Stéphane Charbonnier – o editor-chefe do jornal satírico “Charlie Hebdo”, assassinado por terroristas islâmicos junto com mais sete colegas em janeiro – está se provando tão desafiador após a morte como era em vida.
Num livro finalizado dois dias antes da sua morte e publicado na França ontem, Charbonnier – que era conhecido como Charb – defende o jornal das críticas por publicar caricaturas provocativas do profeta Maomé.
O livro, “Lettre ouverte aux escrocs de l’islamophobie qui font le jeu des racistes” (carta aberta aos escroques da islamofobia que fazem o jogo dos racistas, numa tradução livre), argumenta que todas as religiões, inclusive o Islã, podem ser alvo de ridicularização na França.
No livro, Charb diz que as caricaturas publicadas pelo “Charlie Hebdo” não têm todos os muçulmanos como alvo. Ele argumenta que uma luta equivocada das elites brancas contra a islamofobia cerceou a liberdade de expressão e encorajou a discriminação contra muçulmanos.
“Se amanhã todos os muçulmanos da França se converterem ao catolicismo ou abandonarem sua religião, isso não mudaria nada no discurso racista. Esses estrangeiros ou cidadãos franceses de origem estrangeira continuarão sendo apontados como responsáveis por todos os problemas”, escreveu Charb. “Ter medo do Islã provavelmente é estúpido, absurdo e muitas outras coisas, mas não é um crime.”
‘Instruções de montar estantes’
No livro de 120 páginas, Charb critica imprensa, políticos e sociedade civil pelo que chama de “paternalismo nojento branco e burguês de esquerda”.
“Por qual teoria perversa o humor é menos compatível com o Islã do que com qualquer outra religião? Dizer que o Islã não é compatível com o humor é tão absurdo quanto dizer que o Islã não é compatível com a democracia ou o secularismo”, escreveu.
Ele culpa especialmente a imprensa por criar um clima que permitiu que o “Charlie Hebdo” fosse alvejado – o jornal tinha sido alvo de outros ataques menores antes do massacre de janeiro.
“É porque a imprensa decidiu que republicar caricaturas de Maomé só poderia despertar a fúria dos muçulmanos que ela acabou despertando a fúria de algumas associações muçulmanas”, escreveu, em referência a 2006, quando o “Charlie Hebdo” republicou charges do jornal dinamarquês “Jyllands-Posten”.
O livro não se furta a duras críticas à religião. “O problema não está no Alcorão nem na Bíblia, que são romances incoerentes, mal escritos e que induzem ao sono. O problema está em fiéis que leem esses livros como instruções para montar estantes da Ikea (rede sueca de mobília).”
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Dan Bilefsky, do New York Times