200 ANOS
Imprensa brasileira faz 200 anos
‘Inaugurada em 1º de junho de 1808 com o lançamento do ‘Correio Braziliense’, a imprensa brasileira completa hoje dois séculos. O Brasil havia acabado de acomodar no Rio a família real portuguesa expulsa de Lisboa pelas tropas de Napoleão e vivia os efeitos das mudanças que sacudiam a Europa.
Os jornais surgem neste ambiente de efervescência política e econômica e se tornam importantes no embate de idéias. Passados 200 anos, eles enfrentam hoje a concorrência acirradíssima de outros meios pela atenção dos leitores e um forte questionamento sobre seu papel na sociedade. Mas nos últimos anos encontraram fôlego na recuperação da circulação e no crescimento de sua participação no bolo publicitário.
O ‘Correio Braziliense’, mensário publicado por Hipólito da Costa (1774-1823) em Londres, circulou de 1º de junho de 1808 a dezembro de 1822. Além dele, duas outras iniciativas marcaram 1808 como o começo de um novo ciclo de circulação de idéias no país.
Em 13 de maio foi instalada a tipografia da Impressão Régia, criada para imprimir as leis e decretos do gabinete de d. João 6º, mas que também editou romances, poesias, livros científicos, religiosos, didáticos e periódicos. Poucos meses depois, em 10 de setembro, houve o lançamento da ‘Gazeta do Rio de Janeiro’, jornal oficial da corte que também editava notícias do Brasil e da Europa.
Os historiadores do período costumam destacar três características daquela imprensa incipiente. Primeiro, ela chegou tarde. Estudos mostram que o Brasil foi o 12º país da América Latina a receber uma tipografia, quando o México já tinha oficina desde 1535 e o Peru desde 1584. Buenos Aires tem sua primeira impressora em 1780.
O segundo aspecto é que esta imprensa nasce censurada. Em Portugal, os impressos eram submetidos a três ordens de vigilância: o Poder Real, a Inquisição e o bispo. No Brasil, havia a censura da Igreja Católica e a Mesa do Desembargo do Paço. A censura só foi abolida em 1821, no calor das revoltas que obrigaram d. João 6º a voltar a Lisboa. A terceira característica destacada pela maioria dos historiadores é o caráter áulico das primeiras publicações.
Embora julgue correta essa caracterização, o historiador Marco Morel chama a atenção para o contexto político: ‘A ênfase no atraso, na censura e no oficialismo como fatores explicativos dos primeiros tempos da imprensa não é suficiente para dar conta da complexidade de suas características e das demais formas de comunicação numa sociedade em mutação, do absolutismo em crise’.
São deste período ‘A Idade d’Ouro no Brasil’ (1811), o segundo jornal a circular no Brasil e o primeiro na Província da Bahia, ‘Variedades’ (1812), a primeira revista impressa no Brasil, e ‘O Patriota’ (1813).
Hoje o Brasil tem 555 jornais diários, segundo a ANJ (Associação Nacional de Jornais). Após um longo período de crise econômica, a entidade festeja o crescimento de circulação e faturamento do setor. Os diários auditados pelo IVC (Instituto Verificador de Circulação) tiveram crescimento de circulação em 2007 de 10,7% em relação a 2006. Este índice se refere aos 88 jornais monitorados. A ANJ calcula que com a inclusão dos diários não auditados este crescimento tenha sido de 11,8%.
O faturamento publicitário dos jornais aumentou 23,72% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2007, índice acima do crescimento do mercado de comunicação, que foi de 15,48%. O crescimento em 2007 em relação a 2006 foi de 15,22%, enquanto o mercado cresceu 8,98%. A participação no bolo publicitário também melhorou. Passou de 15,46% para 16,38%. No primeiro trimestre deste ano chegou a 18,89%. A internet teve 2,77% de participação no mercado publicitário em 2007. A TV continua com a maior fatia do bolo: 59,21%.’
Marcelo Beraba
Biblioteca já não tem espaço para o acervo
‘Os 200 anos da imprensa brasileira já não cabem na Biblioteca Nacional. Seus 16,2 quilômetros de estantes nos seis andares da ala destinada aos periódicos, no Rio, estão abarrotados e não têm como acomodar as publicações que não param de chegar.
O edifício de 1910 não tem espaço para guardar o acervo nem para atender os leitores com conforto e segurança. Construído para receber 500 mil volumes, abriga hoje 9 milhões de livros, periódicos, mapas, fotos e manuscritos.
As várias reformas executadas ao longo do século 20 esbarram na área do prédio (13 mil m2) e nas suas características. A dificuldade de incorporação de facilidades tecnológicas incomuns quando foi erguido (elevadores, ar-condicionado e controle de umidade) é um obstáculo à sua modernização.
Os jornais estão hoje acondicionados em dois depósitos. A maior parte está no Armazém dos Periódicos, que abriga os títulos do século 20 e os que foram lançados no século 19 e continuam a circular, como o ‘Diário de Pernambuco’ (1825). São cerca de 60 mil títulos de jornais, revistas e boletins. Não há espaço para os 3.000 exemplares de jornais que recebe por mês. Os periódicos que viveram e morreram no século 19 estão no Armazém de Obras Raras, que guarda mais de 6.500 títulos.
A solução para aliviar as prateleiras já existe, mas falta dinheiro para concretizá-la: é a implementação da Hemeroteca Brasileira. A BN adquiriu em 1988 uma área de 16 mil m2 na zona portuária. A antiga Estação de Expurgo, de 1949, tem uma estrutura sólida e espaço para receber todos os periódicos. O traslado abrirá espaço para o velho prédio da Cinelândia acolher os 40 mil livros que esperam um lugarzinho numa estante para serem lidos. Enquanto isso, eles estão empilhados em depósitos.’
Isabel Lustosa
Imprensa é ‘I’ de Independência
‘HIPÓLITO DA COSTA considerou exageradas as manifestações de agradecimento a d. João por ter autorizado a imprensa no Brasil depois de sua chegada. Para o jornalista, não era o caso de agradecer e sim de lamentar que esse grande pedaço da América tenha ficado séculos proibido de produzir impressos. Também não ficou radiante quando recebeu o primeiro jornal impresso no Brasil. Na sua opinião, fazer imprimir a ‘Gazeta do Rio de Janeiro’, com seu conteúdo anódino, burocrático e totalmente filtrado pela censura, era gastar papel bom com matéria ruim. Jornal mesmo fazia Hipólito da Costa lá da Inglaterra. Informativo, analítico, denso, o ‘Correio Braziliense’ trazia para o Brasil as notícias mais recentes através da reunião de informações de vários periódicos europeus e americanos, associadas a notícias apuradas pelo jornalista e completadas por suas sofisticadas reflexões críticas.
