Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Detalhes de uma leitura digital

Peço desculpas antecipadas para quem não gostaria de ouvir mais uma opinião sobre e-books e o futuro da leitura. Na verdade, não quero dar exatamente uma opinião, mas apenas chamar atenção para alguns pontos que, como usuária de um iPad, me fazem acreditar que não devo largar o papel tão cedo. Então tá.

Parece uma grande vantagem o leitor poder customizar as páginas do livro que está lendo, isto é, escolher o tamanho da fonte de forma a deixar sua experiência mais confortável etc. etc. No entanto, tanto no Kindle como no iPad, essa interferência do usuário tem uma consequência bem desagradável: o espaço entre as palavras varia, já que não há separação de sílabas, transformando o livro todo em um justificadão do word. Você pode argumentar que só pessoas muito chatas ou editores ou designers têm algum problema com isso, mas eu diria que todos têm, mesmo que não percebam. Se não, por que existiram profissionais chamados diagramadores?

Antes de começar a ler um livro, eu adoro ter uma noção do todo. Não se trata de saber simplesmente o número de páginas; é mais um passeio caótico e apressado pelo que está por vir, a partir do qual temos uma ideia do tamanho dos capítulos, se o livro é dividido em partes, se os parágrafos costumam ser longos ou curtos, se há diálogos e, em caso positivo, de que forma são postos no texto etc. etc. Mesmo durante a leitura, devo confessar, é bem comum que eu dê uma espiadinha no final do capítulo que estou lendo, questão de medir distância – às vezes o mundo lá fora nos obriga a isso, infelizmente.

E quando você interrompe a leitura e, antes de colocar o livro sobre o criado-mudo, dá aquela olhadinha no bloco de páginas e na posição em que se encontra o marcador? Em um e-book, não dá para fazer.

Esse negócio chamado futuro

O que eu mais leio no iPad são, de fato, revistas. Ainda sou muito apegada aos livros, como objetos, para preferir suas versões eletrônicas. Mas revistas eu compro com frequência, afinal de que outra maneira poderia ler a Les Inrockuptibles daquela semana por cerca de dois reais e cinquenta centavos? O problema é que às vezes eu compro uma revista e esqueço que comprei. Quero dizer, não é como entrar no banheiro e vê-la em cima do bidê. Ela está na biblioteca, que por sua vez está dentro de um aplicativo, que por sua vez está na segunda página de apps do seu iPad.

Isso me parece uma coisa que inevitavelmente o iPad terá que corrigir em suas versões futuras (ou então criar mais um aplicativo para gerenciar todos os aplicativos de leitura): eu tenho revistas dentro do app da Wired, da Books, da Les Inrocks, da Trip, ou então dentro de agregadores de revistas como o Zinio e o LeKiosque; tenho histórias em quadrinhos no Izneo BD; livros no Kindle (sim, há um aplicativo Kindle para iPad) e no Fnacbook, e assim por diante. Dá pra esquecer um dossiê inteiro sobre psicofármacos por meses e meses. Como eu disse, não aconteceria se estivesse em cima do bidê.

Em junho, quando eu colocar os pés na América para uma road trip solitária, vou comprar um iPad 3 e um Kindle. Veja bem, eu estou abraçando esse negócio chamado futuro. Ainda assim, sinto que talvez haja uma pequena distorção ao ver um vídeo bonito como o de um app chamado Paper, que já alcançou a marca dos milhões de downloads. Eu não sei desenhar mas acho que, mesmo que soubesse, não sairia andando com meu tablet na mão e desenhando uma aquarela ao mesmo tempo. E acredito que já teria guardado meu tablet na bolsa quando o metrô chegasse na estação. Quero dizer: não é papel. Ainda não.

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[Carol Bensimon nasceu em Porto Alegre, em 1982. Publicou Pó de parede em 2008 e no ano seguinte a Companhia das Letras lançou seu primeiro romance, Sinuca embaixo d’água (finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura)]