Unidos em nossa imorredoura admiração por Francisco Clementino de San Tiago Dantas, convidou-me o brilhante jornalista e escritor Virgílio Horácio de Castro Veado a fazer as ‘orelhas’ deste importante livro sobre um agitado período de nossa História política. Período em que cintilou a estrela de primeira grandeza que foi San Tiago Dantas, com genial patriotismo e destemor. Na verdade, pouco tenho a acrescentar, em termos de depoimento, ao que narrei em meu livro Na diplomacia o traço todo da vida, sobre a atuação, como Chanceler da ‘política externa independente’, do homem que foi a mais poderosa máquina de pensar que conheci, e que aliava a uma inteligência privilegiada em cada um dos seus gestos e atitudes, bem como um inesgotável manancial de saber, acumulado durante uma curta vida: faleceu aos cinqüenta e três anos de idade.
Evitando repetir-me, creio útil ressaltar aqui esse aspecto menos conhecido de San Tiago: a sensibilidade e a delicadeza de gestos e sentimentos daquele ser verdadeiramente excepcional. Era preciso estar sempre com ele para desvendar o homem, que gostava de viver e se deliciava com prazeres estéticos em todas as suas manifestações: na literatura, em prosa e verso, na música, nas artes plásticas. Apenas para ilustrar: nos últimos momentos de vida, ciente de que estava morrendo, de que não lhe restavam senão dias, ou mesmo horas, mandou buscar e colocar defronte de sua cama, no hospital, uma belíssima marinha de Dufy, que costumava admirar em sua casa.
San Tiago Dantas era um patrício romano com profundas preocupações sociais. Podemos dizer dele, parafraseando os versos de Garcia Lorca: ‘tardará mucho tiempo em nacer, si es que nace’ um ser tão privilegiado.
Destino de grandeza
Homem de fé, San Tiago não o demonstrava, porém. Em seus últimos momentos de vida, pediu por escrito a sua dedicada esposa Dona Edmea (pediu por escrito, pois havia perdido a voz, ironia cruel num homem que se expressava mais pela palavra falada do que pela escrita): ‘Segure minha mão e reze um Padre Nosso; e chame um padre, mas não um intelectual’.
Carregou sua pesada cruz com estoicismo comovedor. Nunca se ouviu dele uma queixa, nem mesmo quando empalidecia de dor. Assim como nunca falou mal de ninguém, creio que mais por bom-gosto do que por bondade.
Acompanhei-o pessoalmente na curta campanha em que procurou obter a aprovação do Congresso à sua indicação para Primeiro Ministro, no efêmero regime parlamentarista que se implantou para remediar, na medida do possível, a espoliação do direito de João Goulart à sucessão de Jânio Quadros. Antes de visitar cada um dos principais chefes políticos, expunha-me a essência do que pretendia dizer-lhes e, generosamente, pedia minha opinião. Ao que lhe respondia invariavelmente: ‘Não vai dar certo, com esse tipo de programa jamais o aprovarão.’ E ele: ‘É possível, é mesmo provável; mas só assim me interessa chefiar o governo, pois não desejo ser Primeiro Ministro senão para realizar as reformas de que o país precisa’. Era um estadista e não um simples político. E o Congresso, como se sabe, negou-lhe a aprovação. Foi como se a Índia houvesse recusado Nehru. Qual teria sido a nossa História se o tivessem aceito? Certamente muito melhor, certamente o Brasil teria avançado a passos largos para o seu destino de grandeza. E quanta dor, quanto sofrimento teríamos evitado!
Não devo estender-me mais. Virgílio Horácio de Castro Veado impôs-se à tarefa árdua de narrar e analisar a atuação pública de Francisco Clementino de San Tiago Dantas. E o fez com extrema competência, honestidade e clareza. Este é um livro indispensável!
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Embaixador, ex-chefe do gabinete do chanceler San Tiago Dantas, ex-ministro das Relações Exteriores