Foi só mesmo depois de 1821 que começou a aparecer aqui uma imprensa realmente livre. Na Revolução Constitucionalista do Porto, em 1820, uma das primeiras medidas dos revolucionários foi a liberação da imprensa. Logo começaram a aparecer jornais e jornalistas das mais diversas extrações: radicais, conservadores, moderados etc. Essa agitação ajudou a garantir o sucesso dos movimentos pelo Fico e pela Independência. O clima de debate que agitou a imprensa nos dois primeiros anos do reinado de d. Pedro 1º foi interrompido pela dissolução da Constituinte e pela repressão que sucedeu à Confederação do Equador.
Mas para provar que imprensa e Parlamento são irmãos siameses, com a retomada dos trabalhos legislativos, em 1826, a imprensa voltou a florescer. Foi nesse contexto que raiou a ‘Aurora Fluminense’, do grande Evaristo da Veiga, e que teve atuação marcante em São Paulo Líbero Badaró. O assassinato desse jornalista foi uma das sombras que marcaram o final do Primeiro Reinado. Na seqüência, a profusão de jornais que agitaram o período regencial dá conta da vitalidade de uma imprensa que lidava com as questões de formação da vida política e social brasileira. Com a estabilização que teve início na segunda década do reinado de d. Pedro 2º, também sossega um pouco a imprensa.
O século 19 será marcado pelo caricatura. À ‘Semana Ilustrada’ do amigo do imperador, o alemão Fleiuss, sucedeu a ‘Revista Ilustrada’ do italiano Ângelo Agostini. A primeira revista, polida, cortesã, veiculava um humor amável, onde revelou-se sob o pseudônimo de Dr. Semana um cronista inspirado: Machado de Assis. A segunda daria guarida às campanhas pela Abolição e pela República e seria particularmente impiedosa com o imperador.
Muitas outras revistas do gênero foram lançadas ao longo do século 19, concorrendo com vantagem pelos leitores de grandes jornais como os vetustos ‘Diário de Pernambuco’, ‘Jornal do Commercio’ e ‘Diário do Rio de Janeiro’, surgidos ainda no Primeiro Reinado, e o ‘Correio Paulistano’, aparecido no ano da Abdicação, 1831.
No final do século 19 emergiriam os primeiros grandes jornais republicanos, ‘O País’ e ‘Gazeta de Notícias’, no Rio, e ‘Província de São Paulo’, que na República adotou o nome de ‘O Estado de S. Paulo’. Em torno deles pululavam publicações menores tornadas importantes pela grande nomeada de seus editores: ‘O Cidade do Rio’, de Patrocínio, e as duas aventuras de Olavo Bilac no mundo editorial, em associação com o caricaturista Julião Machado: ‘A Cigarra’ e ‘A Bruxa’.
A virada do século 19 para o 20 assistiu à modernização das técnicas gráficas e ao aumento da tiragem dos jornais. O ‘Jornal do Brasil’ vai se destacar pelo grande investimento em seu parque gráfico. Outro concorrente importante será o ‘Correio da Manhã’, que terá atuação marcante em vários episódios políticos que ajudaram a fazer ruir a República Velha. Foi em suas páginas que o Barão de Itararé estreou na imprensa. Em 1921, Assis Chateaubriand adquiriu ‘O Jornal’, que daria início aos Diários Associados. Naquele mesmo ano foi lançada a ‘Folha da Noite’ -hoje Folha-, surgindo o jornal ‘O Globo’ em 1925.
Ainda nos primeiros anos do século 20 as revistas ilustradas passariam por notável transformação. Surgiram ‘Careta’, ‘Fon-fon!’ e ‘O Malho’, trio que abrigaria os maiores nomes da caricatura brasileira: J. Carlos, Kalixto e Raul Pederneiras. A caricatura viveu então sua época de ouro, mas já competindo com a fotografia que, nas páginas da sofisticada ‘Kosmos’, alcançava nível de grande apuro artístico. Revistas de mesmo espírito foram surgindo em vários Estados, com destaque para São Paulo -que revelou caricaturistas como Voltolino e Belmonte e o humor de Juó Barnanere.
A Revolução de 1930 deu uma sacudida no panorama, levando ao fechamento de uns e à abertura de outros. O golpe do Estado Novo amordaçou, confiscou ou subornou alguns tantos jornais, jornalistas e editores. O cenário sofreria outro rearranjo depois de 1945, com o surgimento da ‘Tribuna da Imprensa’ e da ‘Última Hora’, de Samuel Wainer. A revista símbolo dos anos que se seguiriam foi ‘O Cruzeiro’, renovadora do padrão editorial do gênero e que inspiraria ‘Manchete’, de Adolfo Bloch. Mas também surgiu nos anos 1950 uma revista sofisticada: ‘Senhor’.
O jornal e a revista tornados empresas já estariam em cena tanto na escalada que levou ao suicídio de Vargas, em 1954, quanto na que levou ao golpe militar, dez anos depois. Os grandes, com exceção do ‘Correio da Manhã’ -cuja dona, Niomar Bittencourt, chegou a ser presa-, sobreviveram como puderam. Mas a resistência à ditadura teria mesmo a voz dos nanicos da imprensa alternativa. Foi essa voz, tão parecida com as dos panfletos e jornais da Independência, que ganhou as praças e universidades, no humor escrachado do ‘Pasquim’, na reflexão consistente de ‘Opinião’ e ‘Movimento’ e que, ao lado da luta pela redemocratização, deu visibilidade às causas das mulheres, negros e homossexuais. Naqueles anos de chumbo, através dos periódicos de maior ou menor duração que inundaram o país, ficou mais uma vez provado que imprensa se escreve mesmo é com ‘I’ de Independência.
ISABEL LUSTOSA é historiadora da Fundação Casa de Rui Barbosa e autora de ‘Insultos Impressos – A Guerra dos Jornalistas na Independência’, Companhia das Letras, 2000.’
