O livro mais comentado dos últimos tempos no Brasil é A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Jr. Como qualquer assunto político no país, o livro divide opiniões. Muitos preferem tomar uma posição contra ou a favor da obra, baseada unicamente em suas posições partidárias e ideológicas. Para resumir: petistas estão adorando o livro mesmo sem tê-lo lido. Tucanos também não leram, mas odiaram.
Já escrevi aqui que abomino esse racha. Não consigo aceitar um país dividido, onde você precisa escolher um dos dois lados. E, a exemplo de Groucho Marx, não quero ser sócio de nenhum clube que me aceite como membro. Se alguém perguntar de “que lado” estou, posso dizer que desgosto igualmente de governo e oposição. Acho os dois uma vergonha.
Abomino o fisiologismo, as alianças com figuras sinistras da ditadura, os desmandos e a corrupção. Dos dois lados. Tenho vergonha das briguinhas políticas que vejo nos noticiários e que demonstram que todos estão mais preocupados em dominar o país do que em melhorá-lo.
Ao mesmo tempo, é preciso ser imparcial ao analisar as – poucas – coisas boas que aconteceram nos últimos anos. Independentemente de seu partido de preferência, não dá para negar que o plano Real do então ministro da Fazenda FHC ajudou a colocar o país nos trilhos, e que a economia do país melhorou durante o governo Lula.
Por isso, quando vejo mais uma briguinha partidária, dessa vez a respeito de um livro, não tomo partido. Faço o que qualquer pessoa de bom senso faria – e o que a grande maioria ainda não fez: leio o tal livro.
Sem provas
Vou relatar aqui minhas impressões sobre os fatos mostrados no livro. Quem quiser discutir minha análise dos fatos, será bem vindo. Pode escrever à vontade nos comentários, que eu, na medida do possível, tentarei responder.
Só não vou deixar que a caixa de comentários vire mais uma briguinha infantil entre tucanos e petistas.
Sobre o livro:
A Privataria Tucana denuncia o que considera desmandos e prejuízos ao Estado nas privatizações realizadas durante o governo FHC.
O assunto não é novo e foi amplamente coberto pela imprensa, como o próprio autor do livro deixa claro. Ele cita, inclusive, reportagens e livros sobre o assunto, em especial O Brasil Privatizado – Um Balanço do Desmonte do Estado, de Aloysio Biondi (Editora Fundação Perseu Abramo, 1999).
A novidade – ou pelo menos a novidade propagandeada em redes sociais e por quem não leu o livro – seria a acusação de que tucanos, e em especial José Serra, teriam se favorecido financeiramente com as privatizações.
Para comprovar a tese, o autor relata as atividades de diversas pessoas intimamente ligadas a Serra, como a filha, Verônica, o marido dela, o empresário Alexandre Bourgeois, e o empresário espanhol Gregorio Martin Preciado, amigo de Serra e casado com sua prima.
O personagem mais citado é Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil e ex-tesoureiro de Serra e FHC. O livro mostra depósitos de uma empresa de Carlos Jereissati, participante do consórcio que arrematou a Tele Norte Leste (hoje Oi), na conta de uma empresa de Oliveira nas Ilhas Virgens Britânicas, ocorrida dois anos após a privatização.
Já Verônica Serra é acusada, entre outras coisas, de ter empresas em paraísos fiscais em sociedade com Verônica Dantas, irmã de Daniel Dantas, do Banco Opportunity.
O que eu não consegui encontrar no livro é uma acusação direta a Serra, implicando-o no que o autor considera desmandos nos processos de privatizações.
O livro insinua que boa parte do dinheiro movimentado em paraísos fiscais pelos personagens ligados a Serra teria vindo das privatizações. Mas isso não fica provado.
E, mesmo com todas as histórias escabrosas envolvendo tantas pessoas próximas a José Serra, não fica provado que ele se favoreceu de dinheiro das privatizações.
Se algum leitor mais atento quiser contra-argumentar indicando trechos do livro, agradeço. O debate é sempre saudável.
Mais trabalho
A Privataria Tucana acusa ainda o presidente nacional do PT, Rui Falcão, de ter vazado para a imprensa informações sobre uma rede de arapongas montada pelo partido para espionar e armar dossiês contra Serra. O autor também não mostra provas disso.
Para finalizar, acho que a ombudsman da Folha, Suzana Singer, está certíssima em seu texto de ontem [domingo, 18/12].
“Para avaliar a qualidade do material publicado, são necessários tempo e um jornalista investigativo experiente. Primeiro, é preciso apontar o que há de novidade, quais são os documentos inéditos, já que muitas denúncias elencadas apareceram na grande mídia na época. (…)
Só que o trabalho ainda não acabou. A Secretaria de Redação diz que o jornal está ‘em busca de fatos que mostrem aspectos relevantes e desconhecidos do processo de privatização’. ‘Para isso, pode usar esses e outros documentos como ponto de partida de investigações mais profundas’, afirma.
Ao leitor, resta esperar para saber o que é lixo, como definiu Serra, e o que é notícia ali.”
Concordo com a Suzana. Não se trata de ser “a favor” ou “contra” um livro, e é uma pena que o debate, até agora, tenha se reduzido a isso.
Trata-se de analisar a informação contida no livro para apurar responsabilidades.
Só que isso dá trabalho. É muito mais fácil juntar uns amigos no Twitter e decidir qual é a verdade.
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[André Barcinski é crítico da Folha de S.Paulo, diretor e produtor dos programas O Estranho Mundo de Zé do Caixão e Preliminares, no Canal Brasil, e co-apresentador do programa Garagem, na Rádio UOL]