Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Poder, imprensa e futebol

Setembro de 1823, dia 22. Nasce o primeiro jornal de São Paulo. Chama-se O Paulista, é escrito à mão, em folhas de papel almaço, e tem circulação de apenas oito exemplares.

Maio de 1999, dia 9. Tostão, craque dos gramados, passa a escrever sobre futebol na Folha, cuja tiragem supera os 700 mil exemplares aos domingos. O processo de produção do jornal já é totalmente informatizado.

Apesar de desconexos, os fatos ilustram a evolução do jornalismo em São Paulo ao longo de quase dois séculos.

Jornalismo que é o principal foco de um novo selo editorial, o Três Estrelas, que chega às livrarias com dois títulos: História da Imprensa Paulista – Jornalismo e Poder de D. Pedro I a Dilma -que parte de O Paulista– e A Perfeição Não Existe, coletânea de textos escritos pelo ex-jogador Tostão.

O Três Estrelas é a nova empreitada no segmento de livros da Empresa Folha da Manhã S.A., que edita a Folha e possui a editora Publifolha.

“O selo deverá se dedicar ao jornalismo e áreas conexas. Terão lugar entre os títulos a reportagem ambiciosa, o ensaio polêmico, a pesquisa em história contemporânea, a coletânea de cronistas renomados, a biografia crítica, as artes visuais, a própria mídia impressa e eletrônica”, afirma Otavio Frias Filho, diretor editorial da Folha.

“O objetivo é oferecer ao público livros de qualidade e ao mesmo tempo de leitura atraente, que abordem temas da atualidade sob um prisma original e esclarecedor”, diz.

A meta é publicar dois livros por mês, todos de não ficção. Entre os próximos, estão uma coletânea de textos de Paulo Francis, um ensaio histórico sobre Zumbi dos Palmares e a história de Marco Archer Cardoso Moreira, brasileiro preso na Indonésia após ter sido condenado à morte por tráfico de drogas.

“Nossa prioridade são os livros jornalísticos que reúnam os métodos investigativos da imprensa e a melhor tradição da escrita literária”, afirma Alcino Leite Neto, editor do Três Estrelas.

“É preciso lembrar que existe no Brasil uma antiga e perseverante linhagem de jornalistas-escritores. Euclydes da Cunha é o maior deles. Seu clássico Os Sertões nasceu de uma reportagem”, diz.

Haverá espaço também para obras ensaísticas brasileiras e estrangeiras, em áreas como filosofia, sociologia, antropologia e psicanálise.

Já está em processo de tradução, por exemplo, L’homme qui se Prenait pour Napoléon (O Homem que Achava que Era Napoleão), em que a historiadora Laure Murat discorre sobre o início da psiquiatria na França e a ligação entre acontecimentos políticos e loucura.

Também em preparação está Por que Virei à Direita, com ensaios de João Pereira Coutinho, Luiz Felipe Pondé (colunistas da Folha) e Denis Rosenfield (colunista de O Estado de S. Paulo).

Psicanálise

História da Imprensa Paulista é o novo livro de Oscar Pilagallo, que já publicou A Aventura do Dinheiro e A História do Brasil no Século 20, ambos pela Publifolha.

É uma grande síntese das transformações por que passou a imprensa desde o início do século 19 e da sua relação com os governos.

No período, o Rio de Janeiro perde o papel de centralizador do jornalismo nacional para São Paulo, que hoje abriga as principais Redações de jornais, de revistas e de sites noticiosos brasileiros.

Segundo o autor, isso reflete o que aconteceu com a economia das duas cidades.

Pilagallo afirma que o livro é resultado do trabalho de quase uma vida.

“A história da imprensa sempre me interessou. Antes de iniciar o projeto, já tinha lido a maioria dos livros que compõem a bibliografia.”

Já Tostão releu textos publicados de 1999 a dezembro de 2011 para selecionar os 101 que compõem o livro.

“A grande preocupação foi evitar as crônicas mais factuais. Abordo muitos aspectos técnicos e táticas do futebol, mas escolhi algumas em que exprimo opiniões sobre outras coisas, além do esporte, como relações humanas”, afirma o ex-campeão do mundo com a seleção de 1970.

Sobre futebol, está lá o analista crítico, que afirma que o esporte está hoje “muito feio”, “medíocre”, “terrível de assistir”.

Também aquele que se irrita com clichês de locutores e técnicos como “dois a zero é um resultado perigoso” ou que é necessário “correr atrás do prejuízo”.

Sobre o primeiro, escreve: “É mais perigoso que três a zero e menos perigoso que um a zero”. Para o segundo: “Se o time está perdendo, tem de correr atrás do lucro”.

Quando trata de outros assuntos, recorre às vezes à psicanalise, que estudou, para analisar a alma humana.

Consegue ser irônico e lírico, como num texto em que fala de sua cachorra.

“Sempre que chego em casa, Lambreca fica tão emocionada que urina enquanto corre em minha direção. Nenhum ser humano é tão explícito”, escreve.

“Gosto de divagações, de pequenas filosofias. Há leitores que gostam que eu saia do futebol. Outros não”, afirma Tostão.

A Perfeição Não Existe deve agradar aos dois grupos.

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[Vaguinaldo Marinheiro, da Folha de S.Paulo]