Em pouco mais de meio século dedicado ao jornalismo científico, Julio Abramczyk noticiou a erradicação da varíola no Brasil, acompanhou a primeira campanha de vacinação contra a poliomielite e narrou a agonia vivenciada pelo presidente Tancredo Neves em seus últimos dias.
Escreveu as primeiras matérias no país sobre transplante de córnea, sobre um “novo tipo de exame radiológico” batizado de tomografia e sobre o “som que não se ouve, mas que faz diagnóstico” – o ultrassom.
Mas foi ao reportar a realização da primeira cirurgia de ponte de safena para o infarto agudo do miocárdio, em 1970, que Abramczyk ganhou o Prêmio Esso, o principal do jornalismo brasileiro.
Essas e outras histórias estão no livro Médico e Repórter. Meio século de jornalismo científico, lançado pela editora Publifolha e organizado pelo jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, consultor de Comunicação da FAPESP.
A obra traz uma coletânea de artigos e reportagens publicados por Abramczyk no jornal Folha de S.Paulo, onde ele trabalha desde 1959 e, atualmente, mantém a coluna semanal “Plantão Médico”.
O material está dividido em cinco capítulos temáticos: “Saúde Pública”, “Enfermidades do Coração”, “Saúde Pessoal”, “Doenças de Personalidades” e “Jornalismo Científico”. A apresentação de cada bloco é feita por nomes de destaque do jornalismo científico, como Marcelo Leite, Claudia Collucci, Almyr Gajardoni, Lins da Silva e Célio da Cunha.
“Ao contrário do que todo mundo pensa, eu não fui da medicina para o jornalismo, mas do jornalismo para a medicina”, contou Abramczyk à Agência FAPESP. “Comecei a trabalhar no jornal O Tempo aos 17 anos. Um dia me deu na telha e fui fazer medicina.”
Quando ainda era estudante da Escola Paulista de Medicina – hoje pertencente à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) –, foi convidado por seu ex-chefe de reportagem em O Tempo, Hugo Penteado Teixeira, para assumir a vaga de redator na seção “Biologia e Medicina” da então Folha da Manhã. O posto estava sem um titular havia seis meses.
“Não conseguiram encontrar um médico para assumir a vaga e acabaram aceitando um estudante de medicina. Era uma seção dedicada a publicar notícias para os profissionais da área, sobre congressos e reuniões. Assim como tinha uma seção de Educação dedicada aos professores”, lembrou.
Após a formatura, Abramczyk continuou conciliando a vida atribulada de repórter de jornal diário com a rotina não menos caótica de médico. Especializou-se em cardiologia e foi, durante muitos anos, um dos diretores do Hospital Santa Catarina.
“Não tenho a menor ideia de quantas horas tinha meu dia de trabalho. Quando você faz o que lhe dá prazer, arruma tempo para tudo”, afirmou.
Todos os meses, Abramczyk frequentava pelo menos um congresso das mais diferentes áreas. Semanalmente, visitava os departamentos de Medicina e as bibliotecas das principais universidades paulistas em busca de pautas.
“Era assim que se conseguia a notícia naquele tempo. Não existia internet ou assessoria de imprensa para enviar informações mastigadas. Não se fazia entrevista por telefone. Era pessoalmente e de terno e gravata”, contou.
Vanguarda
Ao longo de 53 anos, publicou mais de 2,5 mil textos no jornal Folha de S.Paulo. Já nos anos 1970, alertou sobre o problema crescente do alcoolismo, os riscos de substituir refeições por lanches rápidos e a importância do leite materno para a saúde infantil.
Por meio de seus textos, ajudou a difundir o recém-descoberto soro caseiro. “Antes disso, a hidratação era feita somente nos hospitais, direto na veia. Havia filas de mães com crianças desidratadas no colo. A mortalidade infantil por desidratação era uma calamidade”, contou.
Em outubro de 1970, publicou um texto em que relatava a descoberta por especialista em saúde pública das causas desse mal: ausência de saneamento básico e água tratada. O assunto havia sido destaque no 18º Congresso Brasileiro de Higiene.
Em 1961, publicou uma reportagem sobre um novo método para caçar vírus na Amazônia: iscas humanas. “(…) os mosquitos são apanhados por uma pessoa que, de braços e pernas descobertas, fica à espera de que os insetos venham picá-la. Antes mesmo de atingir o corpo da isca humana, os mosquitos são apanhados em redomas individuais (…)”, narrou Abramczyk no jornal.
O método de captura permitiu aos pesquisadores isolar 1,5 mil vírus, 22 deles completamente desconhecidos pela ciência. A reportagem rendeu ao médico e repórter o Prêmio Governador do Estado de São Paulo.
Ao longo da carreira, também foi agraciado com o Prêmio José Reis de Divulgação Científica, concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e com o Prêmio Abradic de Divulgação Científica, oferecido pela Associação Brasileira de Divulgação Científica.
Presidiu a Associação Ibero-americana de Jornalismo Científico e a Associação Brasileira de Jornalismo Científico, entidade que ajudou a fundar.
“Em diversos congressos, seminários e livros, Abramczyk apresentou sua contribuição, fundamental, para construir um referencial teórico para o jornalismo científico nas Américas e na Península Ibérica”, destacou Lins da Silva na apresentação do livro.
Segundo seu organizador, a obra é de potencial interesse para todos que fazem ou que leem jornalismo científico, além das pessoas que se interessam por temas de medicina e de ciência em geral.
Ao comparar o jornalismo científico feito nas últimas décadas do século 20 com o de hoje, Lins da Silva afirmou que o nível médio dos repórteres da área melhorou em função do maior acesso à informação.
“Mas piorou em relação ao espaço e ao destaque na cobertura jornalística, hoje muito menor. Paradoxalmente, a ciência torna-se cada vez mais importante para o desenvolvimento do país”, disse.
Abramczyk também reclama da falta de valorização do jornalista especializado em ciência pelos gestores da informação e dá a receita para ser um bom repórter da área: “O jornalista não deve apenas divulgar o que fazem os pesquisadores. Deve ter uma visão crítica da importância da ciência para o país e deve ajudar a sensibilizar as autoridades. Ficar do lado de quem luta por mais verbas para a pesquisa”, concluiu.
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[Karina Toledo, da Agência Fapesp]