Otávio Marques da Costa enviou o currículo pelo site. Advogado jovem num grande escritório de São Paulo, queria mudar de profissão. Começou a cursar outra faculdade, de história, aventava um mestrado no exterior e, enquanto não se decidia, passou a se ocupar nas horas vagas como preparador de texto, um tipo avançado de revisor. Pelo site, seu currículo chegou até a diretora editorial da Companhia das Letras, então Maria Emília Bender. Contratado como assistente por um salário que correspondia à metade do que ganhava, mudou de emprego sem hesitar.
Contado até aí, o enredo se presta a um livro sobre gestão de carreira, título que talvez tivesse boa acolhida sem alcançar as listas de mais vendidos. Com o desfecho, dá até best-seller: depois de cinco anos, o funcionário que se distinguiu por um comprometimento singular acaba de assumir o recém-criado cargo de publisher, o que representa chefiar o coração de uma das mais prestigiosas editoras do país. A virada representa bem a ousadia na hora de apostar e a velocidade para obter resultados que exige hoje o mercado editorial brasileiro, espelho de grandes praças estrangeiras.
A função é compartilhada. Ao lado de Costa, assumiu Júlia Moritz, filha do fundador, Luiz Schwarcz. Ambos têm 31 anos, dividiam a mesma sala e agora participam juntos de temporadas de imersão no grupo britânico Penguin, que comprou 45% da Companhia das Letras em 2011. A mudança no organograma levou à saída de gente que estava havia décadas na casa, como a própria Maria Emília, e à promoção de assistentes para cargos de editores, agora ocupados também com novos selos editoriais, como Paralela e Seguinte, que marcam a entrada em nichos comerciais. Coordenados pela dupla de publishers, oito editores na faixa dos 30 anos leem, aprovam ou descartam obras oferecidas por agentes, scouts ou os próprios autores. Antes se responsabilizavam pela edição do texto – encomendas de tradução, preparação e revisão –, que cabe hoje a um núcleo criado exclusivamente para a tarefa.
Estratégias agressivas
A renovação das equipes – não só a troca, o rejuvenescimento de seus componentes – é uma das mudanças por que passam editoras de médio e grande porte diante de um mercado que tende a ficar ainda mais aguerrido. Pelo menos cinco das mais importantes editoras do país reestruturaram recentemente seu corpo editorial – além da Companhia, Record, Objetiva, Globo, Cosac Naify – e duas se constituíram ou deram sua arrancada há pouco tempo – LeYa e Intrínseca. Não só mais jovens, os editores, mais envolvidos do que antes com a escolha dos títulos, precisam estar mais pragmáticos. Num ofício historicamente associado à ideia de arte e artesania, não parece mais possível sobreviver alheio aos números.
O novo perfil de editor-gestor, que substitui o do editor que só atentava para o texto, e o formato de empresa mais diversificada, que não se acanha em abranger obras comerciais, são, em parte, a adaptação da editora de Schwarcz a um mercado que está modificado desde a criação de sua casa editorial, em 1986.
Nos últimos tempos, as vendas de livros têm crescido concentradas em poucos títulos comerciais, os chamados mega-sellers. Não são novidade na praça – o Harry Potter, da Rocco, é de fins da década de 1990 –, mas agora praticamente dominam as listas de mais vendidos. O sucesso, que se dá em escala mundial, é levantado por estratégias de marketing agressivas.
O “efeito-Tostines”
Com a quantidade maior de títulos, operação com que as grandes ganham em escala, sobra pouco lugar nas vitrines para obras de arte ou não comerciais, os chamados long-sellers ou “fundo de catálogo”, obras que, a despeito de sua qualidade e relevância, vendem aos poucos, sem instantânea pirotecnia. A vocação da grande literatura é sobreviver ao tempo. Num balanço de empresa, porém, é um valor dramaticamente não computável.
Costa e Júlia preferem não dizer qual é a nova cara da empresa. A pergunta é difícil e restritiva. “Um título talvez possa simbolizar a atual fase”, sugere Costa. Da estante, pega a capa cítrica, o desenho de um imenso bigode. Toda Poesia, de Paulo Leminski, cultuado poeta curitibano que morreu em 1989, cuja obra, dispersa em vários volumes, estava fora da praça. Saiu com tiragem atípica, alta para o gênero, 5 mil exemplares. Esgotou-se em dois dias. Uma nova tiragem de 5 mil foi encomendada e vendida. Na semana passada, o livro entrou na lista de mais vendidos na Livraria Cultura, rede com público mais intelectualizado, à frente da série pornô soft 50 Tons de Cinza, de E.L. James, publicada pela Intrínseca.
Um mega-seller exige ousadia e velocidade: para identificá-lo, oferecer nos leilões uma soma que os concorrentes não vão se arriscar em pagar, traduzi-lo a tempo e colocar nas livrarias em tiragens altas, indicando para livreiro e público que vale o negócio. Um pouco o “efeito-Tostines”: vende mais porque é mais lido ou é mais lido porque vende mais.
Back office, distribuição e comercial
Atentas às listas, editoras montadas na virada para a década zero zero especializaram-se, com equipe enxuta e capital de giro, na busca de livros campeões. A pioneira é a Sextante, fundada no Rio pelos irmãos Marcos e Tomás Pereira, em 1998. O Código Da Vinci, de Dan Brown, inaugurou a sequência de feitos. Entre as mais recentes nesse filão, há a Novo Conceito, de porte menor que a Sextante, criada pelo casal Milla e Fernando Baracchini, de Ribeirão Preto, em 2004. Colocou nas listas romances açucarados como os de Nicholas Sparks – Querido John e Um Homem de Sorte –, formato que antes só se encontrava nas bancas de jornal.
Ninguém parece simbolizar mais essa nova geração de editores, que percebe o potencial de vendas de uma história, do que Jorge Oakim, da carioca Intrínseca, dono do blockbuster 50 Tons de Cinza, da britânica E.L. James. Para vencer o leilão do livro, ofereceu baita soma: US$ 780 mil. Um quarto disso já é considerado alto valor no mercado editorial. Até agora, vendeu 3,1 milhões em menos de um ano, cópias vendidas a R$ 39,90.
O economista com experiência no mercado financeiro começou modestamente sua editora em 2003. Só após quatro anos deslanchou. Seu primeiro best-seller, A Menina Que Roubava Livros, de Markus Zusak, chegou a 1 milhão de cópias. Depois veio a série romântica de vampiros Crepúsculo, de Stephenie Meyer, 5,5 milhões. A concorrente Sextante se animou com o desempenho do jovem editor, hoje com 43 anos, e se associou à empreitada, adquirindo 50%. Com a parceria, Oakim continua a cuidar da aquisição, da edição, da produção e do marketing. À Sextante cabem back office, distribuição e comercial, processos que, para pequenas e até médias editoras, são de execução dificílima: um mega-seller naufraga se uma dessas etapas emperra.
Publisherem vez de “editor”
O sucesso não se deve apenas à juventude da empresa e de seu público, mas ao modelo de negócio: “Publicamos poucos e bons livros, o que nos possibilita trabalhar cada título em profundidade, com projeto digital completo, campanha de marketing e de divulgação cuidadosa”, respondeu Oakim ao Valor quando adquiriu a obra de Elio Gaspari. Em média, são 30 livros por ano. O mesmo que a Companhia das Letras publica em um mês. Ainda menos do que os 60 lançados mensalmente por um grupo grande como o Record, sediado no Rio.
Uma sutileza que não deve passar despercebida: para descrever sua editora, Oakim não usa a palavra “comercial”, termo que talvez soe pejorativo. Prefere “entretenimento”.
O catálogo é um misto de pop, ação e suspense, obras que saem com tiragens iniciais de 50 mil exemplares – numa editora de qualidade, são comuns títulos de 3 mil a 5 mil exemplares. O movimento de sofisticação da casa, como levar Elio Gaspari – ex-Companhia das Letras, diga-se –, não é isolado. Oakim, que garante só publicar aquilo que leu e de que gostou, passou a garimpar literatura e jornalismo de gabarito, vencedores de Pulitzer como Jeniffer Egan, de A Visita Cruel do Tempo. Não são títulos para repetir façanhas vendedoras, mas podem render prestígio, com resenhas em cadernos de cultura e mesas em festas literárias, espaços ocupados por editoras de qualidade.
Esse cenário mais competitivo demanda um novo profissional. Não basta só entender de letras, como na tradição editorial brasileira. Tem de entender também de números. Usar a designação publisher em vez de “editor” é mais do que se adaptar a um jargão da cultura de língua inglesa. Editor relaciona-se ao conteúdo: lida com o autor e o texto, a produção editorial em suas diversas etapas. O publisher se vincula ao negócio: escolhe, compra e publica, etapas que envolvem ideias, ofertas, pagamentos, campanhas e promoções.
Os leitores
Uma década e meia atrás, publisher era a palavra usada na imprensa para definir o estilo de Roberto Feith, hoje com 60 anos, à frente da carioca Objetiva. No seu catálogo, o ecletismo e a atualidade dos títulos garantiam presença constante nas listas: biografias, grandes reportagens, livros com temas prementes do país e do exterior, temperatura alta associada ao jornalismo.
A investida em títulos abertamente comerciais ocorreu a partir de 2005, quando surgiram os selos Suma, de ficção, e Fontanar, de não ficção. “A diversificação da linha editorial, com novos selos voltados para cada gênero, é o novo paradigma”, constata Feith, há sete anos parte do grupo espanhol Santillana/Prisa. A razão não é outra: “Dificilmente uma editora poderá manter-se saudável e vigorosa se estiver voltada para um único segmento ou nicho.” Entre best-sellers recentes, Comer, Rezar, Amar, de Elizabeth Gilbert, vendeu no país 500 mil exemplares. Com fôlego financeiro, mantêm-se selos como o Alfaguara, com autores com prestígio entre a crítica.
Não é sem preocupação que Feith acompanha a queda de vendas da boa literatura, clássica ou contemporânea. “A ênfase das redes de livrarias costuma ser no que vende rápido, caso contrário deixa de ser exposto”, comenta. O risco é o de a literatura se tornar cada vez mais restrita. “A boa ficção literária ajuda-nos a entender quem somos e o tempo em que vivemos. Isso tem valor.”
A avalanche dos comerciais nas listas coincide com o aparecimento de um novo leitor no país, “ingresso no mundo da leitura após o prolongado período de crescimento por que passa a economia”, afirma Pascoal Soto, de 47 anos, diretor-editorial da LeYa Brasil, filial do maior grupo editorial português, com escritórios em São Paulo e no Rio. “Antes conhecíamos os leitores pelo RG e CPF, os habituais. Continuam a existir e a aumentar em número, mas não na mesma proporção em que cresce o de não habituais”, observa.
“Catálogo de prestígio”
A intenção de atender esse público menos afeito a títulos intelectualizados caracteriza a LeYa desde sua chegada ao país, em 2009. Cresceu rapidamente. Desocupou o pequeno escritório da avenida Angélica para se estabelecer numa grande casa do Pacaembu. O ritmo é de média-grande, são já 330 livros publicados, 40 figuraram em listas de mais vendidos. Entre os lançamentos que alcançaram as listas, a série de fantasia Guerra dos Tronos, de George Martin, os cinco títulos com vendas de 1,4 milhão de exemplares.
