Dois ônibus, seis estações de metrô e duas de trem percorridas, e a descoberta: cheguei no dia errado. A demora e o engano prejudicariam a chegada ao compromisso seguinte, o lançamento do livro A vida de jornalista como ela é. E ainda bem que não houve desilusão quanto a esse compromisso. Livro e autores estavam a postos, no horário e noite marcados. Espremidos entre as mesas de um restaurante próximo à avenida Paulista, acompanhados das respectivas mulheres, autografavam os exemplares entre uma cotovelada e outra no garçom que ia e vinha.
O livro leva a assinatura de Duda Rangel. Jornalista desempregado, abandonado pela mulher e trocado pelo boy da firma, resolve relatar num blog uma velha paixão… pelo jornalismo. Inicialmente um divã virtual do vitimizado por mais um eufemismo corporativo – a reengenharia – o blog transformou-se numa reportagem precisa e bem-humorado sobre a rotina de um jornal.
Mas o livro também leva a assinatura de Anderson e Emerson Couto, jornalistas e gêmeos. A obra é uma coletânea dos textos do blog “Desilusões Perdidas”, assinado por Duda Rangel. Os irmãos Couto assumiriam a identidade do personagem apenas na capa do novo livro. Anderson e Emerson, na pele de Duda Rangel, contam o que assola, desola e consola a existência de um jornalista de jornal. A inexistência de vida pessoal. Os prazos cada vez menores de fechamento das edições. A quantidade cada vez maior de textos diários. As infinitas saias-justas com assessorias de imprensa e entrevistados de umbigos gigantescos. O dinheiro curto num mês longo. A convivência entre focas e leões-marinhos nas redações. A dieta nada diet dos repórteres.
“Sobrevivência e bom humor”
O tom humorístico das histórias humaniza o operário da informação, em textos nos mais variados formatos: perfis, crônicas, contos, folhetins mexicanizados, testes, confissões, bulas de remédio… Vale tudo, desde a paródia do capítulo inicial da Metamorfose de Kafka até as licenças licenciosas sobre as canções de Chico Buarque. Tudo transposto ao universo jornalístico, é claro.
A contracapa de A vida de jornalista como ela é informa que o livro é “um manual de sobrevivência e bom humor”. Os irmãos Couto provaram, na persona de Duda Rangel, que há lugar para os apaixonados, nesse mundo estranho onde os errantes ainda conseguem chegar a algum lugar. Feito Honoré de Balzac, homenageado no título do blog e Nelson Rodrigues no título do livro.
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Érico San Juan é cartunista, radialista, designer gráfico e caricaturista