Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Esquema tático da guerra na blogosfera

Quando algo que foge completamente à cartilha e à política da boa vizinhança é atualizado em um blog, começam os primeiros disparos:

** Jornalista do blog X atira: – Fulano é um tremendo de um mentiroso.

** Jornalista do blog Y revida: – Sicrano é que é um crápula.

** Jornalista do blog X ameaça: – Vou contar os podres do fulano para vocês…

** Jornalista do blog Y expõe: – Podre é o que vou mostrar para vocês.

** Jornalista do blog Y se esquiva: – Ah, fulano é um banana, banana, banana!

** Jornalista do blog X provoca: – É melhor ser um fulano banana, banana, banana do que um sicrano pamonha, pamonha, pamonha!

Em termos de comportamento, os que navegam nos blogs de jornalistas com assiduidade já sabem que, após um dos lados provocar os brios do outro, as semanas que seguem serão de tempestades no mar virtual.

O próximo movimento, então, é líquido e certo: ao tinir da corneta dos teclados, os leitores que ficam pulando de blog em blog ou de site em site, automaticamente se organizam nas trincheiras do computador e formados são verdadeiros exércitos virtuais.

Quando a primeira de uma série de batalhas de fato começa, o espaço dos blogs se transforma em um campo minado. Na seção de comentários, automaticamente explodem bombas de xingamentos, acusações, e deboches dirigidas ao alto comando e outros tantos estilhaços de apelação acabam atingindo inocentes e soldados rasos.

Generais e mercenários

Neste ínterim, outros soldados virtuais, mesmo sem serem oficialmente convocados, se apresentam para o posto de espiões. Sentem-se no dever de investigar o que está escrevendo o lado oposto ao que escolheu defender.

Na seqüência acontece o fenômeno da bisbilhotice e, pelo canal do ‘disse-que-disse’, os espiões-comentaristas levam e trazem a informação de um blog para o outro; contribuem assim para incitar ainda mais a ira dos blogueiros-jornalistas que, a esta altura, já estão vestindo a camisa e o quepe dos generais e se achando a autoridade máxima do forte cibernético.

Em meio a tudo isso, não há de se subestimar também o perfil de ativismo dos navegadores-mercenários. O papel que lhes cabe na batalha virtual é o de parecer simpático e amigável ainda que nunca se associe a qualquer dos lados. Esses têm por missão plantar armadilhas em um dos blogs, quando o que objetivam de fato é desqualificar os dois lados.

São também conhecidos como os piratas do mar virtual, aqueles que aceitam como paga uma migalha de atenção do blogueiro-colunista-general e/ou alguns risos escritos na seção de comentários. Dotados de criatividade venal, são especialistas em montagem de vídeos e dossiês virtuais de cunho difamatório. Oportunamente, ganham até a medalha de reconhecimento e/ou a fama momentânea a custo do nervosismo dos generais-blogueiros que, em meio à insanidade gerada pelo estresse da batalha, descuidam do raciocínio lógico e publicam o material.

Uma pequena trégua

Neste modelo de batalhas, caracteristicamente um dos lados é sempre mais bem aparelhado, tem cobertura de todo um aparato de comunicação e acaba por convocar a adesão e retaguarda de outros generais-colunistas que adoram comprar qualquer tipo de briga. A partir daqui, as tropas de colunistas-amigos se agrupam e o campo de batalha se expande do mar da internet até os limites da terra do impresso.

Nesse tipo de confronto, não raras são as vezes também em que o controle da batalha foge ao plano estratégico. Em algum ponto, um dos lados fica sem a munição da argumentação. Seja pela ignorância dos que entram numa guerra ou mesmo porque não aprenderam a dizer não a ela, o lado enfraquecido apela então para o golpe baixo e seqüestra a reputação até mesmo de crianças e mulheres.

Quando chega a este ponto, esposas, filhos, mães, cunhados ou quem mais aparecer pela frente, que por sorte ou por azar tenha laços de família ou de amizade com a outra parte, não é poupado de ver seu nome sendo encantoado no paredão do blog e fuzilado pelo inimigo.

E é então que, no ápice do conflito, um dos portais de comunicação levanta a bandeira branca da notícia: ‘Sicrano peticiona não sei quantas ações contra beltrano.’

Quando a bandeira desse tipo de notícia é arqueada naturalmente, sabe-se que é chegada a hora de uma pequena trégua entre os generais-colunistas. A internet fica calma e silenciosa por alguns dias ou semanas, mas logo uma outra batalha começa.

Lógica camuflada

Caro leitor, quantas vezes você presenciou algo parecido na blogosfera? Se não se lembra ou acompanha, somente neste ano, já foram travadas três batalhas de grande porte, e outras tantas menores, com as mesmas características e passagens. De quantas delas você participou na condição de soldado-comentarista?

Perceba que, como em qualquer modelo de guerra, não é por acaso que ao final de cada uma das batalhas nenhum dos lados ganha ou perde, mas sempre há alguém que sai lucrando mais do que aqueles que de fato militaram nela.

Nessa série de batalhas virtuais, é perceptível ainda que ao final não restam mortos nem feridos. Temos, no entanto, os destroços espalhados no campo psicológico, o qual durante semanas foi sorrateiramente invadido de forma covarde e imperceptível.

Para tanto, uma das lógicas que está camuflada sob as ignorâncias que formatam as guerras é o ato de incitar e encorajar o enfrentamento constante dos blogueiros-jornalistas para que então eles se tornem generais e arrastem consigo os soldados-comentaristas.

Os valores e a responsabilidade

É evidente que quem muito lucra com isso, mais uma vez, não é o soldado-comentarista e muito menos o general-jornalista. Quem lucra com isso é quem nunca toca na arma que pode ser um computador e nem suja a própria mente e/ou as mãos descarregando em público as balas dos comentários agressivos.

E para os que ficam do lado de fora, observando e tentando entender o motivo pelo qual os homens fomentam a guerra, ao invés de cultivarem ou promovem encontros para o entendimento e a paz, eis a outra parte da lógica como resposta: os fomentadores dessas batalhas são os que se aproveitam das fragilidades humanas e usam a massa de soldados-comentaristas para engrossar os índices de audiência e/ou acessos e que, por fim, na mais santa paz contabilizam os lucros provindos da desgraça alheia.

São eles os verdadeiros senhores dessas guerras que são travadas no sistema de comunicação, que camuflam as cifras que virão dos muitos acessos, os quais, em contrapartida, garantirão mais publicidade e, portanto, justificam eles, ‘assegurarão muitos empregos’.

Em síntese, em tempos de guerra isso é tudo que os participantes angariam na soma final desse modelo de guerra, ou seja, a ilusão que os leva a participar dessa luta insana para ver quem é o dono da razão, quando em verdade não passam de meros exércitos usados para manobras financeiras da lucrativa indústria bélica que silenciosamente é comandada pelos ideólogos dos jogos de guerras virtuais especializados na área da comunicação.

E aos senhores generais, colunistas, blogueiros, jornalistas e empresários do ramo da comunicação dedico este texto para que se encaixem no espelho da reflexão e para que possam repensar – como líderes que são – o papel, os valores, a responsabilidade e as conseqüências que cabem a cada um quando, por meio de seus exemplos, motivam e arrastam consigo os internautas-leitores para esse tipo de guerra.

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Jornalista e acadêmica em Direito