SUPREMO
Do céu para a terra
‘ESSE PESSOAL que escreve em jornais, fornecendo o recheio ou montando as edições, está com o conceito muito avariado no Supremo Tribunal Federal. A ponto de alguns ministros comprovarem em público, mesmo no meio de uma sessão histórica, as suas opiniões depreciadoras. Uns, mais sutis, outros, com mal contidas irritação e convicção de superioridade. É inegável a justiça do conceito raso, como convém a um tribunal supremo, apesar do trocadilho involuntário. Depreciação tão merecida quanto, por isso mesmo, louvável para o jornalismo.
Por tempo demais vigorou na imprensa brasileira o tabu de que magistrados estavam sujeitos a qualquer gênero de reparo, ressalva, discordância ou crítica. Os componentes do Supremo assentavam-se em nível, impreciso para a percepção apenas humana, entre a terra e o Olimpo.
Os jornais tinham suas razões para preservar o tabu, todos com causas judiciais ou cautelosos para a perspectiva de tê-las, em suas atividades não jornalísticas, e bem resolvê-las por meios não jurídicos. O velho ‘Jornal do Brasil’ é um bom exemplo, entre outros dos seus inúmeros casos, pelas dezenas de anos em que reteve decisão sobre nada menos do que a propriedade real do seu título, à época muito valioso.
Se os proprietários de imprensa criaram o tabu, quem lhe deu vida ativa foram os jornalistas. Parte deles, porque assim encontraram as redações e isso lhes bastou para aceitarem esse e outros costumes e ocasionalidades, com freqüência ainda piores. A outra parte, por motivos semelhantes aos criadores do tabu, embora em escala muito mais modesta. As ditaduras de Getúlio e dos militares apenas deram, na obtusidade própria da sua prepotência, um verniz ‘legal’ ao que a imprensa fazia (e continuou a fazer sem as ditaduras) por conta própria e sem desgaste para o ditador.
Ainda que não seja unânime, nos últimos anos a imprensa tem trazido o Supremo, como outras instâncias superiores do Judiciário, para mais perto do chão geral. E há até muitos tratamentos de ministros do Supremo como humanos mesmo, com qualificações profissionais, intelectuais e outras, equivalentes às de milhões sem o privilégio de tabus e de presunções olimpianas. Capazes e sujeitos, como todos esses, à permuta dos tratamentos próprios das relações civilizadas.
Mesmo quando se equivocam, por falta de clareza até para os colegas ou na defesa de artifícios e tergiversações, alguns ministros estranham o enfraquecimento do tabu, talvez tomado ainda por dever alheio. Mas o jornalismo e a democracia ganham: sempre que um dos dois ganha, o outro se fortalece.
Estranhezas
A decisão da Assembléia Legislativa fluminense de anular a prisão do deputado estadual e ex-delegado Álvaro Lins, pela Polícia Federal, pode ser eticamente deplorada, mas não foi legalmente abusiva. Detentor de mandato, Álvaro Lins só poderia ser preso em flagrante, e não foi o caso. Não é provável que essa proteção a mandatários seja ignorada pelos responsáveis por investigações, acusações, mandados e prisões do bando que esteve na cúpula da polícia civil fluminense. Ficou a suspeita de algo irrevelado por trás da decisão de prender o deputado junto com seus ex-auxiliares sob acusação.
Pela maneira como foi feito o envolvimento de Anthony Garotinho, dado como integrante de uma quadrilha armada, ou o procurador federal que o acusa tem provas que não revelou, ou fez a gravíssima acusação sem as condições mínimas necessárias. As frases esparsas de telefonemas, que expôs, não têm relação explícita com ilicitude. Podem ter muitos sentidos e caberiam na relação funcional de um superior em resposta a um auxiliar que pede substituições de subordinados seus. Uma delas, dada como a mais indicativa do comprometimento de Anthony Garotinho, revelou-se agora como pedido ou sugestão da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro.
A Procuradoria deve explicações, porque, acima das acusações, deixou a suspeita de precipitação e, pior, de injunção política incluída em um caso criminal cujos praticantes e atos já são conhecidos há meses.’
TREINAMENTO
Inscrição para curso de jornalismo da Folha pode ser feita até 5 de julho
‘A Folha recebe até o dia 5 de julho inscrições para a 47ª turma do Programa de Treinamento em Jornalismo Diário, curso cujo objetivo é selecionar jovens talentosos e ensiná-los a trabalhar em jornal diário.
Criado em 1988, o programa já formou 368 pessoas, das quais 90% passaram a trabalhar para a empresa.
A 47ª turma vai se realizar no primeiro semestre de 2009. Para se inscrever, basta preencher a ficha pela internet (www.folha.com.br/treinamento). O site também tem informações sobre o curso.
A seleção tem três etapas: as fichas são analisadas e cerca de 200 candidatos fazem testes de conhecimentos gerais. Os 40 mais bem classificados são chamados para semana de palestras e entrevistas.
Até dez pessoas integram cada treinamento, que inclui cursos e exercícios de redação e reportagem, em que os participantes aprendem a aplicar o ‘Manual da Redação’ e os princípios defendidos pelo projeto editorial da Folha, que está no site www1.folha.uol.com.br/folha/conheca/projetos-1997-1.shtml.
Ao final do programa, é editado um caderno especial.
No momento está em curso a 45ª turma, patrocinada por Philip Morris Brasil, Odebrecht e Pfizer. Neste semestre será feita a prova para o 46º programa, que vai ocorrer no semestre que vem e é patrocinado pelas mesmas empresas.’
TECNOLOGIA
Computador com programa ‘telepata’ lê palavra na mente
‘Imagine como seria confortável sentar na frente de um computador e escrever um texto sem apertar uma única tecla, e sem ter que falar. Apenas com nosso pensamento, as letras começariam a pipocar na tela. Essa tecnologia só existe ainda no reino da ficção científica, mas um grupo de cientistas americanos deu uma passo importante para que ela possa, talvez, se tornar realidade no futuro.
Em um experimento na Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh (EUA), uma máquina de ressonância magnética ligada a um computador com um banco de dados de textos conseguiu identificar palavras que eram pensadas por pessoas. O experimento está descrito na última edição da revista ‘Science’ (www.sciencemag.org).
