Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Entre a inocência e a complacência

A maior tragédia ocorrida nos céus brasileiros está se transformando numa sátira. Sátira dolorosa, deprimente, arrasadora. E a mídia desempenha um importante papel nesta história quando se recusa a enxergar as coisas além do dia a dia. Talvez enxergue, mas não queira abrir o bico.


Cinco dias depois da tragédia, o ministro Waldir Pires contestou com veemência no Jornal Nacional as declarações do jornalista Joe Sharkey, passageiro do Legacy, que denunciou a existência de ‘pontos cegos’ no espaço aéreo brasileiro. Na quarta-feira (13/12) vimos no mesmo Jornal Nacional o mesmo ministro Pires recuar e admitir abertamente no Congresso que existem ‘pontos cegos’. Será que a TV Globo não guardou as imagens da primeira declaração do ministro para compará-las com as de agora, ou não quis constranger o governo diante de 60 milhões de telespectadores?


Tem mais: a infalível e rigorosa Polícia Federal divulga um relatório parcial sobre a colisão, indicia os pilotos do Legacy, mas adia o indiciamento dos controladores que já reconheceram em entrevista à revista Época sua parte na catástrofe.


Por que não se indicia todos os culpados (ou culposos) ao mesmo tempo? Medo de criar um trauma antes das festas de fim de ano? Ou a imprensa não está percebendo as incoerências da posição federal ou está procurando ser gentil com as autoridades deixando tudo para janeiro, isto é, depois da posse. Neste caso, sim, configura-se um complô da mídia, mas não contra o governo e, sim, a favor dele.


Os 154 mortos, suas famílias e as milhares de vítimas do apagão aéreo não vão perdoar esta leviandade.