Para o bolso do consumidor, o custo do livro se tornou menos pesado. Com a concorrência, que levou à multiplicação das edições pocket, o preço médio caiu 46% de 2004 a 2011, segundo a Fipe. A expectativa agora é que, com as novas tecnologias, se resolvam outros antigos entraves, como o da distribuição num país continental.
O crescimento do digital ainda está em curso e deve trazer novidades ao mercado brasileiro nos próximos anos, comenta Marcos Strecker, diretor-editorial da Globo Livros. A venda de e-book cresce exponencialmente, mas ainda de efeito irrisório no faturamento, segundo as editoras consultadas. “A internet como meio de venda e de divulgação passa a ter um papel cada vez maior, talvez determinante”, observa Strecker. Potencial que tem sido explorado: como conta Oakim, da Intrínseca, em blogs e redes sociais identifica autores e enredos do gosto do seu público.
Depois do sucesso de obras como Ágape, do padre Marcelo Rossi, 6 milhões de cópias em 13 meses, esperava-se que a Globo assumisse uma atuação bastante comercial. Não foi o que ocorreu. A empresa “continuará a ter títulos comerciais muito fortes, mas vai fortalecer seu catálogo de prestígio”, esclarece Strecker. No último ano, reorganizou o catálogo em novos selos, como o Biblioteca Azul, que relançou os 17 volumes da Comédia Humana, de Balzac, clássico entre os clássicos.
O “jovem adulto”
O mix qualidade + comercial não é novo. Alfredo Machado, que fundou a Record há 70 anos, costumava dizer que fazia um pouco como Robin Hood: com o dinheiro que faturava com os best-sellers, dava para publicar autores de qualidade desconhecidos ou, sendo conhecidos, de baixas tiragens. Parece ser a receita para toda editora pequena-média que começa a crescer, se quer se tornar grande.
Seu sucessor, o filho Sergio Machado, 64 anos, que divide a direção com a irmã, Sônia Jardim, diz que não há um percentual fixo – x% comercial, x% de qualidade – para alcançar o equilíbrio num catálogo. “É um pouco como receita de bolo: cada vez que você faz, altera um pouco algum dos ingredientes, livros de risco e livro de retorno certo.” Em quatro décadas, diz que já viu um pouco de tudo, desde editoras de qualidade se abrindo para ter selos comerciais quanto o contrário, editoras de autoajuda investindo em autores de prestigio para diminuir a volatilidade. Não se deve esquecer, como lembra, que muitas vezes o de qualidade vende bastante bem, como Umberto Eco. “O que não se pode, mesmo, é ficar apenas num nicho, seja qual for.”
A Record também passou por uma reestruturação em seu corpo editorial. Luciana Vilas-Boas, diretora editorial por 17 anos da Record e um dos nomes mais importantes no mercado, saiu no começo do ano passado. O cargo foi abolido, quatro pessoas repartem a função.
Esse processe de rejuvenescimento nas equipes ocorre em meio à descoberta, depois do boom Harry Potter, do chamado “leitor jovem adulto, faixa que vai até os 30 anos, que é antenado e está nas mídias sociais”. Jovens editores em tese teriam mais convivência com esse público-alvo. Machado diz que as mudanças no mercado – os mega-sellers, os players internacionais – não alteraram a liquidez do grupo, que reúne seis editoras incorporadas ao longo de sua história, como a José Olympio, a Civilização Brasileira e, há poucos meses, a Paz e Terra. Ocupar a lista de mais vendidos às vezes significa pouco em relação ao balanço financeiro. Não há, por ora, a expectativa de a empresa, 100% nacional, vir a ter participação estrangeira. Não é, porém, hipótese que descarta.
