Lúcio Flávio Pinto é um jornalista moderno às antigas.Não seria difícil imaginá-lo com as viseiras dos épicos jornalistas de cinema.
Não seria caricatura compará-lo ao mr. Peabody de O homem que matou o facínora e imaginá-lo dizendo a qualquer um dos responsáveis pelos 33 processos abertos contra seu jornal:
– O senhor está tomando liberdades com a liberdade de imprensa.
Lúcio Flávio sozinho é um jornal. Chama-se Jornal Pessoal e desde 1988 sai a cada 15 dias em Belém do Pará, a sua terra. Tem 12 páginas, não publica fotos nem infográficos, não tem anunciantes, é só texto, normalmente um texto preciso, implacável, exato , que não brinca com fatos. É jornalismo puro e duro. É vendido nas bancas e custa 3 reais.
Sua pauta permanente é a defesa da Amazônia contra a depredação ambiental, o tráfico de matéria prima, os negócios escusos, as transações suspeitas.
Um repórter
Lúcio Flávio, que ganhou 4 prêmios Esso e escreveu vários livros sobre a Amazônia, foi repórter da revista Realidade e correspondente dos jornais Correio da Manhã e O Estado de S.Paulo quando eles ainda tinham aspirações a uma cobertura intensa da vida real em todo o território nacional.
Coordenou uma rede de correspondentes na região da Amazônia e chegou a planificar a criação de uma sucursal amazônica do Estadão antes que os grandes jornais se rendessem às limitações contábeis e sacrificassem a sua qualidade deixando-se abater na guerra do custo/benefício.
Trabalhou durante algum tempo no jornal O Liberal, de Belém, até perceber que a única maneira viável de manter a sua independência era fazer seu próprio jornal.
De 1988 para cá, Lúcio Flávio Pinto sofreu 33 processos, sendo condenado em 4 deles.
Embora já tenha sido chamado de quixotesco diversas vezes, essa é uma definição imprecisa. Quixotes arremetem contra moinhos de vento, e este não é o caso de Lúcio Flávio. Ele arremete contra entidades, pessoas e instituições bem reais que agem contra a Amazônia e não o faz com lanças, mas com a narrativa precisa e cortante dos fatos que ele expõe em seus textos. Lúcio Flávio não é um fabulador, é um repórter.
Dignidade e independência
E por que estamos falando de Lúcio Flávio agora?
Em 1999, ele publicou em seu jornal uma denúncia de que o empresário paranaense Cecílio Rego Almeida, dono da construtora C.R. Almeida, estava grilando quase cinco milhões de hectares de terra no vale do Xingu (toda a história está aqui).
Ele foi processado por Rego Almeida (o processo foi mantido apesar da morte do autor, em 2008), não pela denúncia em si, mas por tê-lo chamado de “pirata fundiário”.
O processo chegou ao STJ e ele pode ser condenado por “erros formais” na apresentação de sua defesa, apesar de não ter publicado nada além da verdade comprovada.
Lúcio Flávio não é um partido, uma corporação, uma organização, uma entidade, uma patota. É um jornalista cuja dignidade e independência precisam ser preservadas para que a sobrevivência da liberdade de expressão não seja colocada em risco.
Nada menos do que isso: neste momento, Lúcio Flávio é o jornalismo.
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Sandro Vaia é jornalista, autor de A Ilha Roubada (Editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez