Quem frequentou ou anda frequentando os cursos de Jornalismo nas maiores universidades brasileiras costuma ter uma visão absolutamente equivocada do perfil da nossa imprensa, identificada quase sempre com os jornalões, os monopólios televisivos e as redes nacionais de emissoras de rádio. Para os futuros profissionais da mídia, o jornalismo brasileiro começa e termina na grande imprensa, particularmente aquela sediada no eixo Rio-São Paulo.
Este é certamente o pior, dentre todos os equívocos cometidos na formação dos nossos jornalistas, porque a realidade da imprensa brasileira é exatamente o pequeno jornal, muitas vezes com uma periodicidade semanal (os diários só aparecem nas médias e grandes cidades), que luta com imensas dificuldades para “tirar” a próxima edição, e as nossas tagarelas e prestativas rádios locais. Eles são milhares contra apenas algumas dezenas de jornais efetivamente regionais e um punhadinho (que dá para contar nos dedos das mãos) de jornais das grandes famílias e redes de emissoras de rádio e TV.
Os pequenos jornais e as rádios locais são na verdade a expressão desta terra diversa, não transgênica, e repercutem em boa parte dos casos a autêntica (e romântica) cultura jornalística brasileira, com suas melosas colunas sociais e inflamadas páginas políticas, com suas reportagens adjetivadas, escritas por dedicados escribas de fim de semana, sempre dispostos a cutucar os adversários e a reivindicar melhorias para as comunidades que representam.
Bochichos e juras de amor
O semanário típico do interior brasileiro e a rádio local são exatamente aqueles que se preocupam com os bancos quebrados na praça, que festejam ainda as datas cívicas e que se empolgam com as vitórias do time da cidade, legítimo representante das segundas e terceiras divisões dos campeonatos estaduais de futebol. O pequeno jornal e a rádio local mantêm viva a nossa pródiga e mestiça nacionalidade num mundo que aposta nas benesses não democráticas do processo de globalização. Eles mobilizam, discutem, provocam, bajulam, descomprometidos com as fórmulas prontas do jornalismo pasteurizado da grande imprensa, que se imagina falando para o mundo, mas não consegue sensibilizar ao menos os cidadãos das suas metrópoles. O pequeno jornal e a rádio local são representantes valiosos, heroicos, da imprensa brasileira, injustiçados por governos, agências, anunciantes e pelos profissionais de imprensa.
Evidentemente, é possível apontar para muitos desses veículos alguns vícios não justificáveis, como a dependência do poder político, a convivência com o “jabá”, a falta de profissionalismo, mas mesmo assim é preciso ir devagar com o andor em algumas dessas conclusões. Isso porque a chamada grande imprensa mantém quase sempre também uma relação promíscua com as autoridades e com as grandes empresas que as financiam numa proporção que supera em muito os compromissos dos pequenos jornais e das rádios locais. Ou não são os jornalões que andam buscando apoio da indústria tabagista para seus cursos de formação de jornalistas (“onde há fumaça, tem fogo”, diz o ditado popular) e que repetidamente se curvam aos governos em troca de favores ? Ou não são as redes de TV, sobretudo a da Criança Esperança e do Big Brother, que promovem lobbies ilegítimos para manter seus privilégios e arrebanhar os generosos recursos oficiais?
O pequeno jornal e a rádio local precisam ser reconhecidos, precisam ser estudados, precisam merecer o apoio de todos aqueles que acreditam que é fundamental resgatar os valores locais, as falas dos que estão ao nosso lado, os bochichos ouvidos nas vielas mal iluminadas e as juras de amor trocadas diante das fontes luminosas que enfeitam as praças da catedral.
Multiplicação de fontes e ampliação do debate
O preconceito de professores de Jornalismo e de profissionais de imprensa (muitos deles nascidos no interior, portanto marcados pelo DNA caipira que pretendem repudiar) não faz sentido. Está na hora de revertermos este cenário, de contemplarmos as nossas origens, de deixarmos de ter vergonha dos nossos traços culturais mais típicos, de dar um zoom colorido na nossa imprensa cabocla.
Se não fossem os pequenos jornais e as rádios locais, os nossos grandes problemas seriam deixados de lado porque no dia-a-dia são eles e não as editorias assépticas da grande imprensa, arrogante, sempre pretensiosa e mesquinha, que os têm pautado. A grande imprensa insiste em dar as costas para a nossa diversidade sócio-cultural e em cultuar as autoridades, as corporações, os grandes negócios e as grandes falcatruas. A grande imprensa está focada na eleição americana (senta no colo do Obama) e despreza a importância dos nossos vereadores, dá as mãos para as grandes empresas agroquímicas, de biotecnologia e para a big pharma e ignora as pequenas empresas que, como a rádio local e o pequeno jornal, são a realidade desse país. A grande imprensa olha para os grandes barões da soja e da cana e esquece a agricultura familiar e repete a mentira planetária de que os transgênicos vão matar a fome do mundo.
A academia precisa atentar para esta permanente injustiça e incluir o pequeno jornal e a rádio local no seu rol de prioridades em termos de estudo e pesquisa. Precisa, sobretudo, formar profissionais que possam, em suas localidades, contribuir para a defesa do interesse público para a afirmação da cidadania, o que significa, obrigatoriamente, favorecer a multiplicação das fontes, a ampliação do debate e a inclusão do cidadão comum como protagonista das notícias.
O jornalismo refém dos latifúndios
A imprensa brasileira é, sobretudo, a imprensa dos pequenos jornais e das rádios locais. Por mais que esforcem os jornalões e as grandes redes de rádio e TV, em Garanhuns/PE, em Amparo/SP, em Manacapuru/AM ou em Guaxupé/MG, predominam os jornais e as rádios locais. Porque eles têm a cor, o cheiro e o compromisso com a terra. Porque eles têm definitivamente raízes na cultura, na sociedade, na vida brasileira.
Assim como as sementes nativas, os jornais e rádios locais resistem a esta mentalidade transgênica que ameaça a nossa diversidade sócio-cultural e comunicacional. A mobilização contra as monoculturas da mente passa necessariamente pelo fortalecimento dos meios de comunicação que têm raízes nas comunidades. Que falem o padre, o delegado, o seu Joaquim da padaria, os velhinhos que jogam dominó nas praças arborizadas de todo o país, as comadres nas janelas, os jovens cheios de sonhos e as moçoilas “casadoiras.” Estamos fartos de políticos profissionais, de executivos prepotentes, de colunistas “a serviço de”, de produtores burocráticos de “leads” e infográficos coloridos.
Que a diversidade prevaleça de forma contínua, extensiva a todo o país. Viva as rádios locais e os pequenos jornais. O jornalismo brasileiro não pode continuar refém dos seus latifúndios.
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[Wilson da Costa Bueno, do Portal Imprensa]