Jovial leitora, juvenil leitor, vamos supor que você queira comprar um livro para uma bela criança ou para um espinhento adolescente. Como você o escolheria? Talvez sua primeira ideia fosse dar uma olhada nos cadernos literários dos grandes jornais e revistas semanais para ver o que há de novo e interessante na área. Mas seria um trabalho inútil. A grande imprensa não fala de literatura infanto-juvenil.
Quereis provas? Dou-vos.
Na Folha de S.Paulo, a Ilustrada de sábado (dia em que o caderno traz mais textos sobre literatura) falava sobre nove livros. Todos adultos. A única menção a obras para crianças e jovens era a lista dos mais vendidos na categoria infanto-juvenil. E na Folhinha, onde às vezes há resenhas de livros, nesta semana não havia nada. O Estado de S.Paulo não foi muito diferente. Em seu caderno Sabático também falou sobre nove livros. Mas nenhum deles era direcionado para crianças ou jovens. O consolo é que o Estadinho veio com uma página sobre Monteiro Lobato. Porém, o motivo é uma efeméride, os 130 anos do nascimento do autor em 18 de abril. Quanto às revistas semanais, Veja, IstoÉ e Época não falaram sobre nenhum livro que não fosse para adultos. Nem unzinho. Pelo menos a IstoÉ, como a Folha, publicou uma lista dos mais vendidos na categoria.
O aparecimento destas listas em alguns órgãos mostra que a imprensa começa a perceber o valor comercial deste nicho. E não é à toa: 35% do mercado global de livros são dos infanto-juvenis. E, segundo dados da Câmara Brasileira do Livro, o número de exemplares de títulos infantis produzidos no país cresceu 87% entre 2005 e 2010, saltando de 14,2 milhões para 26,5 milhões.
O primeiro passo
Fábio Victor, repórter da Ilustrada dedicado principalmente à cobertura de livros e literatura, acredita em três razões para a ausência de críticas sobre obras para crianças e jovens:
“1) Cadernização: os jornais têm seções para crianças (Folhinha, Estadinho…) e para adolescentes (Folhateen, no caso da Folha), o que pode levar as editorias ‘adultas’ a se desobrigarem de lançamentos voltados para estas faixas etárias”;
“2) Pouco espaço: são centenas de lançamentos de livros adultos todo mês, dos quais dezenas são interessantes, e o espaço que temos para reportagens e resenhas não permite falar nem de um terço do que valeria a pena. Se fôssemos incluir nessa cobertura infanto-juvenis, o alcance seria ainda menor”;
“3) A falta de cobertura do segmento leva, consequentemente, à falta de expertise: entre os repórteres e resenhistas que costumam escrever para os cadernos culturais, há poucos familiarizados com o universo infanto-juvenil.”
Os três motivos são reais, mas Dolores Prades, coordenadora da área de literatura para crianças e jovens da revista eletrônica Emília, lembra que “jornais dos Estados Unidos, Espanha e Inglaterra reservam seções regulares para o segmento em seus cadernos literários. Algumas delas com destaques, análises e rankings importantes para os leitores e o mercado”.
E eu acrescentaria mais um motivo: preconceito. É que a literatura para os pequenos é considerada como algo menor. Sem trocadilho. O reduzido número de páginas, as ilustrações e a fantasia exuberante fazem com que muitos considerem a literatura infanto-juvenil como algo pouco sério. Porém, talvez nossa literatura infanto-juvenil seja, hoje, melhor que a adulta. Por exemplo, os escritores brasileiros jamais ganharam um Nobel de literatura, mas já venceram duas vezes (com Lygia Bojunga e Ana Maria Machado) o prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infantil.
Enfim, mesmo que haja boas desculpas, o fato é que a imprensa brasileira não cumpre a função de fornecer pontos de vista, análises, críticas e referências a partir das quais possamos escolher livros para nossos filhos e formar uma massa crítica em relação a uma área da literatura que é o primeiro passo para a criação do leitor.
Sem essa cobertura jornalística, a literatura infanto-juvenil será sempre um gigante invisível.
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[José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás; é colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998]