Não é a primeira vez que os cientistas conseguem mapear o padrão de ativação cerebral -mostrar quais neurônios do cérebro se tornam mais ativos- em reação a determinadas palavras. Desta vez, porém, os pesquisadores deram um passo além. Um programa de computador conseguiu prever como seria o padrão de ativação em reação a palavras que nunca haviam sido pensadas por ninguém dentro do aparelho de ressonância magnética.
No experimento, realizado com nove voluntários, a maior parte da memória do computador era alimentada apenas com um banco de dados de textos -contendo centenas de milhões de frases. O software usado no experimento sabia -por meio de experimentos realizados previamente- qual era o padrão de ativação cerebral para apenas 58 palavras, todas substantivos concretos.
Com base nesse conhecimento e em uma programação baseada em critérios sofisticados de lingüística, o computador conseguiu adivinhar com uma precisão de 77% qual seria o padrão de outras duas palavras que seu programa de ressonância magnética não conhecia ainda. O segredo dentro do software, dizem os pesquisadores, é que ele ‘imita’ a maneira com que o cérebro pensa sobre as coisas palpáveis.
Pensamento concreto
‘Nós somos fundamentalmente perceptores e atores, então o cérebro representa o significado de um substantivo concreto em áreas cerebrais associadas com a maneira com que as pessoas sentem ou manipulam aquilo’, afirma Marcel Just, cientista que liderou o experimento. ‘O significado de uma maçã, por exemplo, é representado em áreas cerebrais responsáveis por paladar, olfato, mastigação. Uma maça é aquilo que você faz com ela.’
O que o software criado pelos cientistas fez, então, foi vasculhar o banco de dados de texto para saber com quais tipos de sensação cada palavra estava mais associada. Sabendo como eram as associações para ‘maçã’, por exemplo, o programa conseguia criar um perfil de significado para ‘banana’.
‘Acreditamos ter identificado vários dos tijolos que o cérebro usa para construir significados’, diz Tom Mitchell, um dos criadores do programa. Segundo ele, entender como o cérebro codifica a linguagem também ajudará cientistas a entender melhor problemas de cognição como o autismo.
A dificuldade para dar continuidade à pesquisa, agora, é que por enquanto o método só funciona para substantivos concretos. Em comunicado à imprensa, porém, os pesquisadores afirmam que já estão estudando estratégias para identificar substantivos abstratos, adjetivos e até frases simples.’
Chrystia Freeland, do Financial Times
Inovar não é tão fácil quanto no passado, diz criador do YouTube
‘Chad Hurley, na época com 31 anos e especialista em interfaces para usuários, e alguns amigos tropeçaram na idéia do YouTube há pouco mais de três anos, quando quiseram compartilhar vídeos e acharam os serviços existentes pouco convenientes. Em 2006, o YouTube já era um fenômeno cultural tão grande que o Google pagou US$ 1,65 bilhão por ele.
Eric Schmidt, executivo-chefe do Google, acredita que o vídeo on-line é o avanço mais importante da web nos últimos 12 meses. De acordo com a Nielsen NetRatings, o YouTube transmite quase metade dos vídeos assistidos nos Estados Unidos e mais que o dobro do transmitido por seus dez maiores concorrentes juntos.
O YouTube é um fator de peso na política e na cultura popular, mas enfrenta desafios das empresas de mídia tradicional, que o acusam de violar copyright. Ainda não conseguiu forma eficaz de transformar sua audiência em lucros. A seguir, trechos de entrevista.
PERGUNTA – Você tem saudade de quando o YouTube era só você e seus amigos fazendo algo divertido?
CHAD HURLEY – É bem mais fácil quando são apenas duas pessoas criando um produto. Mas, à medida que a equipe vai crescendo -e você tem um sistema que é usado por milhões de pessoas-, não é mais tão fácil tomar decisões rápidas. Estamos contentes por inovar mais ou menos rapidamente, mas não é como no passado.
PERGUNTA – Você lamenta a perda da independência após a aquisição?
HURLEY – Não. Foi uma decisão difícil, mas provavelmente teria sido muito difícil para o YouTube [sozinho] sobreviver e crescer como tem feito. Pudemos resolver muitas limitações e tensões impostas ao sistema, quando precisávamos de mais máquinas para acelerar a quantidade de vídeos exibidos. Fazemos parte do Google, mas nos sentimos independentes. Temos nosso escritório. Eric, Larry e Sergey [executivo-chefe e co-fundadores do Google] nos pressionam para tomarmos decisões de modo mais independente, como equipe. Em termos de cultura, o YouTube realmente se encaixa com o que o Google está tentando realizar.
PERGUNTA – Como vocês prevêem ganhar dinheiro?
HURLEY – Com uma combinação de coisas. Temos anúncios ‘in-vídeo’, no qual a pessoa participa clicando sobre um anúncio ou fazendo passar um vídeo dentro do que está vendo. A reação tem sido ótima, melhor do que com a publicidade tradicional de display, banners ou anúncios de imagem ou texto. Acabamos de concluir a compra da DoubleClick (de assistência ao anunciante), e parte da tecnologia vai nos ajudar.
PERGUNTA – Vocês não se sentiram tentados pelo ‘pre-roll’ (em que o usuário tem de assistir a um anúncio antes de ver o vídeo que escolheu)?
HURLEY – Os ‘pre-rolls’ teriam sido uma ótima solução para ganhar muito dinheiro rapidamente, mas poderiam prejudicar a comunidade construída. A motivação para a entrada para o Google foi o desejo de alavancar a maneira como as pessoas podem promover vídeos, como promovem sites.
PERGUNTA – Alguns governos talvez achem que os conteúdos devem ser filtrados ou censurados por razão política. Qual a sua opinião?
HURLEY – Sempre trabalhamos com governos locais respeitando leis e culturas. Nossas ferramentas proporcionam flexibilidade para retirar materiais que não deveriam estar no site.
PERGUNTA – Alguns criadores tradicionais de conteúdos estão criando os próprios sites, como a Hulu. Serão futuros concorrentes?
HURLEY – Eles são mais competitivos que as emissoras de TV tradicionais ou outros serviços de vídeo sob demanda. Estamos trabalhando com a Hulu: ela tem um canal (no YouTube) em que coloca clipes promocionais para atrair tráfego. Estamos abrindo nossa API (interface de programação de aplicativos), para que as pessoas façam aplicativos de vídeo baseados no que desenvolvemos.
PERGUNTA – Alguns momentos importantes na campanha eleitoral nos EUA foram fenômenos do YouTube. Isso o surpreendeu?
