Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A revolução da conectividade na China

Um país que, historicamente, pode ser considerado o mais fragmentado do globo, a China hoje está se unificando de uma maneira jamais vista antes por causa de uma nova conectividade.

A comunidade da internet no país está se expandindo rapidamente, com profundas implicações para a economia chinesa, sem falar nas normas sociais e no sistema político. Esse gênio não poderá ser colocado de volta na garrafa. Uma vez conectado, não existe possibilidade de retorno.

O ritmo de transformação é de tirar o fôlego. De acordo com o site Internet World Stats, o número de usuários da web na China mais do que triplicou desde 2006, chegando a 485 milhões em meados de 2011. Além disso, essa corrida para a conectividade está longe de terminar. A partir de meados de 2011, apenas 35% da sua população de 1,3 bilhão de pessoas estava conectada à web – um porcentual muito distante dos índices de penetração de 80% observados na Coreia do Sul, Japão e EUA.

Na verdade, com o custo da conexão à internet caindo drasticamente e com a urbanização e a renda per capita melhorando de modo consistente, não é insensato esperar que o acesso à web na China supere a faixa dos 50% em 2015. O que será equivalente a adicionar cerca de três quartos de todos os atuais usuários de internet nos Estados Unidos.

E também não podemos dizer que os usuários de internet na China acessam a rede esporadicamente. Em consonância com o que o estudioso da rede social Clay Shirky qualificou como propensão da sociedade a buscar o “superávit cognitivo” incorporado nas atividades baseadas na internet, dados de levantamentos feitos pelo China Internet Network Information Center (o centro de informações sobre a internet no país) sugerem que os cidadãos chineses ligados à rede passam em média 2,6 horas por dia online – uma hora a mais do que o cidadão médio chinês entre 15 e 49 anos passa frente à TV.

Comunidade em expansão

Os microblogs da China, ou as redes sociais, cuja utilização tende a ser a mais intensa, contavam com aproximadamente 270 milhões de usuários no fim de 2011. E existe muito espaço para esse número crescer. Em todo o mundo, 70% de todos os usuários de internet estão envolvidos hoje em alguma forma de microblog, o segmento que mais cresce na rede. Na China, esse porcentual é de apenas 55%.

Quando fazemos uma análise da China, é sempre fácil nos deixarmos levar pelos números – especialmente aqueles que envolvem o tamanho descomunal do país. Mas a verdadeira mensagem nesse caso tem a ver com as implicações da conectividade, não apenas com a escala.

Uma implicação chave é o potencial da internet para ter um papel significativo na emergência da sociedade de consumo na China – um imperativo estrutural crítico para uma economia há muito tempo desequilibrada. Com a conectividade, deve surgir uma consciência nacional em termos de hábitos de consumo, gostos e marcas – características essenciais para qualquer cultura consumista.

O porcentual de consumo na China, inferior a 35% do PIB, é menor do que o registrado em qualquer país de porte. O aumento do uso da internet pelos chineses poderá contribuir para as iniciativas para estimular o consumo constantes do 12.º Plano Quinquenal do governo, recentemente implementado.

A internet deve também levar a comunicações mais abertas e mais livres, a uma mobilidade maior, à difusão rápida e transparente da informação e, sim, à individualidade. A liderança da China tem expressado cada vez mais sua preocupação com as crescentes desigualdades que podem, de outro modo, impossibilitar o desenvolvimento do que consideram uma “sociedade mais harmoniosa”. A conectividade online pode ser um instrumento poderoso para ajudar a China a se congregar e atingir essa meta.

Finalmente, a internet tem potencial para ser um instrumento de mudança política. Esta não é uma consideração inconsequente no tocante a qualquer país após a Primavera Árabe, que foi auxiliada em muitas países (especialmente Tunísia e Egito) pela mobilização possibilitada pela rede.

Embora uma reforma da China como Estado de partido único sempre tenha sido vista como uma meta importante na China moderna – desde a chamada Quinta Modernização de Wei Jingsheng, nos anos 70, até os discursos recentes do premiê Wen Jiabao -, grandes avanços têm sido limitados. É provável uma mudança à medida que a China adota a internet?

O país não é exceção quando se trata de colocar a liderança, a responsabilidade e capacidade de resposta como condições de estabilidade política. A comunidade da internet na China, que se expande rapidamente, por várias vezes despertou a consciência nacional para problemas locais difíceis. Isso ficou evidente após o terremoto em Sichuan, em 2008, nas violências étnicas em Xinjiang, em 2009, e no acidente com um trem de alta velocidade em Wenzhou, em 2011.

Poder da rede

Como a Primavera Árabe demonstrou, a internet pode rapidamente transformar incidentes locais em situações explosivas – tornando a conectividade uma fonte potencial de instabilidade e agitação política. Mas esse tem sido o caso apenas em países governados por regimes autocráticos muito impopulares.

A liderança chinesa, pelo contrário, é vista com muito mais simpatia pela sociedade. Sua resposta rápida e direta aos incidentes em Sichuan, Xinjiang e Wenzhou são exemplos importantes. Líderes do alto escalão do Partido, especialmente o premiê Wen Jiabao, reagiram de maneira rápida e enfática, bastante eficaz para conter os grandes temores manifestados na internet.

Nada disso nega o lado obscuro da explosão da internet na China – a saber, a censura generalizada e restrições à liberdade de expressão do indivíduo. A equipe da SkyNet (que, segundo especulações, chega a 30 mil pessoas) é a maior força policial cibernética do mundo.

Além do que, embora a China não seja a única a policiar a internet, a autocensura por parte dos maiores portais do país amplifica o monitoramento e a fiscalização oficial. Restrições impostas recentemente aos microblogueiros – especialmente a negação de acesso àqueles que usam pseudônimos e não podem ser rastreados – aumentaram as preocupações no tocante à liberdade dos chineses na internet. Naturalmente, tais restrições, se, de um lado, limitam potencialmente a expressão individual, por outro, inibem ataques de vigilantes implacáveis disfarçados.

Filtrada ou não, uma China historicamente fragmentada hoje tem uma rede viável, que se expande rapidamente. O poder dessa rede, especialmente quando a mudança econômica, social e política está envolvida, é difícil de prever. Mas a conectividade dá uma nova dimensão de coesão para o país. O que só pode acelerar a velocidade do seu extraordinário desenvolvimento.

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[Stephen S. Roach é professor na Universidade Yale, diretor do Banco Morgan Stanley Asia]