Em A Mulher que Era o General da Casa, o jornalista Paulo Moreira Leite reúne um punhado de perfis de personagens cuja ação individual contribuiu para a resistência civil à ditadura militar. No conjunto, os textos remetem o leitor a um passado que muitos prefeririam esquecer. Como observa o autor, depois das dificuldades para se formar a Comissão da Verdade, não cessou o empenho daqueles que tentam “esconder as responsabilidades, embaralhar os papéis de cada um em nosso passado e, assim, deformar as consciências”.
Em pinceladas rápidas e precisas, Moreira Leite traça esboços biográficos que buscam, no detalhe pouco conhecido e na análise esclarecedora, a essência de cada uma das militâncias. Um dos responsáveis pelo projeto Brasil: Nunca Mais – que identificou vítimas e algozes do regime militar –, o reverendo Jaime Wright, por exemplo, é pintado como adepto da “teologia das brechas”, por aproveitar as oportunidades de denunciar transgressões aos direitos humanos. Sobre Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, que emerge como um “velhinho honesto, mas idealista”, Moreira Leite conta que, exilado no Chile, foi responsável por conseguir centenas de passaportes a brasileiros que haviam deixado o país clandestinamente.
Quanto ao rabino Henry Sobel, depois de desempenhar papel central no desmonte da versão oficial do suicídio de Vladimir Herzog, teve sua biografia chamuscada pelo furto de umas gravatas nos Estados Unidos. O jornalista dá o devido peso aos dois momentos. E reclama com razão: “As quatro gravatas têm sido usadas para proteger o que não pode ser protegido e esconder o que deveria ser mostrado.”
Perfis revistos e atualizados
Talvez o personagem mais coerente seja o sociólogo Florestan Fernandes. Fiel aos princípios de esquerda, o professor cassado pelo AI-5 recusou emprego no Cebrap, que abrigava opositores da ditadura militar porque a instituição era financiada pela Fundação Ford.
Embora os perfis sejam simpáticos aos personagens, Moreira Leite não esquece o contraponto. Wright tratou com ironia partidos trotskistas, Sobel nunca fez a autocrítica do episódio das gravatas e Florestan, depois da repressão chinesa na praça da Paz Celestial, escreveu que governos revolucionários têm direito à autodefesa.
O texto mais alentado, e inédito, é sobre Therezinha Zerbini, que dá título ao volume. Mulher do único general que foi contra o golpe de 1964, Therezinha enfrentou a ditadura, colocando sua casa à disposição dos opositores do regime. Presa por oito meses, no mesmo cárcere em que esteve Dilma Rousseff, Therezinha seria pioneira da campanha da anistia.
Os perfis foram, em sua maioria, publicados em veículos em que o jornalista trabalhou nas últimas décadas. Revistos e atualizados para o livro, no entanto, formam um conjunto coeso.
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[Oscar Pilagallo é jornalista, autor de História da Imprensa Paulista (selo editorial Três Estrelas)]