HURLEY – Esperamos ter contribuído para fazer mais pessoas participarem. A internet está num momento de virada neste ano, na influência nas eleições.
Tradução de CLARA ALLAIN’
PROFISSÃO PERIGO
Equipe de jornal é torturada em favela no Rio
‘Uma jornalista, um fotógrafo e um motorista do jornal carioca ‘O Dia’ foram seqüestrados e torturados por integrantes de uma milícia na favela Batan, em Realengo, na zona oeste do Rio. A informação foi publicada na edição de hoje do diário.
A equipe de reportagem foi capturada pelos milicianos em 14 de maio, segundo o jornal, e submetida a uma sessão de espancamentos, choques elétricos e sufocamento com saco plástico. O grupo estava morando numa casa alugada na favela desde o dia 1º. Pretendia fazer uma reportagem sobre a vida em comunidades dominadas por milícias. A publicação não revelou a identidade dos três funcionários.
Segundo o diretor de Redação de ‘O Dia’, Alexandre Freeland, o fato, ocorrido há duas semanas, só foi divulgado agora para garantir a integridade física dos envolvidos.
De acordo com o jornalista, os três profissionais estão bem, em local seguro e vêm recebendo apoio da empresa, incluindo acompanhamento psicológico. Ele diz que o governador Sérgio Cabral (PMDB) e as autoridades policiais foram informados e estão acompanhando atentamente o caso.
Em nota oficial, o governo do Rio disse que ‘considera absolutamente intolerável o fato ocorrido com a reportagem’. De acordo com o Palácio Guanabara, Cabral determinou rigor máximo nas investigações.
‘O governo do Estado do Rio mantém firmes as suas permanentes ações de combate a todo e qualquer tipo de criminalidade, seja do tráfico de drogas a milícias armadas. No que diz respeito a este caso, especificamente, é preciso fixar que a liberdade de expressão deve ser assegurada. A imprensa precisa -e deve- fazer o seu trabalho’, diz a nota.
Segundo a reportagem, o fotógrafo e o motorista foram capturados após terem sido convidados por moradores para tomar cerveja no Largo do Chuveirão, um dos principais pontos da comunidade. Lá, foram rendidos por dez homens armados, que faziam questão de mostrar que eram militares.
Em seguida, a repórter foi capturada por sete milicianos na casa alugada e espancada. Com um revólver, um deles fez roleta-russa com a jornalista.
De lá, os três seguiram para um cativeiro, onde foram interrogados e novamente agredidos. Os milicianos chegaram a entrar no e-mail dos três. A descoberta de textos e fotos enviadas ao jornal fez com que os agressores aumentassem o castigo, segundo a reportagem. As fotos registravam veículos policiais e homens armados andando livremente pela favela.
Pelo relato, os três foram ameaçados de morte.
Conforme o jornal, a equipe foi solta por volta das 4h sob a condição de não denunciar os milicianos, que ficaram com celulares e dinheiro do grupo.
As milícias são formadas basicamente por policiais e bombeiros -da ativa e da reserva- e agentes penitenciários. Eles expulsam o tráfico de drogas de uma determinada região e obrigam moradores e comerciantes a pagarem taxas em troca de suposta segurança. Também punem ladrões e usuários de drogas com tortura e até morte.
A Secretaria de Segurança informou que foi avisada do caso pelo jornal há dez dias. O órgão não soube informar se algum integrante da milícia foi preso.’
TELEVISÃO
Novo programa da Globo vai mostrar a polícia heróica
‘Novo programa da Globo, no ar nesta quinta por volta das 23h40, ‘Força-Tarefa’ vai dar o que falar. Sua produtora, a independente paulistana Medialand, o define como um reality show policial. Não é um programa jornalístico, porque não tem a independência nem a isenção exigidos pelo jornalismo, mas também não é ficção.
A fórmula é mais ou menos essa: o programa acompanha uma operação de alguma força policial. Um ou mais policiais são escolhidos como personagens. Esses personagens terão o tempo todo microfones de lapela em suas fardas e serão seguidos de perto por cinegrafistas. É a partir do ponto de vista deles que se dá a narrativa.
Em uma edição já gravada, a produção acompanhou uma operação do GOE (Grupo de Operações Especiais, elite da Polícia Civil paulista) em pontos de tráfico. Mostra-se desde a preparação da ação até a invasão de favelas, com corre-corre.
O objetivo dos produtores, inspirados em originais americanos, é apresentar a polícia heróica, científica, cidadã, que funciona. A Medialand refuta o rótulo de ‘chapa-branca’, embora admita o corte de imagens que possam ‘entregar a arma para o crime’ ou comprometer a segurança de policiais.
‘Força-Tarefa’ deve gerar polêmica por estimular o lado teatral do policial, por mostrar ações que longe das câmeras são mais violentas e por omitir a polícia corrupta e ineficiente.
ROSSELLINI BRASILEIRA
A gaúcha Maristane Dresch (foto), 36, era assistente de direção de Bibi Ferreira quando Luiza Brunet a achou parecida com a italiana Isabella Rossellini e a indicou a uma agência de modelos. Muitas campanhas depois, Maristane (o nome é homenagem a um pintor italiano) está emplacando sua quinta novela, ‘Revelação’. Na trama do SBT, a atriz interpreta uma professora que larga tudo para cuidar do marido, mas, solitária, se apaixona pelo cunhado. ‘Cláudia é meu papel mais encorpado’, festeja.
A VOLTA DA GRAZI
Pouco mais de um mês após se despedir da novela ‘Desejo Proibido’, a ex-big brother Grazi Massafera volta à tela da Globo na próxima quinta, em ‘Casos e Acasos’. Numa história bem bobinha, ela interpreta Graziela, uma moça do interior (outra mera coincidência) que se hospeda na casa de um amigo. Mas o amigo fica preso no trânsito e pede para Maurício (Leonardo Miggiorin) fazer o favor de recepcioná-la. Maurício adora a missão. Além de enfeitar a paisagem, Grazi, ops, Graziela ainda lhe prepara um jantar.
MUDA TUDO 1
A direção da Band estuda fazer uma mudança radical no programa de Daniella Cicarelli, o ‘Quem Pode Mais?’, que não emplacou -a audiência das últimas edições foi de 2,3 pontos na Grande São Paulo.
