Quase não se percebeu, em meio a toda aquela balbúrdia. Muitos espectadores não viram. Mas no dia 5 de fevereiro, durante o espetáculo de intervalo das finais de futebol americano (Super Bowl), o apogeu do esporte e do ano da emissora, a popstar inglesa Mia cantarolou “Estou pouco me lixando” (I don’t give a shit) e levantou o dedo médio em direção às câmeras. A NBC, rede que apresentava o show, rapidamente se desculpou pelo “gesto inapropriado”. Isso, no entanto, para o Conselho de Pais para a Televisão [Parents Television Council (PTC)], que faz campanhas por programas mais saudáveis, foi uma resposta inadequada ao que seus membros consideraram um “tapa na cara” das famílias norte-americanas.
Não se sabe se algum juiz da Suprema Corte estava assistindo ao programa ou se sentiu um tapa na cara. Ocorre, no entanto, que eles estavam justamente agora matutando sobre esse tipo de incidente. No mês passado, ouviram questionamentos envolvendo duas outras redes de TV, a Fox e a ABC, que estão contestando as restrições impostas pela Comissão Federal de Comunicações [Federal Communications Commission – FCC] à indecência. As emissoras entendem que suas produções deveriam ser isentas de qualquer tipo de censura, tal como ocorre com a televisão a cabo e a internet. Opõem-se, especificamente, às normas da FCC sobre “palavrões fugazes” [fleeting expletives] (casos isolados de palavrões, muitas vezes improvisados) e rápidas tomadas de partes do corpo excitáveis, ambas sujeitas a pesadas multas. Essas normas, por sua vez, foram parcialmente adotadas graças ao escândalo proporcionado pelo espetáculo de intervalo de outro Super Bowl, quando o seio de uma outra popstar apareceu momentaneamente desnudado – devido, supostamente, a um “defeito na roupa”.
O programa de TV mais assistido da história
A FCC proibiu, há muito tempo, atitudes profanas e pessoas nuas, embora tivesse uma atitude menos rigorosa em relação a incidentes isolados. A Corte Suprema aprovou suas normas em 1978, apesar de sua intromissão na liberdade de expressão, com base em uma lei proibindo obscenidades no rádio. Mas as emissoras alegam que a campanha da FCC por decência é inconsistente, desnecessária e cada vez mais quixotesca. Por que, perguntam, os palavrões são permissíveis em algumas circunstâncias (nas exibições de Saving Private Ryan, um filme de guerra realista) e não em outras (espetáculos de entrega de prêmios em que estão presentes celebridades que falam vulgaridades)? Seria realmente necessário proteger o público de palavrões, quando os espectadores podem simplesmente optar pelo controle remoto? E, principalmente, embora a Corte tenha permitido o policiamento das ondas aéreas em 1978 por serem um recurso deficiente, de propriedade pública, isso ainda faz sentido na era da TV a cabo, por satélite e do YouTube? Afinal, cerca de 85% das residências norte-americanas têm assinatura de algum tipo de TV paga e quase 70% têm banda larga, o que permite uma exposição constante a palavrões e obscenidades.
No entanto, avaliando as perguntas que fizeram aos advogados das emissoras, nem todos os juízes foram convencidos. O juiz John Roberts disse que tudo o que o governo pede são “alguns canais onde você não tenha que escutar a palavra m…, ou a palavra f… Principalmente, como destaca o Conselho de Pais para a Televisão, porque apesar da proliferação de opções de canais, as emissoras continuam supremas. Entre os 100 espetáculos mais populares do ano passado, 98 foram em TV aberta, e não a cabo. Cerca de 114 milhões de pessoas assistiram ao espetáculo de intervalo do Super Bowl deste ano, tornando-o – com palavrões, dedo médio e tudo – o programa de televisão mais assistido da história dos Estados Unidos.