Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A corrida voraz em busca dos jovens leitores

As armas para dominar o mercado de livros voltados ao público juvenil são conhecidas. A destreza em seu manejo, porém, determina a sobrevivência dos competidores. Desde o sucesso da série Harry Potter, as editoras estão constantemente à caça de fenômenos que deem continuidade à essa indústria que movimenta altas cifras. A febre da vez é Jogos Vorazes, da escritora americana Suzanne Collins, que mistura ficção, cenários apocalípticos e referências históricas em sua composição. A versão para o cinema da primeira parte da trilogia estreou mundialmente em 23 de março e já é a terceira maior bilheteria de fim de semana estreia nos EUA, atrás de Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 (2011) e Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008).

Para compreender a alquimia desse sucesso, é preciso desnovelar seu enredo. Passo número um: conversar com o adolescente sobre o que ele gosta de ler – e alimente essa predileção. Isso tem sido feito pelos publishers o tempo todo. Um dos principais meios de que eles se valem para descobrir tendências entre os jovens e divulgar lançamentos é a internet. A Rocco, que publica Jogos Vorazes no Brasil, estabelece um contato direto com fãs de séries nas redes sociais e em blogs e sites abastecidos por eles. Investir em formadores de opinião entre esses leitores, diz a editora, traz resultados mais efetivos que os depoimentos de críticos literários.

É o que o professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Manoel Marcondes Neto, especializado em marketing cultural, chama de boca a boca digital, ou viral – uma “tática de capilarização”. O expediente inclui páginas de fãs na internet, book trailers (pequenos filmes de apresentação), ações diárias nas redes sociais, concursos culturais, sorteios e a organização de encontros entre os aficionados. Para fortalecer a comunicação, as editoras criam selos para os lançamentos com foco no mercado juvenil. É o caso da Companhia das Letras, que prevê para setembro o nascimento da Editora Seguinte.

De acordo com os estudiosos desse segmento, o jovem de hoje está mais assertivo em relação à literatura que deseja consumir. Na roda da indústria cultural contemporânea, grandes séries são tratadas como marcas cuja rentabilidade é multiplicada em diversos ramos de negócio. Mas nem toda aposta gera frutos – não basta apenas juntar os ingredientes certos. A centelha para deflagrar um fenômeno é, antes de mais nada, uma história bem escrita – e que tenha algum tempero inovador. “Qualidade de texto é fundamental”, diz Paulo Rocco, editor da Rocco.

Patamar mágico

“Romances como Crepúsculo e Harry Potter lidam com motivos universais, míticos, arquetípicos”, analisa João Luís Ceccantini, professor de literatura da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e votante da FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil). “Seus autores dominam técnicas narrativas, usam uma linguagem acessível. Mas não dá para encaixar esses casos em uma fórmula”, ressalva. “Há uma enxurrada de imitadores que não vingam. É também preciso estar no lugar certo, no momento certo.”

O desenlace de Jogos Vorazes envolve uma heroína de personalidade forte que, em um futuro apocalíptico, participa de um reality show onde jovens de 12 a 18 anos têm de exterminar uns aos outros – só um deles escapa do paredão sanguinolento. Na transposição para as telas, a bela e carismática Jennifer Lawrence, indicada ao Oscar de melhor atriz por Inverno da Alma no ano passado, foi escolhida para encarnar a personagem. No caldeirão da aventura de Suzanne Collins figuram discussões sobre desigualdade social, estrutura familiar, comportamento ético e opressão do Estado, temas que se encaixam na realidade com que o adolescente se depara atualmente em seu cotidiano. E não faltam, claro, boas doses de ação, violência e romance amoroso.

Para promover esses títulos, os grupos editoriais, de cinema e de licenciamento, empreendem esforços conjuntos de divulgação. A estreia simultânea de Jogos Vorazes em salas do mundo todo teve como objetivo uma coordenação global mais precisa dessas ações. Marcio Fraccaroli, CEO da Paris Filmes no Brasil, distribuidora que detém os direitos da saga, avalia que sua venda está mais bem costurada que a das anteriores: “Há um público-alvo muito bem definido, órfão de Harry Potter e Crepúsculo”.

A expectativa de Fraccaroli é atingir a marca de 1,7 milhão de ingressos vendidos no país, à altura do resultado conquistado pelo primeiro filme da série Crepúsculo. As bilheterias brasileiras já registraram, no primeiro final de semana de exibição, 481 mil ingressos vendidos, o que significou uma renda de R$ 5,3 milhões, segundo a distribuidora. Uma soma até modesta diante dos US$ 152 milhões estimados em 4.137 salas dos Estados Unidos e do Canadá.

No embalo do début cinematográfico, a Rocco viu saltarem as vendas da trilogia de 80 mil para 200 mil exemplares. Mundialmente, desde que a série foi lançada, em 2008, foram compradas 20 milhões de unidades. Comparações com o mágico patamar alcançado globalmente pelos sete volumes de Harry Potter, 400 milhões de livros comercializados, ainda são precoces.

Literatura fantástica

Não só os players maiores abocanham fatias desse mercado. Pequenos e médios comem pelas beiradas, sobretudo ao beliscar oportunidades quando elas ainda são menos óbvias. A Pandorga levou a ficção científica O Motivo, do americano Patrick Ness. O grupo Pensamento arrematou, para seu selo Jangada, títulos da norte-americana C. C. Hunter. Para pinçar ofertas promissoras, as editoras bancam scouts, olheiros que farejam lançamentos em terrenos férteis como Londres e Nova York. Muitas vezes a luta pelos direitos das obras mais cobiçadas exige o combate em leilões que tornam remotas as chances das empresas de menor cacife. Os lances por um livro de ficção em geral “variam de US$ 5.000 a US$ 30 mil”, mas em “casos excepcionais” atingem US$ 100 mil, afirma Ricardo Riedel, diretor-presidente da Pensamento.

O atalho para fugir dessas disputas é a antecipação à euforia, diz Marcelo Duarte, diretor da Panda Books. “Quando ainda não tem muita gente querendo”, negociações individuais costumam ser menos inflacionadas. A Intrínseca cita o timing como vantagem na aquisição de Crepúsculo, em 2007, época em que o frisson provocado pela série ainda não havia se alastrado.

Publicações de apoio à leitura das grandes sagas são outro filão. O selo Lua de Papel, da editora Leya, lançou Hunger Games – A Filosofia por Trás dos Jogos Vorazes, de Lois H. Gresh.

Autores brasileiros também estão na mira. André Vianco, de 37 anos, por exemplo, emplacou sua literatura fantástica entre os adolescentes e diz que as regras atuais da competição a tornam bem mais democrática que em outros tempos. “As editoras dão mais ouvidos ao leitor, principalmente pela internet. Isso abre mais chances para novos escritores, que podem testar suas histórias em blogs”, diz o escritor.

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[Edson Valente, do Valor Econômico]