Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

É avanço, e não retrocesso

Na quarta-feira (28/3), foi instalada na Câmara dos Deputados uma comissão especial de parlamentares para analisar e aprofundar as discussões sobre o projeto de lei 2126/2011, de iniciativa do Poder Executivo, que cria o Marco Civil da Internet Brasileira. Em fóruns espalhados pela grande rede é comum aparecerem distorções sobre o real objetivo do marco civil. Muitos, talvez por total desconhecimento do texto do projeto, falam em censura, em criminalização da rede, em restrições aos direitos dos usuários. É preciso, então, lançar algumas luzes sobre essa discussão.

Em primeiro lugar, ressalte-se que a iniciativa que originou o texto base do projeto nasceu de uma parceria entre a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL/MJ) e a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (Direito/Rio), que lançou em 29 de outubro de 2009 o projeto para a construção colaborativa de um Marco Civil da Internet no Brasil.

Dessa parceria resultou um formato de consulta pública aberto, democrático, singular e colaborativo, que usou como ferramenta a própria internet, através da plataforma Cultura Digital, visando a estimular a participação da sociedade civil e do próprio usuário da rede na discussão e elaboração de um anteprojeto de lei, ampliando o conceito de participação dos cidadãos no processo legislativo. Assim, a população teve entre outubro de 2009 e maio de 2010 para contribuir com o projeto.

Administração pública engessada

E não há nos 25 artigos do texto o interesse em criminalizar e censurar o mau uso da internet brasileira. Há, sim, no Congresso Nacional, projetos que visam a estabelecer crimes e as respectivas sanções a práticas criminosas na rede que fogem ao ordenamento jurídico atual. Mas esse é um assunto para outro artigo porque o PL 2126, em debate, na verdade, busca tornar claros e formais os direitos e as obrigações dos usuários e dos provedores de conexão e serviços na internet no Brasil, além de estabelecer os objetivos e os fundamentos do poder público para o desenvolvimento da internet no país. O projeto não versa diretamente sobre os chamados crimes cibernéticos, e sim, traça uma série de princípios básicos que devem nortear o uso da rede mundial de computadores.

A criação de um marco civil que regule as relações na internet será importante, sobretudo, para a atuação do Poder Judiciário que hoje, por falta de uma legislação específica sobre o meio digital, tem tomado, em muitos casos, decisões conflitantes quando provocado. A própria administração pública direta e indireta, através de seus órgãos reguladores e fiscalizadores, com a ausência de balizas legais, fica engessada e impedida de aplicar sanções administrativas e/ou fiscais sobre práticas danosas ao interesse público. Com o marco civil quebra-se a inércia e, a partir de então, abre-se espaço para a elaboração de um escopo normativo condizente com o tema e as constantes inovações tecnológicas no campo da comunicação.

Crimes na internet

Preside a comissão especial criada em 28/3 o deputado federal João Arruda (PMDB-PR) e os vice-presidentes são Manuel Junior (PMDB-PB), Manuela d'Ávila (PCdoB-RS) e Luiza Erundina (PSB-SP). A comissão tem ao todo 28 membros titulares e 28 suplentes. A relatoria está a cargo do deputado Alessandro Molon (PT-RJ) que sugeriu que a proposta seja debatida em audiências públicas a serem realizadas em pelo menos seis Estados e disponibilizada no e-Democracia, portal da Câmara dos Deputados pelo qual a população pode se manifestar sobre o tema.

Estabelecidos os direitos e deveres no âmbito civil, podem-se aprofundar as discussões sobre os projetos que buscam atuar na esfera criminal. Seria um erro, de fato, aprovar um projeto como o PL 84/99, em tramitação na mesma Casa há 13 anos, e atualmente na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, que trata dos crimes na internet, antes de se estabelecerem em lei os direitos e obrigações civis. A discussão acerca dos cibercrimes é fundamental. Afinal, há práticas para as quais os códigos vigentes não prescrevem soluções, mas deve vir à tona a partir da fixação das relações no campo civil.

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[Marcelo Feitoza é jornalista, Rio de Janeiro, RJ]