MUDA TUDO 2
Na Band, Cica tem sido vista como ‘artista difícil’. Leva até dez horas para gravar um programa que dura menos de duas. Foi por isso que a rede desistiu de colocá-la ao vivo no ar.
CUBANO
Luciano Huck grava nesta semana edição especial do ‘Vou de Táxi’ em Miami. É a segunda vez que o apresentador pilota um táxi nos EUA -a primeira foi em Nova York, em 2007. Huck também fará entrevistas.
DRAMA
O ‘Profissão Repórter’ volta à Globo nesta terça mostrando a fila do transplante de coração. Caco Barcellos contará o drama de um amigo dele -que não resistiu à espera pela cirurgia.
Pergunta Indiscreta
FOLHA – É verdade que você está investindo na carreira de cantora? Você vai lançar seu videoclipe no ‘Fantástico’?
GLÓRIA MARIA (jornalista, atualmente em férias sabáticas) – Quando pedi para sair do ‘Fantástico’, eu falei que queria lançar um CD. Então, estou fazendo aula de música e, sempre que encontro uma banda, eu canto. Foi isso o que aconteceu no final de semana [passado] em Búzios. Cantei bossa nova, samba e dois rocks. Sempre gostei de cantar. Isso não quer dizer que eu seja uma Gal Costa ou Marisa Monte. Quem vai dizer se posso lançar um CD são as pessoas. Acho que posso lançar [o clipe] no ‘Fantástico’, com o Zeca [Camargo] e a Patrícia [Poeta] fazendo as cabeças [apresentação].’
Lucas Neves
Marcos Palmeira faz programa que dá voz e câmeras a índios
‘Depois de um maio em que índios entraram em conflito com arrozeiros em Roraima, invadiram prédios públicos e protestaram contra a construção de uma hidrelétrica no Pará, estréia um programa ‘feito por eles e para eles’.
A definição de ‘A’uwe’ (povo indígena) é de seu apresentador, Marcos Palmeira, 44, para quem os índios estão ‘largados, abandonados, são os excluídos do mundo capitalista’.
‘Para terem chegado àquele nível de radicalismo no Pará [um engenheiro da Eletrobrás foi atacado a facões e sofreu um corte no braço], é porque estão sob pressão há muitos anos. Se você pensar que eles viviam no litoral, foram expulsos para o interior e, hoje, estamos lá encostando neles, olha como avançamos! Fica parecendo que os índios travam o desenvolvimento. Mas que progresso é esse?’
Palmeira se interessou pelo tema aos 16 anos, quando visitou uma aldeia xavante em Mato Grosso e recebeu o nome de Tsiwari (sem medo). O reencontro está em ‘Expedição A’uwe – A Volta de Tsiwari’, documentário de 2004 que inicia hoje o programa da TV Cultura.
Nos próximos episódios, os índios migrarão para trás das câmeras, documentando seus rituais e suas rotinas. Quem tiver registros em vídeo dos povos nativos também poderá mostrá-los em ‘A’uwe’.
Ainda no terreno indígena, Palmeira prepara o documentário ‘Terra dos Índios 2’, regresso às aldeias visitadas por seu pai, o cineasta Zelito Viana, em meados da década de 70.
‘Várias lideranças que apareciam no filme foram assassinadas nos últimos 20 anos. A idéia é ver como vivem hoje essas comunidades e o que se descobriu sobre esses crimes.’
A’UWE
Quando: hoje, às 18h
Onde: TV Cultura’
Paulo Sampaio
‘Duas Caras’ dá lugar a duas suspeitas
‘De certa forma, ‘A Favorita’, novela que estréia amanhã no lugar de ‘Duas Caras’, já nasce protegida de eventuais críticas sobre falta de coerência. Como desde o início não se sabe se a má da história é Donatela (Claudia Raia) ou Flora (Patrícia Pillar), a margem de manobra do autor em caso de emergência é grande.
‘Eu nunca disse que a verdadeira vilã só será mostrada no fim da novela. Muitos fatores contribuirão na hora do veredicto. Desde a química da novela no ar, passando pelas atrizes, até a reação do público’, diz João Emanuel Carneiro, 36, que estréia no horário das 21h.
Flora e Donatela nasceram pobres, cresceram juntas e chegaram a formar uma dupla sertaneja na juventude. Namoraram, casaram e permaneceram amigas, até que uma delas, ninguém sabe qual (segundo Carneiro, nem ele mesmo), matou Marcelo, marido de Donatela e amante de Flora -que estava grávida. Flora foi acusada do crime, julgada e condenada.
Sai da cadeia no primeiro capítulo, depois de 18 anos presa, disposta a conquistar o amor da filha, Lara (Mariana Ximenes), e colocar os pingos nos is. A menina foi criada por Donatela, que, segundo Flora, é a verdadeira assassina de Marcelo.
Roteirista premiado do filme ‘Central do Brasil’ (1998), João Emanuel Carneiro foi alçado ao horário nobre graças aos bons resultados de audiência de suas novelas às 19h (a de estréia, ‘Da Cor do Pecado’, 2004, e ‘Cobras e Lagartos’, 2006).
‘João é um autor maduro, teve um desempenho excepcional anteriormente e desta vez trouxe uma novela cuja densidade temática sugeria a sua exibição no horário das oito’, justifica a assessoria da emissora.
Abordagem diferente
O diretor Ricardo Waddington, que trabalha pela primeira vez com Carneiro, acredita que o autor leve a vantagem de ser jovem o suficiente para não ter participado da geração que criou o formato telenovela. Antes de ser autor, diz Waddington, João foi telespectador, e isso garante uma abordagem diferente.
Carneiro, por sua vez, afirma que Waddington é o ‘diretor ideal’ para levar o humor e a agilidade das 19h para as 21h. ‘Acho que trago para o horário nobre o barulho, a energia, a dinâmica das minhas novelas. Acontece muita coisa na ‘Favorita’, e com rapidez.’
Porém, diz o autor, em uma novela das 21h, a trama ‘deve partir da identificação das pessoas com as situações vividas’.
Talvez por isso os atores elogiem tanto o texto de Carneiro. ‘É mais fácil acreditar em um personagem quando ele é de verdade’, diz Taís Araújo, que interpreta Alícia. Patrícia Pillar endossa: ‘Ele escreve bem, você se envolve com a trama. Isso faz a diferença’.’
