Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“Vi o Brasil crescer fazendo reportagens sobre saúde”

Os riscos do excesso de radiação já geravam controvérsia em 1976 a respeito dos benefícios do rastreamento do câncer com os exames de mamografia.

Pouco depois, em 1981, era noticiada como fato inédito a ausência de fumantes dentro das salas de um congresso de Sociedade Brasileira de Cardiologia, em Curitiba.

É passeando por cenas como essas, que mostram a evolução da medicina no Brasil e no mundo por mais de cinco décadas, que se encontra o leitor de Médico e Repórter – Meio Século de Jornalismo Científico, lançando agora pelo colunista da Folha Julio Abramczyk, 80.

Desde 1959 assinando textos sobre saúde no jornal, doutor Julio, como é conhecido na Redação, era ainda estudante de medicina quando começou a escrever na Folha de S.Paulo. A partir daí, rodou o país todo cobrindo desde congressos médicos até experiências científicas na Amazônia e o atendimento aos índios nos primeiros anos após a criação do Parque Nacional do Xingu, fundado em 1961.

O livro, organizado pelo jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, traz uma amostra dessa trajetória, incluindo a reportagem sobre as primeiras pontes de safena para tratamento do infarto agudo, publicada em 1970 e ganhadora do Prêmio Esso.

Como era fazer jornalismo científico no início da década de 1960?

Julio Abramczyk– Uma grande diferença é que não se usava o telefone. Você ia pessoalmente, fazia “ponto” na universidade, entrevistava os catedráticos.

Foi fazendo “ponto” na Faculdade de Saúde Pública, por exemplo, que fiquei sabendo que tinha um americano doido na Amazônia, estudando vírus. Você imagina um hospital em Belém do Pará na década de 60. Era uma coisa tão modesta que você não imaginaria como rendeu o trabalho desse americano, Ottis Causey, que acabou contribuindo para o capítulo das arboviroses, vírus disseminados por artrópodes.

A floresta era escura, úmida. E ficava uma pessoa sentada quatro horas esperando ser picada pelo mosquito, para pegar o inseto vivo, colocar dentro de um frasquinho e identificar os novos vírus.

Os congressos também eram uma grande fonte?

J. A. – Uma vez por mês eu cobria um congresso médico. Conheci o Brasil todo por causa disso, vi o país crescer e só me arrependo de não ter comprado um “terreninho” em cada cidade. Em 1962, em um congresso de dermatologia em Fortaleza, tive que enviar a matéria por rádio amador, que era transferido para o telefone para o datilógrafo da Redação escrever.

Em um desses congressos foram divulgadas as primeiras pontes de safena para infarto agudo, o que rendeu sua reportagem laureada com o Prêmio Esso.

J. A. – Sim, na época foi uma coisa incrível, foi para a primeira página do jornal. Já se fazia ponte de safena antes, mas o Zerbini e sua equipe conseguiram operar na vigência do infarto. Antes você tinha que esperar 15 ou 20 dias [após o infarto] só para fazer um cateterismo, não operava quem tinha mais de 60 anos. Hoje uma pessoa de 60 anos é jovem!

Como o sr. desenvolveu o didatismo para escrever sobre saúde no jornal?

J. A. – Meu problema no começo era a crítica dos coleguinhas [médicos]. Até o dia que li um artigo do José Reis [pioneiro da divulgação científica no país] dizendo que a divulgação no jornal não é trabalho científico. O leitor não quer saber de detalhes, da reação química necessária para um resultado, e sim da conclusão. Por causa disso cada vez mais eu escrevo menos. E quanto menos a gente escreve, melhor a gente concentra.

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[Débora Mismetti é editora interina de “Ciência+Saúde”]