Eram quase dez horas da noite de domingo (31/7) quando jornalistas de todo o mundo começaram a receber relatos mais detalhados do acordo para elevação do teto de endividamento público dos Estados Unidos, nos boletins distribuídos por agências de notícias internacionais. O fato, evidentemente, ganhou manchetes em toda a imprensa na segunda-feira (1/8), como um sinal de alívio a inaugurar com menos pessimismo a primeira semana de agosto.
Certamente, as bolsas de valores vão emitir sinais positivos ao longo dos próximos dias, na proporção em que forem anunciadas novas medidas para a redução do déficit fiscal americano e o mercado retomar alguma estabilidade.
O que não se pode assegurar é se a imprensa vai finalmente se distanciar um pouco das urgências e apresentar ao público um retrato ampliado do cenário econômico.
Itens essenciais
Desde setembro de 2008, quando o sistema financeiro internacional desmoronou a partir de Wall Street, as editorias de economia e negócios dos jornais se dedicam quase exclusivamente a dois temas: a crise no mundo desenvolvido e as oportunidades nos países emergentes.
Essas duas vertentes do noticiário raramente se encontram, e o processo de construção das pautas obedece o mesmo critério de informações sobre empresas, com as notícias individualizadas como se cada unidade de negócio pudesse funcionar isoladamente no mercado.
Outros temas correlatos aos negócios, como o empreendorismo, a inovação e a busca da sustentabilidade, entram no noticiário econômico como elementos decorativos, geralmente naquela cota de “boas notícias” que as redações concedem a seus leitores. Esses temas são encaixados quase sempre na categoria de “casos de sucesso” invariavelmente levados aos jornais pelas assessorias de imprensa, ou seja, as redações, de modo geral, criam processos dedicados a monitorar iniciativas desse tipo mas elas ainda são tratadas como elementos apartados do cenário econômico.
Empreendedorismo, inovação e sustentabilidade são características que deveriam estar impregnadas na gestão das empresas, e se existe uma receita contra crises sistêmicas nos negócios, esses são ingredientes essenciais.
Uma crise inventada
Outro aspecto do noticiário sobre a crise americana e outras crises é certa dissimulação quanto ao caráter fortemente político que define a queda de braço entre o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e os radicais conservadores aquartelados na facção denominada Tea Party.
Alguns bons analistas, como o jornalista Paulo Sotero, diretor do Centro Woodrow Wilson para Acadêmicos, que estimula pesquisas sobre o estado do mundo, insistem em que a chamada crise da dívida americana é inventada, ou seja, trata-se de um conflito político que usa a economia como campo de batalha.
Sotero lembra que, tradicionalmente, as negociações sobre a elevação do teto da dívida tramitaram tranquilamente pelo Congresso americano, e desde 1940 houve noventa elevações automáticas desse limite. Alguns jornais, como o Estado de S.Paulo, tratam com mais atenção esse aspecto, deixando claro que o governo dos Estados Unidos foi feito refém de um grupo de parlamentares mais interessados em afetar a governabilidade do que em assegurar melhores condições econômicas para o país.
De modo geral, a imprensa tem evitado fazer uma correlação clara entre a insanidade política dos defensores mais radicais do chamado liberalismo econômico e a persistência da crise financeira detonada em setembro de 2008.
Desde as primeiras medidas destinadas a recuperar a economia internacional, abalada pela ambição desmedida dos especuladores – com alguns elementos de pura bandidagem protagonizada por importantes conglomerados financeiros – a imprensa se desvia do tema central: o mercado tem condições de funcionar livremente, como querem os adeptos do chamado consenso de Washington, ou o Estado precisa estar presente como árbitro entre os interesses privados e as necessidades públicas?
Assim como o ato terrorista em Oslo, na Noruega, lembra que a tolerância precisa ser defendida permanentemente, como um valor universal, o atentado do Tea Party contra a economia americana – que afeta todo o planeta – deveria manter a imprensa em alerta para a necessidade de não deixar os assuntos econômicos muito vulneráveis a certas preferências políticas.