Compra de passes
Editoras de prestígio tentam recuperar parte do espaço tomado pelas abertamente comerciais. Essas, por sua vez, tentam adquirir um pouco da sofisticação das primeiras. Bons nichos podem ficar a descoberto – publishers que não querem perseguir best-sellers apostam nisso. “Sem dúvida vamos tentar fazer as coisas legais que as editoras de qualidade não vão mais conseguir”, anima-se Florencia Ferrari, de 36 anos, diretora-editorial da Cosac Naify há quase um ano. O maior desafio da casa editorial paulistana, conhecida pelos livros de arte e humanidades de acabamento luxuoso, não é a concorrência, mas, sim, tornar os projetos financeiramente cabíveis. Em seus 15 anos, fez fama de vender livros caros e viver no vermelho, sobrevivência ajudada com aportes dos sócios, Charles Cosac e Michael Naify.
O símbolo da virada da Cosac é a “Coleção Portátil”, de bolso e mais barata, com 20 títulos que incluem de Dostoiévski a Cacaso. Com design à Cosac Naify: um grande planejamento, coordenado entre as várias equipes, do editorial à produção, permitiu, por exemplo, o uso de papel importado, mais caro. O gasto foi compensado com economia feita na gráfica, rodando 20 títulos ao mesmo tempo. Uma gestão somente pragmática não combinaria com a filosofia da empresa, como reconhece Florencia: “Queremos ter projetos sustentáveis mantendo a nossa identidade.” Fecharam o ano fiscal de 2012 no azul. “Se conseguirmos provar que uma editora assim pode funcionar, e se for um exemplo para que surjam outras editoras como a nossa, o Brasil vai ganhar”, diz. A aposta é que, “assim como há cada vez mais consumidores exigentes, haverá cada vez mais leitores exigentes”.
A literatura brasileira, na atual fase de novos autores com atenção na mídia, entusiasma a Cosac Naify. As tiragens são pequenas, se comparadas às de títulos comerciais – ainda mais se comparadas às dos mega-sellers –, mas editores ouvidos pelo Valor dizem que o autor nacional de qualidade tende a vender mais que seu colega estrangeiro de igual talento, porém desconhecido no país. O motivo para apostar nessas novas vozes não é só financeiro, como explica a diretora-editorial Florencia: “O autor brasileiro 'dá vida' a uma editora fincada em obras de referência como a nossa.” A esse nicho se dedicam não só grandes-médias, também as editoras de porte menor, como a 34 e a Iluminuras, de São Paulo, que publicam autores que arrebatam júris especializados. A investida vai contar com gente que está há tempos no ramo. Como em qualquer campo, artilheiros são levados de um time a outro. Heloisa Jahn e Marta Garcia, com décadas de Companhia das Letras, agora são do time da Cosac Naify.
De pai para filho
O caminho até o cargo de publisher requer virtudes reconhecíveis pelos pares. É o caso de Luiz Schwarcz e Otávio Marques da Costa, da Companhia das Letras: quem convive nota a semelhança de perfil. Caxias. “Otávio é como meu pai era na idade dele”, imagina Júlia. “Tirei uma foto dos dois parados na rua, de lado, iguaizinhos”, acrescenta, entre risos. Costa repara: “Mas ele diz que é muito mais bonito.”
A filha tentou evitar seguir o mesmo caminho. Receava que a decisão se devesse apenas à influência da família. Cresceu ajudando o pai a escolher capas, acompanhava-o nas visitas às livrarias nos fins de semana, quando ia à paisana saber se os livros da editora estavam vendendo bem. Via a mãe, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, também editora, anotar à caneta os originais que levava para ler em casa. Por fim estudou história e entrou como estagiária na empresa. Está lá há 12 anos. Parte da formação se deu como editora do selo infantil, período em que teve duas filhas, hoje com seis e quatro anos, experiência que ampliou sua visão do público-alvo.
A carreira é chamada de “editoração” nas poucas universidades nacionais em que o curso é oferecido. Na Fundação Getúlio Vargas (FGV), é recente a pós-graduação de gestão editorial. Na tradição de arte e ofício, costuma passar de pai para filho. Além dos laços familiares citados até aqui, lembre-se que Marcos e Tomás Pereira, da Sextante, parceiros de Jorge Oakim, são netos de José Olympio, outro dos principais nomes da história editorial brasileira.
