“Você vai entrevistar o Wando.” A ordem do meu chefe de reportagem soou para mim como uma sentença de morte. Frila da extinta Bloch Editores, eu considerava o compositor brega; não, breguíssimo. Eu gostava dos Paralamas do Sucesso, Titãs, Caetano, Gil, Tim Maia…
Mas manda quem pode e obedece quem tem juízo. Lá fui eu para a Asa Branca, gafieira onde o cantor se apresentava há meses – sempre com lotação esgotada. O combinado era que eu assistiria primeiro ao show e depois faria a entrevista. Fiquei sentada, reparando naquelas mulheres enlouquecidas que jogavam calcinhas no palco. Êpa, era preciso ser imparcial, prestar atenção ao show, custasse o que custasse. Depois de algum tempo, percebi que não custava tanto assim. O cara cantava bem, as músicas eram românticas, descobri que eu conhecia até algumas. E fui baixando a guarda.
Ao final do show, com o palco cheio de roupas íntimas, a plateia aplaudindo de pé, Wando comia maçã, enquanto distribuía ingressos para motéis. “Surreal”, pensei. Aos poucos, as espectadoras foram saindo, cantarolando músicas do artista. Estavam felizes, realizadas e eu, ali, sem entender muito bem o que era aquilo. No camarim, de cara perguntei por que ele mordia a maçã no palco. A resposta foi bíblica: “É por causa de Adão e Eva, quando o erotismo começou.” Foi a deixa para mim. E as calcinhas? Wando riu muito. “Tava esperando você me perguntar isso. É porque coloquei uma calcinha na capa de um disco. Aí virou mania, comecei a minha coleção. Mas eu não sou um tarado cheio de fetiches. Guardo como um carinho que recebo das fãs.” Por que distribuir convites para os motéis? “Olha, a mulher ou o casal vem aqui, escuta eu falar de erotismo, sexo… É inspirador. Tem que ir para o motel, né? Eu só dou um empurrãozinho.” Fez sentido.
Achava que sabia tudo
Depois que satisfiz a minha curiosidade sobre as coisas que achei estranhas, soube que o mineiro Wando, Wanderley para a família, já tinha feito de tudo um pouco: foi motorista de caminhão, feirante e vendedor de jornais. Quase caí para trás quando ele me contou que “estudou violão clássico”. E, na batalha, “levando muita porta na cara”, nascia o cantor e compositor. “O Jair Rodrigues foi o primeiro a acreditar em mim. Ele gravou O Importante é ser Fevereiro, que fez o maior sucesso.” Depois foi a vez de Ângela Maria cantar Vá, Mas Não Volte.
Sutilmente, perguntei ao Wando se ele se incomodava com a fama de brega. Esperava ouvir uma resposta negativa, tipo “brega é o mesmo que romântico”. Ele não mediu as palavras. “Me incomodo, sim, detesto. Brega no Brasil é sinônimo de defeito.” Engoli em seco. Por fim, quis saber se Wando era sedutor como no palco. Na verdade, o chefe de reportagem que me mandara perguntar isso. “Não, sou um cara até tímido. Se eu fizesse tudo que demonstro fazer, tinha levado um tiro na cabeça há muito tempo.”
Agradeci e saí com a impressão de que Wando era de fato um sucesso, mas passageiro. Ainda bem que não me dediquei à música… Estava totalmente enganada. Foram 43 anos de carreira, trilhas sonoras de novelas, milhões de cópias vendidas, discos de ouro, platina, diamante… Um artista só consegue isso se for fera mesmo. A patricinha, na época, achava que sabia tudo. Desculpe, Wando.
Nunca mais nos encontramos e agora ele se foi de repente. “Chora, coração, chora coração, passarinho na gaiola, feito gente na prisão.” Coincidentemente, Wando partiu no mês de fevereiro, que deu título ao seu primeiro sucesso. Por isso, deve estar cantando “O importante é ser fevereiro e ter carnaval pra gente sambar”.
***
[Vera Lucas é jornalista e escritora, Rio de Janeiro, RJ]