Bia Abramo
Nova discussão sobre as novelas
‘ESTA COLUNA é escrita às quintas-feiras, o que a deixa sempre numa posição incômoda para falar dos finais de novela. As soluções possíveis acabam ficando sempre meio capengas; ou bem se faz um balanço antecipado ou bem se fazem textos no calor da hora, logo depois de findos os últimos capítulos, e fica um texto apressado.
E sabemos que o fim da novela, o desfecho de suas tramas e subtramas, é um momento de condensação máxima, tanto das intenções do autor como das expectativas do público. É como se a palavra final sobre o impacto, o sucesso, a importância da novela se desse nesse momento em que se definem a felicidade de uns e a infelicidade de outros.
Em ‘Duas Caras’, na semana passada a coluna apontou o que achou de mais relevante, ou seja, a operação de marketing que seu autor, Aguinaldo Silva, montou a partir de seu blog. Mas alguns leitores reclamaram uma apreciação mais colada à novela em si -e tinham razão. Afinal, chamar a atenção para o barulho em torno de ‘Duas Caras’, sozinho, não é suficiente para falar da novela, de sua qualidade ou de seu sucesso -que não são a mesma coisa, mas são tratados como tal. Não apenas por seus defensores, mas também a crítica (que, no entanto, se move) costuma fazer associações entre as duas coisas.
De um lado, emissoras e diversos profissionais envolvidos na novela tendem a simplificar tudo na fórmula ‘o sucesso de uma novela é, e só pode ser, explicado pela sua qualidade’. Do outro, observadores de várias origens costumam desvincular audiência de qualidade e, muitas vezes, enxergar méritos, justamente, naquilo que não faz muito sucesso.
Daí para o xingamento pseudo-sociológico de ambos os lados é um pulo. Os críticos, além de inexistentes, são elitistas e teimam em ignorar um fenômeno sociocultural; os autores, diretores etc. são as ferramentas de precisão que operam a máquina de fazer doido (e dinheiro).
Desqualificar, a priori, as premissas de qualquer um dos lados só faz paralisar qualquer debate. Se produtores de novela têm razão em levar em consideração aquilo que apreendem ou intuem sobre a repercussão da novela, em sua fatura, também têm os críticos em enxergar no sucesso (ou fracasso) fatores para além de suas qualidades intrínsecas. Se se quer, de fato, discutir a novela, é preciso começar tudo de novo -e, pelo menos, entrar em um acordo a respeito de onde se vai começar.
E, com isso, raios, a coluna, mais uma vez, acabou não falando sobre ‘Duas Caras’.’
HISTÓRIA
Notícias de uma guerra
‘Ele nasceu, como se diz no meio militar, para levantar o moral da tropa. Hoje, é um documento histórico que, após décadas esquecido, estará disponível ao público a partir de agosto.
O jornal ‘O Cruzeiro do Sul’ teve 34 números entre 3 de janeiro e 31 de maio de 1945. Circulava apenas entre os combatentes da FEB (Força Expedicionária Brasileira) que lutavam na Itália, naquele final da Segunda Guerra. A coleção completa não se encontra na Biblioteca Nacional nem no Arquivo Nacional, no Rio.
Mas foi localizada pelo coronel Roberto Mascarenhas no acervo de seu avô, João Baptista Mascarenhas de Morais (1883-1968), general que, por comandar a campanha da FEB, recebeu a patente de marechal.
Em 2005, Mascarenhas mostrou o material ao general Carlos de Meira Mattos (1913-2007), que também lutou na Itália. Ele disse, segundo o relato do coronel: ‘É uma preciosidade. Você vai me fazer escrever um livro aos 92 anos’.
Mas ele se convenceu de que o ideal era reproduzir os jornais. É essa edição fac-similar que a Léo Christiano Editorial (0/xx/21/2568-1979), em parceria com a RP Consultoria, lançará em 25 de agosto. A publicação (cerca de 200 págs., preço a definir) terá índice onomástico (mais de 10 mil nomes) e remissivo, para facilitar o trabalho de quem queira localizar parentes na coleção.
Mulheres atraentes
Entre outras coisas, costumava constar o seguinte dos dois números semanais de ‘O Cruzeiro do Sul’, que tinham quatro páginas standard (tamanho padrão) e eram editados em Florença:
– mensagens aos pracinhas (como ficaram conhecidos os expedicionários) de militares brasileiros e estrangeiros, além de uma menção ao ‘valoroso e bem equipado Exército brasileiro’ feita pelo presidente americano Franklin Roosevelt, manchete de 10 de janeiro;
– reproduções de reportagens (ou trechos delas) dos correspondentes Rubem Braga (‘Diário Carioca’), Joel Silveira (Diários Associados) e Egydio Squeff (‘O Globo’) -parte está em livros que os autores publicaram, mas há inéditos, ainda que nem todos com um valor literário que transcenda a condição de noticiário do momento;
– a coluna ‘Cartas do Brasil’, com crônicas sobre o ‘lado humano’ dos militares (saudades da família e do país, em especial) assinadas pelo cabo José César Borba, provavelmente o editor de ‘O Cruzeiro do Sul’ e que seria ‘um homem de posses’, segundo Joel Silveira (1918-2007) disse a Christiano;
– fotos de cidades brasileiras, começando pelo Rio (‘Copacabana é um sonho tropical visitando a gente nas noites geladas da Itália’, dizia a legenda);
– a seção ‘Esportes’, com prioridade para as novidades do futebol brasileiro, que tinha um alto representante na FEB: Perácio (do Flamengo e da seleção brasileira), líder do time de pracinhas que enfrentava companhias de países aliados;
– e os avisos ‘Cuidado com os espiões’, que recomendavam atenção com estranhos, mulheres atraentes sobretudo.
Alguns nomes que aparecem no jornal ainda não tinham importância à época. É o caso do ilustrador ‘cabo C. Scliar’, ou seja, Carlos Scliar (1920-2001), que se tornaria um artista plástico de grande importância.
Também há dois artigos do ‘soldado Jacob Gorender’, mais tarde um dos principais historiadores marxistas do país, autor de ‘Combate nas Trevas’ (ed. Ática).
O mais curioso é o segundo, ‘Uma Nova Era de Paz’, que saiu na edição especial (12 páginas) de 31 de maio, comemorativa da vitória.
