Romances sobre e com jornalistas atraem escritores desde sempre, de Bel Ami (1885), de Guy de Maupassant, a Furo! (1938), de Evelyn Waugh, passando pela trilogia Millenium (2008-2009), de Stieg Larsson, entre outros títulos.
Não pelo romantismo heroico que normalmente se atribui à atividade jornalística, mas pelas possibilidades de enredo dos personagens que exercem a profissão, as quais são mais amplas que as de um contador, por exemplo, ou de um taxidermista.
Ajuda se o autor souber do que está falando ou, melhor ainda, for ou tiver sido ele próprio um jornalista. É o caso de Tom Rachman, de Os Imperfeccionistas, que antes de estrear na literatura foi correspondente internacional da Associated Press em Roma e trabalhou como editor do International Herald Tribune em Paris.
O repórter de agência de notícias tem de aprender a escrever um texto sem rodeios e enrolação, que vá direto ao ponto mas capture o essencial, o que os americanos chamam de “just the facts, ma'am” (apenas os fatos, senhora). A característica está presente no livro, principalmente nas descrições dos lugares, que revelam o essencial, mas não enchem a paciência do leitor.
Já o editor do International Herald Tribune tende a viver uma vida de luxo deliciosamente decadente.
Fundado em Paris em 1887, o título que hoje é a versão mundial resumida do New York Times baseia o noticiário principal nas reportagens do próprio NYT.
Generalizando, resta à equipe própria baseada na Europa as intrigas de menor importância. É esse ambiente a clara inspiração do jornal internacional que nunca é nominado em Os Imperfeccionistas, em torno do qual se passa a trama.
Cada capítulo é escrito do ponto de vista de um dos envolvidos com o periódico: de Lloyd, o correspondente decadente que já passou “férias improvisadas no Brasil, com mulheres improvisadas”, a Herman, o chefe de reportagem -que já está em seu memorando nº 18.238 de dicas de correção a uma incorrigível Redação-, mas também do proprietário e até de alguém como você, um leitor.
As narrativas se encerram em si mesmas, mas todas têm ligação, como reportagens e cadernos de um jornal. Juntas, formam um dos melhores livros dos últimos anos.
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[Sérgio Dávila é editor-executivo da Folha de S.Paulo]