Na França, o telejornal de domingo (18/9) da TF1 bateu todos os recordes de audiência e vai ficar para a história. A apresentadora Claire Chazal entrevistou ao vivo o ex-presidente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, na primeira vez em que ele falou depois de seu retorno à França. O “affaire DSK” mobiliza a mídia francesa há quatro meses e causou um substancial aumento das vendas de jornais e revistas desde o dia 14/5.
Todas as pessoas que se interessam pela atualidade política seguiram atentamente a entrevista de 25 minutos, um recorde de tempo num jornal televisivo. Mas não somente os que se interessam por política. O caso DSK mistura sexo, política, poder e dinheiro: elementos que despertam interesse e fazem o sucesso de diversas séries americanas. Quatorze milhões de espectadores franceses queriam saber o que se passou na suíte 2806 no dia 14/5. Logo depois da entrevista, diversos canais já comentavam as declarações do ex-candidato favorito à indicação do Partido Socialista na eleição presidencial de 2012.
O prestigioso “journal de référence” francês, Le Monde, fez um exercício meticuloso de jornalismo. Comparou e analisou com o texto original cada frase retirada do relatório de Cyrus Vance que DSK usou a seu favor. A conclusão do jornal é que em diversos momentos ele torceu as palavras do texto do relatório para usá-lo em sua defesa.
Le Mondediz que o resumo que fez DSK do relatório é seletivo e distorcido. Um exemplo: “Vance não limpa DSK de culpa. Ele não diz que ‘Naffisatou Diallo mentiu sobre tudo’, como afirmou o entrevistado, mas que ela deu versões contraditórias do que se passou depois de 12h26, hora em que ela saiu da suíte de DSK. Cyrus Vance não conclui que não houve agressão sexual mas que ‘as dúvidas sérias sobre a credibilidade da suposta vítima’ não permitiam que se pudesse apoiar no seu testemunho”.
Espetáculo controlado
Jornalismo é um métier que exige tempo, método e rigor. Mais uma vez, o Le Monde fez um trabalho difícil, meticuloso e sério e pôde demonstrar, com o apoio do texto usado pelo próprio entrevistado, como sua interpretação lançada em algumas frases era, no mínimo, inexata e tendenciosa.
O esperado mea-culpa revelou-se um espetáculo de comunicação milimetricamente controlado pela empresa que cuida da comunicação de DSK (Euro RSCG). Na opinião do jornalista Nicolas Domenach, do Canal Plus, “o mea-culpa de DSK foi feito num show muito bem preparado. Foi como se víssemos o número de um ator que ensaiou bem seu texto”. O Grand Journal do Canal Plus chegou a mostrar com imagens como a fala inicial de DSK foi calcada na fala de Clinton em que o então presidente reconhece seu erro e pede desculpas à sua mulher. DSK usou a mesma ordem de frases, as mesmas palavras.
Na segunda-feira, 19/9, outros jornalistas observavam que Strauss-Kahn não pediu desculpas aos franceses pelo seu “erro, sua falta moral”, como ele qualificou o que se passou na suíte do Sofitel de New York. Limitou-se a admitir que faltou “ao encontro marcado com os franceses”.
Analisando a fala de DSK, o jornalista Jean-Michel Aphatie, do Grand Journal, assinala algo curioso: o acusado de estupro pela camareira Nafissatou Diallo não disse o que se passou naquele dia em Nova York, mas “o que não se passou”. De fato, DSK frisou que não houve violência, não foi uma relação “tarifada” e não houve agressão.
Depois de ouvir a entrevista, Kenneth Thompson, o advogado da camareira, comentou: “Mas como ele pode justificar uma relação de nove minutos entre duas pessoas que nunca se viram, sem ser com constrangimento físico?”
O antigo líder estudantil de 1968 e atual deputado no Parlamento europeu Daniel Cohn-Bendit não se sentia muito à vontade para comentar o discurso por ser amigo do acusado. Mas, entrevistado ao vivo no dia seguinte, disse ter achado que “Dominique não encontrou as palavras, não parecia sincero”.
Desvalorizado
O jornal Libération fez sua manchete principal de capa com a foto de DSK sublinhando a confissão de uma “falta moral” e sua ausência de um encontro marcado com os franceses nas futuras eleições. O jornal enfatiza que o acusado não deixou escapar a oportunidade de alimentar a “absurda tese” de um complô ou uma armadilha contra ele. Vincent Giret, que assinou o editorial de Libération, viu nessa insinuação “uma falta de tato, ou pior, um passo em falso”. “Ele levanta essa suspeita sem a mínima prova para sustentar essa tese inverossímil”, diz Giret.
O editorialista de Libération, como muitos franceses, diz que a pretensa aula de economia que DSK quis dar na entrevista ao analisar o problema grego parecia anacrônica e déplacée. Hervé Favre, do jornal La Voix du Nord, vê “o futuro de Dominique Strauss-Kahn mais desvalorizado que um título da dívida grega”.
Em outro artigo assinado, os jornalistas de Libération Raphël Garrigos e Isabelle Roberts falam de uma entrevista feita com um script de uma superprodução mas que termina com “uma inútil análise da crise”.
Inútil porque ele não ocupa mais nenhum cargo de decisão, inútil porque sua palavra de economista ficou poluída pelo ruído de um terrível escândalo sexual ao qual sua imagem está indelevelmente associada.
A entrevista foi controlada pelos marketeiros de DSK em todos os detalhes, inclusive na escolha de Claire Chazal como entrevistadora. Ela é uma das melhores amigas de Anne Sinclair, mulher de DSK, que o apoiou em todos os momentos e é usada por ele como argumento de sua “inocência”. Obviamente, quando ele se diz inocente, está se referindo ao estupro e à violência de que é acusado, pois o ato sexual ficou provado pelos exames de DNA.
O diretor de redação da revista L’Express, que DSK tratou de “tabloide” durante sua entrevista, publicou imediatamente online uma carta-resposta. Nela, Christophe Barbier justifica a capa em que a revista expôs o problema de DSK com as mulheres. E diz que o relatório de Cyrus Vance que o ex-presidente do FMI mostrava para justificar sua auto-defesa cita a revista L’Express e essa matéria. O promotor basearia sua argumentação em informações de um “tabloide”?, pergunta Barbier. Além do mais, diz ele, sua revista foi a única a reproduzir integralmente o relatório de Cyrus Vance.
Quanto aos leitores de L’Express, 31% acharam a entrevista “surrealista”, pois pensam que ele não tinha que ir se explicar num jornal de televisão. Outros 32% acharam que foi uma jogada de marketing muito bem preparada. Somente 11% acharam que ele falou com dignidade.
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[Leneide Duarte-Plon, jornalista, de Paris]