Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ensaios sobre fenômenos comunicacionais

O Piauí ingressou tardiamente na era das ciências da comunicação. Faz parte dos segmentos do território nacional cujas universidades, somente no final do século 20, abriram suas portas ao ensino e à pesquisa dos fenômenos midiáticos. Mas é impressionante como aquela unidade da federação, se comparada às que a precederam imediatamente, vem ganhando notoriedade pela competência, seriedade e elã dos novos pesquisadores. Quando enveredam pelos estudos de mestrado e doutorado, alguns deles logo conquistam projeção e inspiram confiança. Se ainda não ocupam posições destacadas nos indicadores quantitativos da nossa área de conhecimento, sem dúvida os pesquisadores piauienses estão situados em patamares qualitativos relevantes.

Escrito por Ana Regina Rego, com participação de Maria das Graças Targino, Jornalismo, cultura e poder comprova plenamente a assertiva.

Trata-se de um conjunto de ensaios sobre fenômenos comunicacionais da sociedade piauiense ou sobre fenômenos nacionais e globais analisados em sintonia com a identidade regional. Não obstante o Jornalismo figure em posição hegemônica, a Propaganda e as Relações Públicas, a Comunicação Cultural, a Comunicação Científica e a Comunicação Mercadológica ganham espaço e atenção, focalizadas com destreza, equilíbrio e originalidade.

Ousadia pedagógica

Quem quiser conhecer a dinâmica da comunicação contemporânea, em tempo de mudança acelerada, encontrará nesta coletânea referencial suficiente para avaliar processos remanescentes do século 19, como, por exemplo, o controle que as velhas oligarquias exerceram sobre a imprensa. Transitará igualmente por episódios típicos do século 20, como é o caso dos estreitos limites éticos do jornalismo praticado pelas modernas empresas do ramo. Finalmente, poderá alcançar as bandeiras empunhadas neste início do século 21, entre elas a democratização do conhecimento científico, o incentivo ao fortalecimento do artesanato regional, através do marketing cultural, ou o jornalismo cívico possibilitado pela mídia de livre acesso aos cidadãos.

Além de bem escritos, os estudos aqui reunidos são assinados por duas pesquisadoras que inspiram credibilidade suscitam respeito e motivam simpatia pelo itinerário que percorreram na academia e na profissão.

Ana Regina Rêgo e Maria das Graças Targino pertencem a gerações que se cruzam. Ana Regina é oriunda das primeiras turmas diplomadas em Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí. Graças Targino transcendeu a tarefa rotineira dentro da academia. Docente de metodologia científica, ela não se restringiu a dar aulas, corrigir trabalhos e aprovar/reprovar alunos, procurando fazer o batismo de fogo daqueles que tinham vocação para pesquisa.

Ana Regina é beneficiária dessa ousadia pedagógica, tendo participado de projetos de iniciação científica durante a graduação, o que a impulsionou a seguir a carreira acadêmica. Tornou-se colega de magistério da sua mestra, compondo a segunda geração dos professores de comunicação do Piauí. Conseqüentemente, buscou aperfeiçoar-se, fazendo mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro e agora, doutorado na Universidade Metodista de São Paulo.

Postura ética

Graças Targino aposentou-se precocemente, mas continuou a incentivar antigos alunos, com eles compartilhando de projetos de interesse coletivo. Insatisfeita com a performance de outsider em estudos sobre os fenômenos jornalísticos, nos quais atuava como consultora metodológica, ela decide realizar uma jornada proustiana à procura do tempo perdido. Fez vestibular para Jornalismo numa universidade particular, onde foi aluna de ex-alunos que, depois de profissionalizados, optaram pela docência. Depois de diplomada, retomou a parceria científica com alguns deles, inclusive Ana Regina e seus companheiros de geração.

O presente livro é fruto desse reencontro entre jornalistas-pesquisadoras que preservam valores como afetividade, humildade e gratidão. Simboliza, paradoxalmente, o trabalho conjunto de três gerações. Ana Regina representa a geração do meio, enquanto Graças Targino personifica a um só tempo a primeira e a terceira geração. Na verdade, a autoria de 80% dos capítulos pertence a Ana Regina, pois Graças Targino assina apenas um deles e é co-autora de outro. Mas a sua presença intelectual transparece no conjunto da obra, deixando marcas que a jovem parceira reconhece enaltecendo.

Trata-se de postura ética a merecer endosso, continuidade. Ela, certamente, difere do comportamento assumido por pesquisadores que pretendem queimar etapas, exibindo auto-suficiência postiça, sonegando o reconhecimento devido aos mestres. Se não existissem outras qualidades a justificar a leitura deste livro, tal virtude seria suficiente para recomendá-lo aos jovens que almejam um lugar ao sol no campo midiático ou no espaço universitário.

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Presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação