Quando Maysam, conhecido blogueiro iraniano, entra na internet em seu escritório, ele o faz por meio de uma conexão especial que há anos tem conseguido evitar a barreira cada vez mais eficaz criada pela república islâmica.
Recentemente, o software – que permitia a ele e outros milhões de iranianos usarem a internet por meio de portais em outras partes do mundo – parou de funcionar. Quando ele retorna ao ar esporadicamente, a velocidade é tão lenta que sites como o Facebook e o balatarin.com, que cataloga as notícias não oficiais em farsi, tornam-se impossíveis de utilizar. “Houve uma mudança”, disse Maysam, que não forneceu seu sobrenome temendo ser convocado pela policia iraniana. “Parece que, cada vez mais, as autoridades estão ganhando a dianteira no universo online.” Depois de verem como a mídia social ajudou a fortalecer as revoltas em todo o Oriente Médio, os líderes iranianos tentam controlar o que é distribuído, postado e discutido na internet. Depois de um início mais lento, as autoridades estão obtendo um sucesso crescente, afirmam os usuários da web.
Muitos temem que o desligamento do software usado para contornar a blindagem criada pelo Estado seja o prenúncio do que as autoridades rotularam como “internet nacional”. Os funcionários do governo responsáveis pela indústria da tecnologia anunciaram a construção de uma rede doméstica semelhante à internet e comparável à rede de um escritório, possibilitando o bloqueio de muitos sites populares. Eles deram a entender que a internet nacional pode ser lançada a qualquer momento e ela passará a funcionar gradualmente no decorrer dos próximos três anos.
“Precisamos proteger a privacidade de nossas famílias”
As autoridades dizem que a decisão nasceu da necessidade de evitar que os inimigos ocidentais do Irã espionem os cidadãos do país. A repressão à liberdade na internet ocorre em meio a tensões no Irã envolvendo uma série de misteriosos assassinatos e explosões cuja responsabilidade foi atribuída a espiões americanos ou israelenses. O Ocidente tem intensificado a pressão sobre o Irã nos últimos meses com o objetivo de fazer o país abandonar seu programa de enriquecimento de urânio, que o Irã descreve como pacífico, mas que, de acordo com os EUA e outros, teria como fim o desenvolvimento de uma arma nuclear.
Representantes iranianos acusaram empresas de tecnologia com sede nos EUA, como Google, Twitter e Microsoft, de estar trabalhando ao lado das autoridades americanas na espionagem dos perfis iranianos online, do uso que a população faz dos serviços de busca, das redes sociais e da correspondência eletrônica. As empresas negaram as acusações.
Durante os protestos ocorridos em 2009 e promovidos por grupos iranianos de oposição, o Departamento de Estado chegou a pedir ao Twitter que adiasse um serviço de manutenção do seu site, pois os diplomatas americanos acreditavam que o serviço de microblogs era usado pelos manifestantes iranianos para programar as manifestações em Teerã. “Estão roubando as informações das pessoas e buscando seus próprios… objetivos”, disse Reza Taghipour, ministro iraniano das Comunicações e da Tecnologia da Informação, ao falar de governos estrangeiros e empresas da internet no mês passado. “Precisamos (da internet nacional) para proteger a privacidade das nossas famílias.”
Concursos de beleza online
Os funcionários do governo sublinham que o acesso à web não será extinto, sendo que a restrição será aplicada apenas a sites “perigosos”. Mas os usuários iranianos da internet e os ativistas temem que a ativação do modelo nacional possa isolá-los do restante do mundo, colocando-os sob uma vigilância ainda mais intensa das autoridades. “Basicamente, eles já estão impedindo o acesso a todos os sites interessantes”, disse Maysam. “Se isso ocorrer, seremos como uma ilha isolada num mundo em constante mudança.”
Em setembro, a empresa holandesa de segurança na rede DigiNotar teve seus sistemas invadidos e os certificados de segurança – senhas digitais – de sites como Google e Yahoo foram roubados. O roubo tornou-se conhecido quando milhares de usuários do Gmail no Irã começaram a reparar num estranho desvio pelo qual sua correspondência começou a passar. No seus e-mails, um hacker iraniano que se identifica como Sunich – nome de uma popular bebida que costuma ser distribuída nos comícios organizados pelo Estado – alegou ter roubado os certificados e os entregado às autoridades. “Aqueles que cooperam com os serviços ocidentais de informações devem ser castigados”, escreveu ele numa mensagem, dizendo que as autoridades iranianas tinham o direito de descobrir quais dos seus cidadãos estariam trabalhando para agências estrangeiras de espionagem.
Os blogueiros e ativistas já podem ser detidos em decorrência daquilo que publicam na rede. Saeed Malekpour, de 36 anos, programador iraniano de origem canadense, aguarda execução depois de ter sido sentenciado à morte em decorrência daquilo que o juiz descreveu como “disseminação de material pornográfico”. Malekpour insiste que simplesmente criou um site de armazenamento online que logo foi usado abusivamente por outras pessoas.
A divisão cibernética da polícia iraniana deteve na semana passada pessoas associadas a uma página no Facebook que organizava concursos de beleza online. Os responsáveis foram acusados de favorecimento à prostituição. Mustafá, de 27 anos, trabalha como assistente numa gráfica e disse que se despediu da internet. “Nenhum dos sites divertidos, como o Facebook, funciona mais. Posso ler apenas os sites oficiais de notícias do Irã”, disse Mustafá, que pediu para não ter o nome divulgado. “Agora dedico meu tempo somente ao trabalho. Nada de internet.”
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[Thomas Erdbrink é jornalista do The Washington Post]