“Qualidades do pai”
Editores-fundadores também elegem discípulos mesmo sem grau de parentesco. Os talentos são recrutados em áreas como letras, história, ciências sociais, filosofia e jornalismo. Começam cedo, em funções de assistente – a dupla de publishers e a equipe de oito editores da Companhia das Letras foram em maioria formados por Schwarcz e a diretora-editorial por décadas, Maria Emília Bender.
Florencia Ferrari concluía um mestrado em antropologia – é Ph.D. na área – quando se tornou, em 2002, ajudante de Augusto Massi, na época diretor-presidente da Cosac Naify. Seu crescimento na empresa se deu ao mesmo tempo em que a editora se desenvolvia. Não é apenas uma intelectual de sólida formação. A capacidade de gestão é elogiada desde a época de assistente. No caratê, chegou à faixa preta, esporte temporariamente interrompido – está grávida da segunda filha.
Pascoal Soto, da LeYa, tinha pouco mais de 20 anos em 1987 ao ingressar na Editora Moderna como ajudante de armazéns gerais: carregava e descarregava caminhões de livros e papéis. Passaria por quase todas as áreas nos 15 anos seguintes até chegar ao editorial. Foi editor-sênior na Salamandra, comprada pela Moderna, e na Planeta, quando a Moderna passou a integrar o grupo Prisa/Santillana. Entre seus mestres, cita Ricardo Feltre, ex-dono da Moderna, “empresário exemplar, construiu a Moderna à base de sacrifício e paixão pelo livro”. Depois, Ricardo Arissa Feltre, “filho que herdou todas as qualidades do pai”. A tradição perpassa até trajetórias que parecem não estar relacionadas.
“Não há gestor que faça milagre”
Quando não são talentos nascidos nas casas editoriais, editores e publishers migram do jornalismo. Marcos Strecker, da Globo Livros, fez longa carreira em jornal impresso. Não é um neófito em gestão. Antes, administrou a própria empresa, da área de comunicação, e concluiu um MBA pela FGV. O cinema é uma de suas grandes paixões: publicou livros na área e fez um filme sobre a mãe de Thomas Mann, que era brasileira.
Roberto Feith, da Objetiva, vem de uma família de empresários e foi correspondente internacional da Rede Globo – na internet, entre outros, é possível ver a cobertura que fez da invasão soviética do Afeganistão, em 1979. O catálogo em que ressoa o jornalismo se explica. Como ressalta, “diversas das aptidões que fazem um bom repórter se aplicam ao editor”. No jornalismo foi buscar editores seus, como Arthur Dapiève, que cuida do selo Objetiva nacional, e Marcelo Ferroni, do Alfaguara. Enumera essas aptidões: “A percepção dos assuntos que interessam ao leitor, uma sensibilidade sobre como abordá-los, saber o que configura um texto bem escrito, a capacidade de trabalhar em equipe; enfim, não é coincidência que tantos profissionais já fizeram a transição da imprensa para as editoras ou vice-versa.”
Os requisitos básicos, as virtudes de fundo, continuam iguais. “Ser um bom leitor, ter um bom texto e um bom repertório”, diz Florencia, da Cosac. De diferente, há a necessidade de ver o livro num “contexto comercial e estratégico”, afirma Strecker, da Globo. Com as novas exigências do mercado editorial, Soto, da LeYa, diz acreditar que será cada vez mais receptivo aos profissionais de marketing. Não vê, no entanto, uma substituição completa do editor pelo gestor. “Há os que entendem muito de finanças e gestão e há os que entendem muito de livros. Ter um grande gestor à frente de uma editora não é garantia de sucesso no mercado editorial. Entretanto, sem um bom editor não há gestor que faça milagre.” Apesar dos números, prevalecem as letras.
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Joselia Aguiar, para o Valor Econômico