TV, o “coronelismo eletrônico” e a tensão entre a lógica do serviço público e do serviço privado na área da comunicação. E avança a discussão para tendências contemporâneas ao contrapor a influência da grande mídia versus a nova mídia na política brasileira em processos eleitorais mais recentes, como as eleições presidenciais de 2006 e 2010.
Mas é na curta entrevista do autor, inserida na terceira e última parte da coletânea (pp. 231-237), que o leitor encontrará de forma mais direta e estruturada os argumentos-chaves em defesa da regulação e democratização dos meios de comunicação.
Recorrendo ao conceito de “direito à comunicação”, o fundamento básico que sustentaria os conceitos de “liberdade de imprensa” e “liberdade de expressão”, Lima vê no cidadão o sujeito de direito (de ser bem informado e informar) a quem todos esses conceitos devem servir, e não nas empresas e corporações de mídia. No seu entendimento, é um equívoco e uma impossibilidade tentar democratizar a grande mídia.
Dados relevantes
A democratização, para ele, só será possível pela regulação das comunicações e de políticas públicas que incentivem mídias alternativas e democratizem a legislação de rádios, jornais e TVs comunitárias conjugada com a criação de um sistema de mídia público, cujo primeiro passo seria a criação da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC).
Em resumo, o livro de Venício Arthur de Lima, escrito com a habitual competência do autor, chega num momento oportuno e agrega ao debate dados e análises relevantes para que a discussão avance tanto nos meios acadêmicos quanto no campo político.
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[Fernando Antônio Azevedo é cientista político e professor do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)]