Li neste Observatório uma matéria com uma curta entrevista dada por Rubem Fonseca (ver ‘Três perguntas para Rubem Fonseca‘). Para mim, escritor, professor e leitor compulsivo, ler sobre Rubem Fonseca é sempre interessante. Seu enorme currículo de leituras é de encher os olhos. Empilham-se novelas policiais e épicos clássicos numa mesma coluna. Enfileiram-se Agatha Christie e Shakespeare, democraticamente, na mesma prateleira. Tal miscigenação literária não deixa de intrigar. O que torna ainda mais compreensível a afirmação que diz: se o Brasil não existisse, teria de ser inventado.
Torno-me confuso? Sim. Então explico, se puder. Há algumas semanas li O Mago, a biografia de Paulo Coelho escrita por Fernando Morais. Paulo Coelho é provavelmente a mais importante personalidade literária do mundo. Justiça seja feita aos seus personagens, viajantes em busca de um sonho inefável que está ao mesmo tempo além e dentro de si mesmos. Por isso mesmo, um romancista, ficcionista por natureza, e que, portanto, não escreve manuais de auto-ajuda. Que, não à toa, ultrapassou a marca dos cem milhões de exemplares vendidos ou por conta de seus lindos olhos verdes. Um autor que a despeito de ter sido eleito membro da Academia Brasileira de Letras, é comentado e elogiado por intelectuais da cepa de um Umberto Eco. Um autor cujos livros são adotados por cursos de universidades como Harvard. No entanto, ainda que entre tantos porém, todavia, não obstante e outras adversativas, Paulo Coelho é o alvo preferencial da crítica cri-cri, da crítica croissant, da crítica jabaculê, da crítica de pantufas e pincenê que viçam como ervas daninhas nas páginas de cultura da ciclópica imprensa brasileira.
O romancista e o escritor
No entanto, ainda adversando, o caso Rubem Fonseca é bem diferente. É autor de inegável sucesso de público e crítica. Sendo que o sucesso de público é ainda mais intrigante já que o escritor quase não se deixa fotografar e, raramente – acredito que não mais de duas vezes desde os anos 70 – se deixa entrevistar. É o autor de sucesso com a melhor estratégia de anti-marketing desde Salinger. O sucesso de crítica, embora mais do que justo, é também intrigante. Seu repertório estilístico vai desde numerosos e cabeludíssimos palavrões até satíricas, brutais e escatológicas onomatopéias. Nestes tempos de carnaval fora de época, a elegância do desfile de seus personagens é também bastante duvidosa. Advogados trapaceiros, travestis assassinos, homens e mulheres adúlteros, matadores de aluguel, viciados em sexo, escritores canibais e fratricidas caminham indisfarçados pelas páginas de seus livros.
Apresentados assim, como explicar então esses fenômenos? Sinceramente, não sei, acho mesmo difícil que alguém consiga dar uma resposta fácil e convincente. Mas, arrisco alguma conjectura.
De um lado temos um romancista de sucesso internacional, Paulo Coelho, que começou seu sucesso escrevendo letras de canções para intérpretes como Raul Seixas e Elis Regina. Textos condicionados ao necessário apelo popular e, por consequência, nenhum escritor dotado de boas condições mentais desejaria desaprender tão valiosas lições, aprendidas quase que instintivamente e sedimentadas na prática profissional de um produtor da grande indústria fonográfica como foi Paulo Coelho nos anos 70 e 80.
De outro lado temos um escritor, Rubem Fonseca, cuja vida foi múltipla em experiências. Foi delegado de polícia, executivo de grandes empresas, leitor voraz de tudo o que é tipo de literatura, sendo que prefere a leitura dos poetas. Um autor de estilo seco, afiado, brutal e contundente, irônico e cínico, quase telegráfico. Cultor de um ritmo alucinado e alucinante, que parece um contista escrevendo sonetos e, ou, um romancista escrevendo contos. Uma receita de concisão apropriada a uma prosa de temática universal, ao mesmo tempo apolínea e dionisíaca, erótica e tanásica.
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Escritor e formador do PAIC no eixo de Literatura Infantil e Formação do Leitor