‘Se na edição do Ecopratico de 22 de abril os apresentadores Anelis Assumpção e Peri Pane ficaram aquém da promessa inicial de mudar radicalmente os hábitos pouco sustentáveis de uma família de classe média alta do bairro do Morumbi, exagerando um pouco na dose de ironia e deixando passar certa soberba politicamente correta, na incursão feita no apartamento de Léo, morador do célebre Edifício Copam, a situação, de certa forma, se inverteu: quem ficou o tempo todo vestindo e desfilando o estereótipo – no caso, o do previsível poluidor urbano decadente e pessimista – foi o dono da casa.
Anelis e Peri enfrentaram a visita àquela ilha de insustentabilidades de todo tipo com elegância e espírito tolerante, ainda que sem desistir do objetivo de mostrar a Léo que ele não era assim tão poluidor e antiecológico como queria parecer.
Essa postura dos dois teve como emblema um gesto marcante que certamente quebrou resistências à idéia central do programa entre muitos telespectadores. Foi quando Peri, depois de uma saraivada de pessimismos de Léo em relação ao planeta e à vida sustentável, voltou ao sofá em que os dois tinham gravado a entrevista e, bem-humorado, remendou os rombos no estofado com grandes fitas adesivas.
Melhor que muito discurso.
Almanaque
A propósito da coluna em que fiz comentários sobre o Almanaque Educação (‘Noites jovens e inteligentes’, 6 de maio), o coordenador do Núcleo de Conteúdo e Qualidade, Gabriel Priolli, e Cássia Mello, do Núcleo de Educação, informam que o programa terá novidades na nova temporada. Cássia observa que a edição que comentei foi uma reapresentação, acrescentando que a reformulação na qual a equipe está mergulhada contempla algumas questões que têm sido levantadas aqui neste espaço.
É esperar e torcer para que o programa, que já é inteligente e muito bem-humorado, fique ainda melhor.
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O franco-atirador, 7 de maio
A edição do Metrópolis de 5 de maio foi um desafio de enquadramento para certos telespectadores que veem o programa como uma sucursal mal-disfarçada da indústria americana de entretenimento. O ecletismo, antídoto do sectarismo e matéria-prima básica da TV aberta, foi exemplar.
Começou com uma resenha ilustrada do livro ‘Diário de Bollywood’, que melhora consideravelmente o nível de informação dos brasileiros sobre a colossal indústria cinematográfica da Índia, onde as plateias totalizam bilheterias que ultrapassam um bilhão de pessoas e o sistema, embora propiciando uma enxurrada de musicais de conteúdo discutível, faz com que os filmes de Hollywood abocanhem apenas 8% do mercado.
Depois, em momento irresistivelmente ‘Caras’, mostrou o desfile de egos e vestidos no baile anual do Instituto de Moda do Metropolitan de Nova York. Em seguida, dois registros visualmente atraentes e bem-ilustrados: a mostra Animadrid e a exposição ‘Caligrafia’, sobre o culto à arte e à técnica de escrever, dos mangas aos grafites e histórias em quadrinhos.
Seguiu-se uma reportagem de apresentação da 4ª Mostra de Teatro Latino-Americano, com imagens e depoimentos que permitiram ao telespectador concluir, do alto do abismo que ainda nos separa das outras culturas do continente, se sua praia era ou não a mesma de grupos como a companhia peruana Yuyachkaniel e os uruguaios da Companhia El Galpón. Depois do teatro, uma resenha do filme ‘À deriva’, acompanhada de uma entrevista com o diretor Heitor Dhalia sobre a participação do filme na mostra ‘Um certo olhar’ do Festival de Cannes.
O programa ainda teve uma nota sobre o show ‘Elas cantam Roberto Carlos’, que reunirá várias cantoras para comemorar os 50 anos de carreira do cantor. E terminou com uma promoção com direito a dois tickets para o show do guitarrista Robert Crey e um clip do novo disco da banda britânica Kasabian.
Nada de especial, portanto. Nenhuma revelação ou atração espetacular. Apenas uma edição correta e eclética de uma revista eletrônica diária de cultura e entretenimento na qual até faltaram alguns quadros de humor que têm enriquecido a fórmula básica do programa. Para quem acha que é pouco, no entanto, não custa lembrar que não existe nada parecido, no horário, à disposição do telespectador da TV aberta em São Paulo.
TV aberta, aquela que é assistida por cerca de 80% da população brasileira.
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Noites jovens e inteligentes, 6 de maio
Mais uma enquete antológica do Pé na Rua, desta vez com João e Gabi comandando a divertida pesquisa da edição de 5 de maio sobre o que as pessoas fazem na hora do chuveiro. Além do show de inserções videográficas inspiradas e do esforço de botar um chuveiro cenográfico no centro de São Paulo, a reportagem mostrou respostas e performances divertidas e surpreendentes que incluíram imitação de Sílvio Santos, concerto de ópera, agradecimento por um suposto Oscar de melhor atriz, canja de pagode, cena de filme de Hitchcock e participação no famoso clipe ‘We are the world’.
