Christopher Hitchens tinha muitos inimigos. Mas nenhum leitor de revistas americanas pode negar que ele trabalhava muito. Parecia estar em toda a parte, com resenhas de livro, artigos, entrevistas. Antes de sua doença agravar, era possível encontrá-lo todos os meses nas páginas da Atlantic. Sua passagem por Paraty, onde participou da Feira Literária, foi uma das mais marcantes. Com a pele clara um pouco queimada pelo sol tropical, alguns drinques a mais, não esperava que fosse tão articulado no debate que tivemos mais tarde, numa das mesas da Feira.
Hitchens é um expoente de uma geração de jornalistas que se dedica a derrubar mitos, quando necessário. Isso sempre houve, mas no caso dele ganhou dimensões globais porque seus alvos não eram limitados no espaço. Da Madre Teresa de Calcutá, a quem ele criticou, Hitchens voltou-se contra Deus. Seu enfoque não é tão filosófico como o de outros ateus militantes. Ele examinou os males que o fundamentalismo religioso traz ao mundo.
No momento em que a doença de Hitchens foi anunciada, acabara de comprar um de seus livros: Os Direitos Humanos em Thomas Paine. Hitchens analisa minuciosamente o texto de 1791 de Thomas Paine e foi chamado pelo Independent como um legítimo descendente do panfletário inglês. A julgar pela sua intervenção em Paraty, Hitchens era muito impressionado pelo fundamentalismo muçulmano. Defendeu a guerra no Iraque e isso nos separou no debate. Ao ser informado do meu passado (sequestro de embaixador), foi um pouco duro comigo, dizendo que os americanos tinham salas especiais para recepcionar terroristas. Não era esse o tema central, e sim, a guerra do Iraque. Quando voltou aos Estados Unidos, Hitchens escreveu um artigo simpático afirmando que apreciava apenas dois ex-terroristas e um deles era eu.
Grande polemista
Sua passagem pelo Brasil deu tudo o que se esperava de um intelectual independente como ele. Muitas vezes desagradou à plateia e deixou bastante claro que sua missão não era dizer o que queriam, apesar dos murmúrios. Mesmo com as eventuais divergências, reconheço que Hitchens era sinceramente o que atribuía a Thomas Paine, seu inspirador:
“Sempre que ambos, direito e razão, estiveram sob ataque, a vida e os escritos de Thomas Paine serão parte do arsenal do que vamos depender.”
Inglês, radicado nos Estados Unidos, Hitchens recebeu um belo elogio de Joseph Heller: “Lamento que tenha apenas uma vida, uma cabeça e uma reputação para colocar a serviço de meu país.”
Guardo uma boa lembrança de Hitchens em Paraty. Foi um grande polemista e alguns de seus admiradores se deliciaram com as referências negativas que fez a mim. Vou sentir sua falta, todo mês na Atlantic e espero que não vá nem para o céu nem para o inferno, porque ficaria muito irritado com a surpresa.
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[Fernando Gabeira é jornalista e escritor]