Não é estranha a coincidência: no ensino fundamental, quanto menos leitura de textos, já não se digam clássicos, mas ao menos consolidados na literatura brasileira, pior o nível dos alunos para dominar a norma culta de nossa língua portuguesa. De repente, não se sabe bem por quais razões, a escola abandonou o autor nacional.
Tomemos uma antologia, escolhida a esmo, dentre aquelas cujos textos os estudantes deveriam ler na primeira e segunda séries do antigo ginásio, hoje correspondentes à quinta e oitava séries. Esclareçamos: a alfabetização tinha sido feita no primeiro semestre da primeira série. Do segundo em diante, todos começavam a ler trechos escolhidos de fábulas, contos de fada, episódios bíblicos, quadrinhas populares, excertos de canções e, naturalmente, o cancioneiro cívico da pátria, com destaque para o Hino Nacional.
E chegara o ginásio! A primeira aula de língua portuguesa poderia trazer um texto do Visconde de Taunay e uma poesia de Casimiro de Abreu. Eis um parágrafo do primeiro, intitulado Noite Escura: “Em trevas tão densas nada pode lobrigar o olhar indagador e um tanto inquieto do viajante, na sua frente, mais do que a esteira alvacenta que vai desenrolando a estrada (…).”
Desconcertos e perplexidades
E a seguir, vinham estes versos de Meus Oito Anos: “Que aurora, que sol, que vida,/ Que noites de melodia/ Naquela doce alegria,/Naquele ingênuo folgar!/ O céu bordado de estrelas,/ A terra d’aromas cheia,/ As ondas beijando a areia,/ A lua beijando o mar.”
O segundo texto era apenas para ler e recitar, mas do primeiro era necessário achar o significado e os sinônimos de “trevas tão densas”, “lobrigar”, “alvacenta” etc. A cada aula eram ensinadas dez novas palavras, quase todas estranhas ao universo vocabular dos alunos. Outra tarefa comum era reescrever os textos após cuidadosa leitura.
Leitores amigos, escolham a esmo um livro didático ou paradidático de seus filhos, dos filhos de seus amigos ou vizinhos, de universitários, a maioria deles sem saber tecer um texto, e tirem suas conclusões. Na seleção de trechos de livros para compor a dieta de leitura dos alunos pode estar a chave de nossos desconcertos e perplexidades diante das notórias dificuldades que eles têm de ler e entender o que leem.
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[Deonísio da Silva é escritor, doutor em letras pela USP, professor e vice-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro]