A presença de três prêmios Nobel – os escritores José Saramago e Nadine Gordimer, e o economista Joseph Stiglitz – vai esquentar a abertura da 20ª Feira Internacional do Livro de Guadalajara, a FIL, do próximo 25/11 a 3/12. Mas este ano o assunto mais quente, papo certo de corredores, deverá ser mesmo a ameaça de processo, pela direção do evento, contra a família do escritor Juan Rulfo (1918-1986) – que conseguiu, no Instituto Mexicano da Propriedade Intelectual (IMPI), o registro do nome do escritor como uma marca, o que confere aos herdeiros o direito exclusivo de administrar seu uso.
Dessa forma, o prestigioso ‘Premio de Literatura Latino-Americana e do Caribe Juan Rulfo’, concedido há 16 anos, não mais poderá ter esse título. Ano passado, a família do escritor – a viúva e os dois filhos – inconformada com o que considerava o uso indevido do nome de Rulfo ‘a serviço de interesses particulares dentro da FIL’, apelou à Justiça alegando que ‘o nome é propriedade do autor e no caso de sua morte passa de maneira direta a ser propriedade de seus herdeiros’.
A direção da Feira informa que, legalmente obrigada (a multa pode chegar a 100 mil dólares), retira o nome de Rulfo do prêmio, mas só de forma temporária, na certeza de que ‘o litígio se resolva a seu favor em 2007’.
Seja como for, o galardão, agora chamado de ‘Premio FIL de Literatura 2006’, no valor de 100 mil dólares, será entregue ao escritor e ensaísta mexicano Carlos Monsiváis, que, fiel ao seu estilo preciso e sarcástico de analisar o mundo cultural e literário mexicano, no qual brilha por sua prolífica e quase sempre atilada produção, declarou:
‘Estou convencido de que o sentido de um prêmio não é o nome que leva, como se chama, mas a solidez do júri e a trajetória dos premiados; os 16 premiados anteriores garantem essa solidez, eu me abstenho de julgar a mim mesmo.’
(Monsiváis foi amigo pessoal de Rulfo, e a família, em meio a toda essa confusão, não querendo piorar ainda mais a situação, diz, conciliadora, ‘ser muito merecido o prêmio dado a ele, a quem respeitamos muito’.)
Andaluzia do exílio
Este ano, a FIL tem a Andaluzia como convidada de honra, e o exílio como eixo de seu programa literário e artístico. (Nos anos da Guerra Civil espanhola, o México generosamente abrigou grandes figuras originárias da região). A comitiva espanhola, além de 77 intelectuais, mostrará 3 mil títulos, 50 mil exemplares produzidos por 44 editoras. O tema básico de conferencias e colóquios acadêmicos será a memória de escritores andaluzes exilados no México nos anos 1930, como Juan Ramón Jiménez, Adolfo Sánchez Vázquez, Francisco Ayala, Luis Cernuda, Rafael Alberti, Pedro Garfias e Manuel Altolaguirre, entre outros.
Essa gente, de alto nível intelectual, entre escritores, poetas, jornalistas, editores e acadêmicos, não só refez suas vidas e carreiras no México como contribuiu de forma intensa e refinada para o desenvolvimento cultural mexicano, fato reconhecido até hoje pela comunidade intelectual do país. Das novas gerações andaluzas, estarão na FIL, entre outros, José Manuel Caballero Bonald, Maria Victoria Atencia, Antonio Gala, Carlos Castilla del Pino, Luis García Montero.
Num panorama mais geral, a FIL terá presença estimada de 500 mil visitantes que poderão percorrer os estandes de 1.500 editoras de 38 países e conhecer — entre as 600 atividades programadas, cafés literários incluídos — 350 escritores convidados (do Brasil, noblesse oblige, lá estará Nélida Piñon, que já ganhou o prêmio em discussão). Da lista dos convidados-estrelas, já confirmaram presença o nicaraguense Sergio Ramírez, os argentinos Ricardo Piglia e Tomás Eloy Martínez, o mexicano Carlos Fuentes, o português Antonio Lobo Antunes, o espanhol Juan José Millás.
Do lado técnico do negócio editorial, ao redor de 15 mil profissionais do livro vão participar de discussões sobre o sistema atual de livrarias no continente, sua relação com aspectos sociais, seu status legal e os desafios tecnológicos que enfrentam. O fechamento progressivo de livrarias na região preocupa muito o setor e deverá ser, portanto, um tema de debates acesos, na procura de soluções para enfrentar sérios problemas – o analfabetismo, o crescimento da internet como fonte de leitura e, sobretudo, o alto preço do livro.
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Jornalista e escritor brasileiro radicado na Cidade do México