Geralmente, janeiro é um mês previsível e sem maiores surpresas. Boa parte da população está de férias, os parlamentares estão em recesso e a programação televisiva é dedicada a reprises de programas exibidos durante o ano anterior. Porém, o dito popular “o ano só começa depois do carnaval” não pode ser aplicado para 2012. Ao contrário do que se esperava, o primeiro mês do ano foi bastante agitado. Tragédias naturais e humanas, um suposto caso de estupro transmitido ao vivo pela televisão, o surgimento de celebridades instantâneas e a volta de alguns personagens aos noticiários marcaram o mês de janeiro.
Apesar das surpresas, as primeiras notícias do ano, infelizmente, não foram nenhuma novidade. Trata-se dos milhares de pessoas que perderam seus pertences e vidas por causa das fortes chuvas de verão. No entanto, as intempéries climáticas são utilizadas como pretexto para escamotear as origens dessas tragédias: a falta de investimento público em infraestrutura e em políticas preventivas.
De acordo com o excelente editorial do jornal Brasil de Fato, as verdadeiras causas dos desastres socioambientais estão no modelo de produção agrícola agroexportador, responsável, em parte, por mudanças nos regimes pluviométricos da região sudeste; na especulação imobiliária nas cidades, que força a população pobre a migrar para áreas de risco; no desrespeito ao atual Código Florestal e na grande impermeabilidade do solo no espaço urbano.
Erotização das mulheres
Em contrapartida, enquanto lamentamos o fato de milhares de brasileiros terem perdido as suas moradias, as empresas do setor de construção civil agradecem: vão angariar mais lucros. Se no nordeste do país existe a clássica “indústria da seca”, na região sudeste, cada vez mais, tem se fortalecido a “indústria das enchentes”.
Aliás, o setor imobiliário também tem muito a ganhar com as políticas higienizadoras promovidas pelos governos da capital e do estado de São Paulo. Dessa forma, áreas como a Cracolândia e o Pinheirinho devem ser evacuadas para a especulação imobiliária. A população pobre e os viciados em drogas, como sempre, são empecilhos para a acumulação capitalista. Parece que no Brasil a pobreza ainda é uma questão de polícia (e não de política). Falando em repressão, a mesma mídia que apoia incondicionalmente as ações da PM se calou diante do estupro de uma estudante por um policial, ocorrido na USP.
Por sua vez, o suposto estupro ocorrido na décima segunda edição do BBB demonstra até que ponto pode chegar a decadente televisão brasileira. Ainda sobre reality shows, a Rede Bandeirantes apresentou, nas noites de segunda-feira, o programa Mulheres Ricas. Apesar de ter sido bastante comentado nas redes sociais, obter bons índices de audiência e chegar a ser noticiado até no exterior, Mulheres Ricas foi um festival de ostentações, futilidades e extravagâncias de gosto duvidoso.
Já as tradicionais minisséries globais reforçaram os velhos estereótipos difundidos pela emissora. O Brado Retumbante apresentou a demonização da esfera política e As Brasileiras (que estreou em fevereiro, mas já havia sido exaustivamente anunciada durante o mês de janeiro) acentuou mais uma vez a grande erotização das mulheres em nosso país. Nessa área, o destaque foi a trama Dercy de Verdade, que retratou a vida de uma das atrizes mais originais do século passado.
“Já fomos mais inteligentes”
Por outro lado, alguns personagens e casos policiais retornaram aos noticiários. Os telejornais relembraram os dez anos do assassinato de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André (região metropolitana de São Paulo). Não nos iludamos. Tal “lembrança” teve o intuito de provocar o atual governo federal e encobrir a corrupção denunciada pelo livro Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Júnior. Cesare Battisti, ex-ativista político que protagonizou uma batalha diplomática entre Brasil e Itália, também voltou a ser manchete ao lançar o livroAo Pé do Muro, durante o Fórum Social Temático em Porto Alegre. Como é de praxe, foi alvo de mais um massacre midiático.
Contudo, a ocorrência mais impressionante desde início de 2012 foi o desabamento de três prédios localizados na região central da cidade do Rio de Janeiro. Segundo dados daDefesa Civil, pelo menos dezessete pessoas morreram.
Não bastassem todos esses fatos inusitados, o Brasil exportou para o continente europeu a música Ai Se Eu Te Pego de Michel Teló. Mais de quinhentos anos após o “descobrimento”, conseguimos, de alguma forma, “nos vingar” das mazelas provocadas pelos nossos colonizadores. Como disse o âncora Carlos Nascimento, no Jornal do SBT, “nós já fomos mais inteligentes”.
E assim todos nós, brasileiros, assistimos atônitos aos acontecimentos deste janeiro conturbado. Todos não. Menos a Luiza, que estava no Canadá.
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[Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela] Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)]