Brincadeiras à parte, o programa também teve o cuidado de chamar a atenção do telespectador para a importância de economizar água com banhos mais curtos. Tudo sem, no entanto, deixar de mostrar o tamanho da subjetividade na hora de as pessoas definirem a duração sustentável de um banho. O próprio Eduardo Duzek, na música usada nos créditos finais, dá uma idéia desse desafio: ‘O que é que eu faço se é no banheiro que me sinto feliz?’
Almanaque esportivo
Os quadros ágeis e bem-humorados do Almanaque Educação – e os melhores recursos da linguagem de televisão – foram colocados a serviço, de forma quase sempre bem-sucedida, da proposta do programa de 5 de maio: fugir da mesmice do futebol e viajar um pouco pela história, as origens e as técnicas de outros esportes.
O programa incluiu uma divertida explicação sobre as origens americanas do basquete, um making of da fabricação de bolas, curiosidades sobre a natação e a capoeira, a etimologia da palavra atleta, dicas sobre o vôlei – através de uma reportagem-perfil com o craque Serginho – ciclismo, cursos de educação física e a bem-humorada descrição do beijo como esporte.
Apesar da permanência do quadro e do visual circenses da trupe que perambula pelo centro de São Paulo – com sua vocação exclusivamente de programa infantil num horário já freqüentado por jovens e adultos – as linguagens e formatos mais modernos, genéricos e bem-humorados prevaleceram.
Merece destaque o quadro ‘Quando eu crescer’ com o menino Guilherme e seu dia de glória ao lado do narrador de futebol José Silvério, em uma das cabines do estádio do Pacaembu. Os flagrantes preciosos incluíram, apesar do incômodo contraste de luz entre o campo e a cabine, a emoção e as imagens de um gol invalidado.
Ficou, no entanto, meio fora de lugar, a inclusão, num programa tematicamente dedicado aos esportes, de um relato sobre o significado dos símbolos e da cor da bandeira comunista, ao som de um arranjo nostálgico do hino da Internacional Socialista.
Seria uma alusão à ginástica?
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Com juros e correção, 5 de maio
Foi uma espécie de acerto de contas, pelo menos da parte da TV Cultura, na dívida que a mídia em geral contraiu com o público nos últimos dias com a cobertura algo exaltada – e alarmista, em alguns casos – do surgimento da gripe cuja confusão começou pelo próprio nome de batismo. O interessante e oportuno Roda Viva com o secretário estadual Saúde de São Paulo, Luiz Roberto Barradas Barata, além de esclarecer a maioria das dúvidas que podem ainda estar causando preocupação aos brasileiros, foi enriquecedor e utilíssimo no que se refere à preparação dos cidadãos comuns para a eventual chegada da gripe ao país.
Com a objetividade e a clareza dos bons clínicos, o entrevistado, contando com a ajuda serena e qualificada das quatro jornalistas especializadas convidadas para entrevista —Cláudia Colluci (Folha de S. Paulo), Silvia Campolim (Revista Pesquisa Médica), Cristiane Segatto (Revista Época) e Fabiane Leite (Estadão) – disse o que era cientificamente possível sobre a gravidade e a letalidade da gripe, detalhou, sem politicagens, o aparato existente no Brasil para enfrentá-la, previu de forma equilibrada os cenários que podem se tornar realidade no país com a sua chegada, condenou a auto-medicação e aproveitou a oportunidade para lamentar a cultura hipocondríaca do brasileiro, que, nas suas palavras, ‘atravessa a rua pra ver as novidades na farmácia da esquina’.
De quebra, o entrevistado ajudou muitos telespectadores a entenderem a confusão de números na qual a mídia naufragou no início da cobertura – ocorrida devido a uma precipitação do Minisitério da Saúde do México com mortes causadas por doenças pulmonares comuns – e ajudou a explicar pelo menos parcialmente o mistério que pode estar alimentando mais um preconceito com os asiáticos. Segundo ele, a incidência de epidemias naquela região deve-se, muito provavelmente, ao costume de muitos asiáticos criarem porcos e aves dentro de casa. Houve espaço até para humor quando o secretário disse que só não conseguia explicar ‘como um porco pode tossir ou espirrar na cara de um mexicano’.
O doutor Barradas deu ainda uma informação que não tem sido muito destacada na cobertura da gripe e que deve ter surpreendido muitos telespectadores: as tão desejadas máscaras cirúrgicas são para evitar que o usuário transmita a doença, não para evitar que ele a pegue.
Foram tantas explicações – a maioria delas tão tranqüilizadoras – que acabou sobrando tempo, no terço final do programa, para outros assuntos pelo menos por enquanto bem mais complicados e graves para os brasileiros do que a gripe, como a dengue e o drama na fila dos transplantes de órgãos.’