Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Seis meses para o fim do sufoco na Biblioteca Nacional

Quando foi anunciado que o cientista político Renato Lessa, de 58 anos, seria o novo presidente da Fundação Biblioteca Nacional, uma amiga mandou a ele uma mensagem: “Que Deus e o governo ajudem você”.

Pelos problemas que o esperam, Lessa realmente vai precisar de ajuda. Em entrevista, ele disse que serão necessários mais 120 dias para que o ar-condicionado, desligado há um ano, volte a funcionar. Lessa também lamenta os gastos assumidos pelo governo para a Feira de Frankfurt, em outubro, por acreditar que a homenagem feita ao Brasil deveria ser assumida pelo setor privado. Ele discorda, ainda, de Galeno Amorim, que esteve no cargo nos últimos dois anos, quanto à quantidade de municípios sem bibliotecas no Brasil: “É um número vergonhoso”.

Há um ano a Biblioteca Nacional está sem um sistema de ar-condicionado. Ainda falta muito para que isso seja resolvido?

Renato Lessa – No pico do verão, me disseram que a temperatura no armazém de obras gerais bateu 50 graus. O ideal é 23 graus, 22 graus. Mas, infelizmente, ainda está longe de chegarmos lá. Começamos agora um processo de recuperação de um sistema antigo de ar-condicionado, e a estimativa que me deram é que a obra termine em 120 dias. Então a expectativa é que enfrentemos o verão com esse sistema antigo em funcionamento. Já o sistema geral de refrigeração vai depender de um projeto de reforma, e seria irresponsável eu dizer quando isso vai ficar pronto.

Outra questão muito discutida é a participação brasileira na Feira de Frankfurt, em outubro, quando o país será homenageado. Com a mudança na diretoria da Biblioteca Nacional, muda algo na organização da feira?

R.L. – Acho importante desfazer um pouco a ideia de que a Feira de Frankfurt é a Biblioteca Nacional. Não é. A homenagem em Frankfurt significa que o governo brasileiro aceitou e entendeu que essa é uma oportunidade de promoção brasileira no exterior. O projeto é gerido por um comitê gestor, e a Biblioteca faz parte desse comitê, mas há outros integrantes, como a Funarte e o Ministério das Relações Exteriores.

Mas a biblioteca tem um papel grande na organização.

R.L. – Tem um papel grande, sim. Mas, na minha perspectiva, não é um papel compatível com as funções próprias da biblioteca. Como a Feira de Frankfurt tem uma dimensão econômica muito forte, algumas questões deveriam estar a cuidado dos editores do setor privado. Mas o modelo atual foi decidido em 2010, com comprometimentos financeiros e com o comprometimento da biblioteca em algumas decisões, e isso será mantido. Estamos discutindo, hoje, que esse paradigma não se repita em outros eventos dessa natureza. E ainda tenho uma reserva aos custos assumidos para a viabilização de negócios, sobretudo numa indústria que tem pujança e muita qualidade.

Quanto vai ser o gasto do governo em Frankfurt?

R.L. – O orçamento total não vai passar de R$ 18 milhões. Desses, R$ 15 milhões vêm do orçamento do Estado brasileiro, pelo Fundo Nacional de Cultura. Já a Câmara Brasileira do Livro teve autorização para captar, via Lei Rouanet, R$ 13 milhões, dos quais nada ainda foi captado. Então, o que temos garantido hoje são R$ 15 milhões, e ainda faltam R$ 3 milhões para fechar o orçamento. Esse dinheiro virá ou de renúncia fiscal ou de patrocínio.

Uma pergunta que é feita há anos e cuja resposta sempre foi um pouco nebulosa é sobre o número de municípios brasileiros ainda sem bibliotecas. O senhor sabe quantos são?

R.L. – Eu não sei o número, mas sei que é vergonhoso. A questão não é apenas o número de municípios sem biblioteca. Temos que nos perguntar que bibliotecas existem e que pessoas trabalham nessas bibliotecas. A leitura no Brasil ainda é muito pequena, precisamos aumentar a familiaridade do brasileiro com o livro. Temos que ver isso realisticamente, como um obstáculo e desafio. A democratização do país não é só poder votar e ter liberdade para dizer o que pensa. Democratização é a população ter acesso à cultura. E a biblioteca é um espaço fundamental desse processo.

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André Miranda, do Globo