Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Entre torcer e distorcer

A recente cobertura dos Jogos Olímpicos revelou todas as virtudes e algumas das mazelas da imprensa esportiva brasileira. Em regra, o comportamento da imprensa escrita ganha de goleada, muito mais crítica e aprofundada. Já a postura das TVs deixa a desejar, com as exceções de praxe.

O jornalista esportivo brasileiro dos meios eletrônicos vive a permanente ambigüidade entre torcer e informar. É natural, diga-se desde logo, que haja a priorização das competições que tenham atletas brasileiros e que as narrações assumam um tom nacionalista. Mas há limites e nem sempre estes são obedecidos. É a velha contradição entre torcer e distorcer.

Quando se cobre uma Olimpíada ou uma Copa do Mundo é preciso ter bem claro que ambas são festas esportivas, não guerras. Se nas guerras a primeira derrotada é sempre a verdade, no esporte nada justifica a repetição do mesmo fenômeno. Jornalistas que saem do seu país para um evento esportivo internacional têm apenas um compromisso: com o leitor, com o telespectador, com o ouvinte.

Exageros e contradições

É claro que é compreensível o tom emocional das transmissões, embora os exageros sejam demasiados, o que exacerba vitórias que, por um lado, não falam muito ao coração do torcedor e, por outro, aumentam a frustração por derrotas absolutamente normais. Até mesmo quando a conquista é valiosa por si mesma, a tendência é no sentido de torná-la ainda maior, como no caso da medalha de ouro do vôlei masculino.

Houve quem dissesse que a final contra a Itália era a decisão mais esperada dos Jogos, uma bobagem sem tamanho diante da incomparável popularidade do futebol e do basquete. No afã de dourar uma façanha que já estava suficientemente banhada em ouro, até dizer que o jogo encerrava as competições coletivas em Atenas houve quem dissesse. Outra bobagem, porque tanto o handebol quanto o pólo aquático foram decididos depois da magnífica vitória brasileira sobre os italianos.

O exagero leva às contradições. Por exemplo: exalta-se um quinto lugar de uma nadadora brasileira com a mesma sem cerimônia que, ao se comentar uma medalha de prata de uma atleta estrangeira que era favorita ao ouro, alguém diz que ‘fulana ficou SÓ (o grifo é meu) com a prata’.

Nem artista nem ilusionista

Jornalistas não podem assumir o papel de vendedores de ilusão e é necessário que fique bem clara a fronteira entre o esporte tratado como entretenimento (a hora do jogo, do evento) e a cobertura jornalística do mesmo momento. Já bastam aqueles que assumiram o figurino de garotos-propaganda e transformaram a programação dominical em verdadeiros bazares que vendem de cerveja a palha de aço, num atropelo sem fim à ética e aos bons costumes, algo impensável em países mais avançados, nos quais o jornalista que fizer propaganda é, imediatamente, alijado do sindicato da categoria.

Voltando ao ufanismo de plantão, entre a constatação, irrefutável, de que o esporte brasileiro bateu seu recorde de medalhas de ouro (quatro em Atenas, contra três de Atlanta oito anos atrás), o jornalismo sério não pode permitir que se confunda o significado de tal marca, absolutamente insuficiente diante do tamanho da população brasileira, do tamanho da delegação brasileira na Grécia e do investimento de dinheiro público e das estatais no esporte. Mostrar a fragilidade do resultado e cobrar por mais eficácia é o papel que, em regra, o jornalismo impresso tem desempenhado, contra a exaltação eletrônica pura e simples de uma verdade que encobre uma porção de mentiras.

Sim, o show precisa continuar, mas o jornalista não é nem artista nem ilusionista, precisa se preocupar em jogar luz sobre os fatos, por mais que a cobertura esportiva seja contaminada, necessariamente, pela emoção que desperta. Entre a euforia e a depressão há um espaço enorme, exatamente o que permite o exercício do bom jornalismo.

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Jornalista