Gorender, então com 22 anos, afirmava que ‘o imperialismo em geral sofrerá um golpe decisivo com o esmagamento militar e político da Alemanha hitleriana’ e que ‘a guerra da libertação (…) acelerou o processo de desenvolvimento dos países latino-americanos, antecipando a sua emancipação econômica’.
‘Os artigos expressam a situação peculiar da Segunda Guerra, em que o Brasil era aliado dos EUA e da União Soviética. Depois, a situação mudou muito’, justifica os ‘erros’ Gorender, 85. Ele recebeu da Folha os dois textos. ‘Faltava isso nas minhas obras completas’, disse, com humor.
O pintor Israel Pedrosa, outro esquerdista histórico, se lembra de receber ‘O Cruzeiro do Sul’ em seu batalhão de transportes. ‘A guerra foi decisiva para a conscientização política da minha geração’, diz.
Para o general (à época, tenente) Octavio Costa, 87, o jornal ‘era um lenitivo’ por transmitir notícias do Brasil.
Roberto Mascarenhas quer doar os originais da coleção ao Museu Histórico do Exército, no Rio. Ele avisa que ainda há por estudar 23 volumes de correspondências do avô.’
Boris Fausto
Soldados desconhecidos
‘A data de 8 de maio, que marca a derrota do nazifascismo na Segunda Guerra Mundial em 1945, passou, mais uma vez, quase despercebida no Brasil.
No entanto ela merece ser lembrada, quando mais não fosse pela ativa participação do país no conflito, com o envio da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para lutar nos campos de batalha da Itália.
Essa história, que foi objeto de visões quase sempre maniqueístas, foi retomada com equilíbrio por historiadores voltados para uma revalorizada história militar, como é o caso de Luís Felipe da Silva Neves e Francisco César Alves Ferraz.
A participação do Brasil no conflito, vista com reservas pela Inglaterra, foi incentivada pelos EUA, em razão dos interesses continentais e também, embora em menor escala, da simpatia mútua que caracterizava as relações entre os presidentes Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt.
Curiosamente, na medida em que já se cogitava a formação de um organismo supranacional, que viria a ser a ONU, o Brasil esperava ter nela [na guerra] um papel significativo, contribuindo para a ordenação do mundo do pós-guerra.
Os primeiros contingentes brasileiros seguiram para a Itália em julho de 1944, somando, após novos envios, algo em torno de 25 mil homens.
O grosso das tropas foi recrutado entre as classes populares. Imaginar essa gente motivada por impulsos ideológicos seria um equívoco.
A maioria da população acompanhava, mal-e-mal, os acontecimentos internacionais e não tinha participação relevante nas manifestações entusiásticas da classe média urbana pela entrada do Brasil na guerra e pela instauração de um regime democrático no país. Conhecendo-se a popularidade de Vargas entre as camadas pobres, não é demais sugerir que o tema da luta pela democracia era estranho à maioria de nossos soldados.
Osso duro
Convocados para a guerra, impelidos assim pelas circunstâncias, os pracinhas demonstraram uma disposição e uma coragem heróicas, enfrentando um inimigo muito mais bem adestrado, em condições climáticas adversas, quando o inverno chegou.
Cerca de 460 brasileiros morreram no conflito, sem mencionar os feridos, sendo mais da metade das mortes decorrente da conquista, a duras penas, do Monte Castelo, na cordilheira dos Apeninos, onde se entrincheiravam os soldados alemães.
Na volta ao Brasil, os ex-combatentes foram recebidos com grande entusiasmo popular, expresso nas passeatas e homenagens. Mas, logo a seguir, muito deles, em especial os que sofreram os efeitos dos traumas da guerra, foram abandonados e esquecidos.
Em todo caso, pelas disposições transitórias da Constituição de 1946, os servidores públicos que participaram do conflito ganharam estabilidade, e o comandante da FEB, o então general Mascarenhas de Morais, recebeu as honras de marechal do Exército brasileiro.
A campanha das forças aliadas na Itália foi objeto de um livro recente, abordando o tema em grande detalhe.
Trata-se do estudo de Rick Atkinson, jornalista norte-americano especialista em história militar, com o título de ‘The Day of Battle – The War in Sicily and Italy, 1943-1944’ (O Dia de Batalha – A Guerra na Sicília e na Itália, 1943-1944), publicado pela editora Henry Holt, em 2007. Valho-me aqui da resenha de Max Hastings, no ‘New York Review of Books’, vol. 55, nº 5, 3/4/2008.
Em primeiro lugar, Atkinson destaca o fato de que, ao contrário do que pensava o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, defensor do desembarque na península, a Itália não era ‘o macio baixo-ventre da Europa’, mas um osso duro de roer, defendido pelas tropas comandadas por Albert Kesselring, um general alemão extremamente talentoso.
Esforço conjunto
Além disso, a topografia peninsular, com seus rios e elevadas montanhas, facilitava a posição estratégica dos alemães e italianos e obrigava os aliados a estar sempre em movimento, expondo-se a pesadas perdas.
A batalha de Monte Castelo, descrita por ele, foi um típico exemplo dessas dificuldades. Outro aspecto lembrado pelo autor diz respeito à situação da guerra, quando as forças aliadas desembarcaram na Sicília, em julho de 1943.
Nessa altura, ao contrário do que às vezes se diz, a sorte da guerra não estava decidida, não obstante a derrota alemã em Stalingrado e uma série de outros reveses no Leste Europeu.
Entre a rendição alemã no norte da África, em maio de 1943, e o Dia D -o desembarque na Normandia, em junho de 1944-, a campanha da Itália concentrou o maior esforço terrestre de ingleses e norte-americanos para derrotar os exércitos de Hitler.
Entretanto, voltando agora ao Brasil e ao campo da história, como bem assinala Alves Ferraz, a participação da FEB e, especificamente, a atuação dos pracinhas na Segunda Guerra são temas que não alcançaram a relevância que merecem, nos estudos acadêmicos e nos livros didáticos mais recentes.
Desvalorização da história militar? Temor de incorrer em narrativas patrioteiras?
Sejam quais forem as razões, nada justifica o apagamento da memória desse episódio excepcional de nossa história, com repercussões relevantes no plano das relações internacionais do país assim como no plano interno.
BORIS FAUSTO , historiador, é presidente do Conselho Acadêmico do Gacint (Grupo de Conjuntura Internacional) da USP. É autor de, entre outros, ‘A Revolução de 30’ (Cia. das Letras).’
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