“Em geral, quando escrevemos para uma publicação com a qual concordamos, pecamos por comissão, mas quando escrevemos para uma publicação de caráter contrário, pecamos por omissão” (Eric A. Blair)
A imprensa muitas vezes foge do desconforto, seja do repórter ou da fonte, mas o processo de informação exige desconforto para revelar dados além dos institucionalizados e das versões treinadas diante de espelhos. O repórter não é taquígrafo, como já disse Mauro Malin neste Observatório; todavia, às vezes o jornalista parece um cardíaco com medo da próxima emoção: a do fato revelado. Desta feita, sobram-nos pautas exageradas, como a cobertura do caso Eloá, que sem muita novidade se repete noticiário por noticiário.
A edição de quarta-feira (15/2) do Estado de Minas apresentou mais uma de suas ousadias de estrutura gráfica para tratar do cotidiano de forma fascinante, mas errou a mão. Com a bajulação ao jogador Neymar, a imprensa constrói um crack que não vicia, mas cansa. A capa do jornal trazia uma arte estilizada como um cartaz de filme (O Artista) e no caderno de esporte não economiza em mostrar o menino da vila como O Astro – artista da bola. É um produto do futebol moderno onde o talento cria mitos instantâneos e enaltece um potencial antes dele consolidar resultados (ao contrário da trajetória de Messi). A mídia precisa ser mais cautelosa ao traçar perfil de artistas, pois sua supervalorização tem sido corresponsável pelo surgimento de grossas biografias de celebridades com menos de 30 anos de idade.
Desconforto de pensar
Entretanto, alguns perfis resgatam a veia perceptiva do narrador. Na edição do dia 16/2, o mesmo Estado de Minas apresentou o perfil de um pasteleiro que trabalha próximo ao Hospital da Polícia Militar em Belo Horizonte. Uma história de superação, simplicidade e determinação, relatada de forma objetiva pelo repórter. Cidadania.
Se o futebol representa o Brasil volátil, da incoerência, o perfil do seu Zé apresenta o Brasil da persistência, que não se faz sob holofotes. A imprensa deveria instigar mais narrativas assim. Estampar um perfil que contribua para a reflexão humana e melhoria de caráter. Ler jornais deve ser mais do que apertar F5. Deve trazer de volta o prazeroso desconforto de pensar.
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[Rudson Vieira é jornalista, Coronel Fabriciano, MG]