O presidente americano Barack Obama lidera o governo que, na história americana, mais se empenhou em tentar silenciar e punir funcionários federais que vazaram informações confidenciais. Os EUA possuem uma Lei de Espionagem que tem como objetivo punir aqueles que dão algum tipo de assistência aos inimigos do país. Desde que foi criada, em 1917, esta lei foi usada por três vezes – contando todas as administrações anteriores – na abertura de casos contra funcionários do governo acusados de fornecer informação confidencial para veículos de mídia. Desde que Obama chegou ao poder, em janeiro de 2009, a legislação já foi usado outras seis vezes.
Na semana passada, durante uma coletiva de imprensa em que o porta-voz da Casa Branca Jay Carney lamentou as mortes dos jornalistas americanos Marie Colvin e Anthony Shadid, na Síria, e citou que eles haviam morrido enquanto tentavam “trazer a verdade”, o correspondente da ABC News Jake Tapper ressaltou o paradoxo: o governo americano enaltece o trabalho jornalístico feito em países distantes em conflito – como o dos repórteres que se arriscam para levar ao resto do mundo notícias sobre o massacre na Síria – ao mesmo tempo em que tenta de toda maneira interromper qualquer indício de jornalismo agressivo sobre o que ocorre dentro de casa. Carney respondeu que achava apropriado “honrar e louvar a bravura” de Marie e Shadid, mas não mordeu a isca do correspondente, afirmando apenas que não poderia entrar em detalhes sobre casos específicos.
Um dos casos mais conhecidos é o do soldado Bradley Manning, analista da inteligência do Exército americano acusado de roubar milhares de documentos secretos. Mas a maior parte dos processos abertos recentemente contra funcionários públicos parece ter mais a ver com segredos administrativos do que com preocupações em proteger a segurança nacional, observa o repórter David Carr, em artigo no New York Times [27/2/12].
Pilha de acusações
No caso mais recente, conta Carr, John Kiriakou, um ex-oficial da CIA que entrou para a equipe do Comitê de Relações Exteriores do Senado, foi acusado, sob a Lei de Espionagem, de vazar informações a jornalistas sobre outros agentes da CIA, alguns envolvidos com o polêmico programa de interrogatórios da agência, que incluia até a prática de afogamento simulado. Nenhum dos agentes que participaram ou autorizaram o uso da controversa estratégia de simular o afogamento em suspeitos de atos terroristas foi processado; apenas o agente acusado de falar com a imprensa enfrenta agora a justiça.
Em outro exemplo destacado por Carr, Thomas Drake, ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), foi processado no ano passado com base na Lei de Espionagem correndo o risco de pegar até 35 anos de prisão. Seu crime? A NSA estava prestes a gastar centenas de milhões de dólares em um software comprado de uma empresa privada com o objetivo de monitorar dados digitais, e Drake falou sobre o assunto com um repórter do jornal Baltimore Sun. Drake havia sugerido o uso de um programa desenvolvido na própria agência, que custaria muito menos e funcionaria melhor – e contou isso ao jornalista. Ele recebeu dez acusações, entre elas as de mentir a investigadores e a de obstrução da justiça. No fim das contas, o caso não se sustentou. Drake se declarou culpado apenas de uma acusação: mau uso de um computador do governo.
Vazamento seletivo
“O governo Obama tem sido bastante hipócrita sobre suas promessas de abertura, transparência e responsabilidade”, afirma Jesselyn Radack, uma das advogadas que representaram Drake. “Todos os presidentes odeiam vazamentos, mas perseguir os vazadores como espiões é exagerado e vai além do escopo da lei.”
Carr cita, sem identificar, dois repórteres que trabalham em Washington em pautas ligadas a questões de segurança nacional: eles dizem que os processos criaram um distanciamento entre jornalistas e funcionários das diversas agências do governo americano, que temem as punições. Esta tendência é preocupante. Tratar como espiões pessoas que tentam ajudar na revelação ao público de informações sensíveis e controversas – como as acusações sofridas pelo governo de enviar prisioneiros a locais secretos onde são torturados – serve de ferramenta de intimidação e dá ao governo o poder de apenas divulgar dados que sejam de seu interesse. A operação “secreta” que levou à morte do terrorista Osama bin Laden, por exemplo, foi rapidamente contada aos jornalistas, assim como outras missões “de sucesso”.
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