Como todo regime totalitário, o regime sírio não gosta dos jornalistas. Por isso tentou manter a imprensa estrangeira longe do país desde março, quando começou a contestação dos opositores, dispersados à bala pelas milícias e pelos militares fiéis a Bashar Al-Assad. Gilles Jacquier, de 43 anos, morto na quarta-feira [10/1], é o primeiro jornalista ocidental a perder a vida na Síria desde o início da verdadeira guerra civil que assola o país, espécie de propagação lógica do que se convencionou chamar de “primavera árabe” e que já fez mais de cinco mil mortos. O regime não quer jornalistas profissionais cobrindo a contestação. Por isso, no início do conflito os jornalistas estrangeiros eram proibidos de entrar no país e somente agora o governo vem dando vistos a jornalistas. Mas demoram a ser concedidos e são dados com parcimônia.
O repórter especial Gilles Jacquier entrou na Síria legalmente, com visto do governo para fazer uma reportagem para o canal público France 2, para o qual cobriu as grandes guerras e conflitos dos últimos vinte anos. Uma colega sua já cobrira os acontecimentos sírios do lado dos rebeldes, sem visto de entrada no país. A repórter entrou ilegalmente pela fronteira libanesa e acompanhou os opositores ao regime. A excelente reportagem que foi ao ar em novembro no canal France 2 compreendia entrevistas com jovens chefes rebeldes e cenas de ações de protesto nas ruas, sempre marcadas pela repressão sangrenta de Al-Assad.
Jacquier viajou à Síria para fazer o oposto de sua colega. Ele realizaria uma reportagem totalmente legal, cobrindo as ações das tropas do governo Bashar Al-Assad. Mas uma das bombas lançadas no bairro de Homs em que se encontrava com outros jornalistas ocidentais – suíços, belgas, holandeses e libaneses – fez com que o trabalho do repórter terminasse subitamente em tragédia. A mulher do jornalista, fotógrafa profissional, também se encontrava no grupo de Gilles Jacquier. Em outro grupo de jornalistas, num outro bairro, havia jornalistas da CNN, BBC, CBS, do jornal The Guardian e da agência AFP, entre outros, acompanhados por representantes do Ministério da Informação sírio.
Circunstâncias ainda obscuras
A morte está à espreita dos jornalistas que cobrem os conflitos armados. No ano passado, 66 jornalistas morreram cobrindo conflitos, 16% a mais que no ano anterior, segundo Repórteres sem Fronteiras. Seja na Praça Tahrir, no Cairo, na cidade de Khuzdar, no Paquistão, em Mogadíscio ou nas Filipinas, os jornalistas que cobrem os conflitos no planeta foram no ano passado mais que nunca vítimas do risco que o métier implica.
Gilles Jacquier trabalhava para France 2 desde 1999 e tinha coberto a Guerra no Iraque, no Afeganistão, o conflito no Kosovo e o conflito entre israelenses e palestinos. Com seu colega Bertrand Coq, ele dividiu o prêmio Albert Londres de reportagem, em 2003, pela cobertura da segunda Intifada palestina.
O presidente Sarkozy lamentou a morte do jornalista e o Quai d’Orsay (Ministério de Relações Exteriores) pediu esclarecimento sobre as circunstâncias ainda obscuras em que o jornalista perdeu a vida. Os opositores culpam o regime enquanto este acusa um “grupo terrorista” do ataque.
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[Leneide Duarte-Plon é jornalista, de Paris]