Enquanto na Venezuela o presidente Hugo Chávez liquidava rápido, com muito barulho midiático e demagogia política, a emissora de televisão RCTV, no México, num processo lento, implacável e silencioso, o governo de Felipe Calderón finalmente tirava do ar o programa noticioso de rádio mais antigo e de maior prestígio do país, Monitor, criado e dirigido pelo radialista José Gutiérrez Vivó havia 33 anos.
Semana passada, Gutiérrez Vivó, em seu estilo sóbrio mas firme e cortante, anunciou o término das transmissões do programa (em duas emissoras de AM, para a cidade do México) nos seguintes termos: ‘Morreu Monitor, estamos tristes. Que o destino cobre a conta de cada um pelo que fez… Muitíssimo obrigado por estes 36 anos’. Não antes de explicar aos seus fiéis ouvintes que o Grupo Monitor, proprietário das duas rádios, estava à beira da falência: ‘A publicidade não entra e não entra porque há indicações para que não entre… É um boicote econômico.’
Agora, além da quebra iminente, Vivó terá que arcar também com as conseqüências de uma greve dos empregados sindicalizados, que não recebem seus salários há três meses devido à penosa situação econômica da empresa. Constrangido, conhecedor das práticas mafiosas do sindicalismo mexicano, ele logo reconheceu a dívida com seu pessoal: ‘A greve se deve ao fato de que não cumprimos com nossos deveres econômicos para com nossos trabalhadores’.
Direita, esquerda
Não há dúvida de que se trata, entre outras coisas, de um pérfido bloqueio publicitário em cima da empresa, para calar de uma vez a voz independente, o rigor e a integridade de Vivó, sua longa e séria trajetória no rádio mexicano – virtudes que há pouco lhe renderam um Prêmio Nacional de Jornalismo. Mas ele, raposa velha, sabe também que o sufoco econômico imposto ao seu grupo é só um aspecto da situação.
De fato, a tão alardeada recente liberdade de expressão no México, sobretudo a partir do governo anterior, o de Vicente Fox, quando a mídia passou a gozar de uma autonomia crítica e informativa jamais vista no país, dá agora sinais de vida, embora de forma sub-reptícia, sem escândalos, exercida onde mais dói aos jornalistas-empresários, caso particular de Vivó: no seu bolso e no caixa da empresa.
Segundo ele mesmo conta, o processo para neutralizá-lo de uma vez começou há três anos, ainda no governo de Fox, incomodado com o tom sempre áspero do programa, matutino, contrastando com o estilo áulico e servil de outros colegas do rádio. Ou, pelo menos, mais suave e complacente nas críticas ao governo. Já naquela época, a publicidade diminuía e aumentavam os obstáculos burocráticos no trato com as autoridades.
A situação agravou-se quando o político de esquerda Andrés Manuel López Obrador escolheu o programa de Vivó para anunciar sua intenção de candidatar-se à Presidência do México, parada que acabou perdendo para o conservador Felipe Calderón numa eleição não isenta de dúvidas e suspeitas em relação ao resultado final. Até hoje, López Obrador garante que houve fraude na contagem dos votos e que foi ele o vencedor das eleições.
Crime e castigo
A partir do dia em que López Obrador foi entrevistado por Vivó no rádio, a pressão endureceu, sob a acusação de que o radialista revelara enfim sua opção política à esquerda, postura que lhe causaria maiores perdas de anúncios no programa. Durante algum tempo, ele ainda contou com a possibilidade, salvadora, de receber uma indenização de 21 milhões de dólares de um grupo radiofônico poderoso no México, Radio Centro, por rompimento de um contrato anterior.
Contudo, Radio Centro conseguiu dirimir parte do conflito a seu favor na Câmara Nacional de Rádio e Televisão, recusando-se, até agora, a pagar a soma milionária e piorando ainda mais a situação econômica da empresa de Vivó (o conflito agora espera a decisão do Supremo Tribunal de Justiça). Dono de duas emissoras, Vivó também é empresário e membro da Câmara, mas na condição de grupo menor, em dificuldade, não tem tido chances diante de Radio Centro, dona de enorme cadeia de rádios por todo o México e próxima ao governo federal.
À medida que as perspectivas ficavam mais dramáticas, o radialista sentia que o tapete estava para ser puxado de forma definitiva. Assim, um pouco antes de que Calderón tomasse posse, Vivó recebeu uma mensagem escrita de gente do futuro governo, bem ao estilo oficial mexicano – discreta, sem alarde, mas nem por isso num tom menos ameaçador:
‘Vocês estão de castigo. Vamos ver como se comportam. Se não quiserem difundir nossa informação, tudo bem; se não, tudo bem também. Quando considerarmos que existe um bom comportamento, então arranjaremos uma entrevista do programa com o presidente Calderón.’
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Jornalista, escritor, ex-correspondente de Veja no México