Não são somente os pólos que estão derretendo por causa do efeito estufa. Também outros lugares grandes e importantes da natureza sofrem de maneira impiedosa a marca do homem e seu desatinado senso de progresso. Imaginem a Terra sem a Amazônia. É esse o cenário a longo prazo das pesquisas mundiais, com previsões impactantes sobre o destino da floresta. Todavia, ainda há tempo, a curto e médio prazo, para refletir, agir com sensatez e mudar o destino da maior área verde do planeta, como veremos na parte final do texto.
No livro-reportagem Amazônia, a floresta assassinada: falta muito pouco para matá-la de vez, de autoria do jornalista Sérgio Adeodato – prêmio Ethos de Jornalismo Ambiental 2005 pelo trabalho de pesquisa sobre o tema –, observamos que a maior floresta tropical do planeta já perdeu 17% de sua área. Os cálculos dos cientistas do programa Cenários Para a Amazônia, coordenado pela organização norte-americana Woods Hole Research Center e pelo Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (IPAM), com sede em Belém, PA, indicam que, se os índices de desmatamento continuarem como os atuais, na melhor das hipóteses os números pulariam dos cerca de 28 mil quilômetros quadrados para 48 mil quilômetros quadrados de florestas destruídas por ano, a partir de 2030.
São dados alarmantes. Isso significa que, se nada for feito para conter a devastação, até o final do século 21 os atuais 3,3 milhões de quilômetros quadrados que restaram da floresta brasileira poderão diminuir 50%.
Soja atrai estradas
Se o ritmo destruidor não for contido com programas objetivos, a grande floresta nativa vai desaparecer entre 2050 e 2070, sendo substituída por pedaços isolados de matas cercadas por pastagens, agricultura mecanizada e vegetação secundária. De acordo com o biólogo Enrico Bernard, da Conservação Internacional, a floresta ficará fragmentada em pedaços cada vez menores, reduzindo o tamanho mínimo de área indispensável para a sobrevivência das espécies de animais, o que compromete a biodiversidade e o cruzamento genético entre elas, levando-as à extinção.
Até quando a Amazônia resistirá? Eis a questão central que preocupa principalmente os moradores dos vários estados da região Norte do país. Principalmente, em conseqüência da abertura de estradas, da mineração desenfreada, do desmatamento galopante e da urbanização contínua. Uma corrente de cientistas sustenta que a Amazônia poderá se transformar numa grande savana, de vegetação bem mais seca e rasteira, como o cerrado, e pode até virar um deserto. Parece ficção, mas não é. Vejam o destino da mata atlântica brasileira que no passado tinha dimensões continentais, ocupando toda a faixa litorânea do país, e hoje está reduzida a menos de 8% do seu tamanho original.
Estima-se que as rodovias, estradas secundárias e ramais de acesso a povoados amazônicos construídos até o momento foram responsáveis pelo desmatamento de 250 mil quilômetros quadrados de floresta – mais do que uma década de derrubada de árvores na região, considerando as taxas anuais. As rodovias desenham o mapa da região. Além da atividade dos madeireiros e o aumento das pastagens, outro fator que perturba é o avanço da monocultura da soja e algodão na borda da floresta. Pois o cultivo da soja atrai estradas. E quanto mais estradas, mais migrantes chegam para queimar e cortar árvores.
Banco de dados
Todavia, ainda há soluções. O elenco de reflexões e ações inclui uma maior presença do poder público, mobilização social e valorização econômica da floresta em pé. O livro de Sérgio Adeodato apresenta uma série de propostas fundamentais que devem ser adotadas a curto e médio prazo: implementar com maior ênfase o Plano Nacional de Combate ao Desmatamento e regularizar a posse da terra, a taxação de impostos pesados para as atividades econômicas destrutivas, corte de incentivos fiscais, restrições para a abertura de novas estradas e a exigência de relatórios ambientais prévios para projetos de alternativos de emprego e o zoneamento agro-ecológico com definição sobre os vários usos do território pelos estados e municípios.
Outra sugestão é criar mais parques nacionais e reservas ecológicas em áreas protegidas por lei como estratégia para preservar a biodiversidade. Na Amazônia, as áreas de proteção integral ocupam somente 5% da região – a proposta dos pesquisadores e ambientalistas é que sejam ampliadas para 10%. No caso das unidades de conservação abertas para a exploração sustentável da floresta, a meta é elevar dos atuais 9% para 40% da Amazônia, aumentando a geração de renda e reduzindo as ameaças de destruição das áreas mais sensíveis.
A região amazônica tem hoje mais de 1,2 mil cientistas com títulos de doutor e concentra 3% dos investimentos nacionais em ciência e tecnologia. Muito pouco. Precisaria duplicar esses números nos próximos 10 anos para que o volume de investimentos por habitante acompanhe a média brasileira. A partir das pesquisas, a idéia é formar parcerias entre ONGS e o governo federal (Ministério do Meio Ambiente) e construir um grande banco de dados e informações como suporte para a definição de políticas de governo e para o desenvolvimento regional.
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Jornalista, pesquisador, ensaísta e escritor, Belo Horizonte, MG