Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

‘Há novos instrumentos que não estão a ser valorizados’

Paulo Moura, premiado repórter do jornal português Público, estará no Seminário Brasileiro de Jornalismo Literário, realização da ABJL/TextoVivo, nos próximos dias 22 e 23 de outubro, no Novotel Jaraguá, em São Paulo (SP). Paulo vai abordar o tema ‘Portugal: a geração involuntária de escritores da realidade’.

Na entrevista a seguir, Paulo Moura afirma que o futuro do Jornalismo Literário (ou Jornalismo Narrativo) depende, necessariamente, da internet e das novas tecnologias de comunicação. ‘Há novos instrumentos para descrever e compreender a realidade que não estão a ser valorizados. Não podemos deixar que nerds ou técnicos de publicidade tomem conta das novas linguagens. É tempo de os jornalistas literários se apropriarem delas. O livro ainda não morreu, mas, se isso acontecer (paz à sua alma), não queremos ir para a tumba com ele.’

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Qual é o estado do Jornalismo Literário ou do Jornalismo Narrativo, em Portugal?

Paulo Moura – Há uma geração de jornalistas literários, embora ignore que o é. Estão nos jornais, mas também na televisão e na rádio. Ganham prêmios, têm fãs. Só os editores ainda não compreenderam a sua importância.

Há uma história da prática dessa modalidade no jornalismo português do passado?

P.M. – Sim. Há escritores excelentes que praticaram o jornalismo (basta pensar em Eça de Queirós) e há jornalistas que vêm desenvolvendo uma arte específica, embora sempre no meio de grande adversidade e com objetivos concretos. Durante a ditadura, era preciso ludibriar os censores e comunicar com uma elite culta e secretamente contestatória; depois de 1974, foi preciso contrariar a tendência para a estupidificação dos media imposta pelo mercado e a guerra das audiências.

Os livros-reportagem têm presença forte no mercado editorial português? São um canal especial para o Jornalismo Literário. Os autores portugueses têm se aproveitado desse potencial?

P.M. – Não. As editoras não têm apostado em livros-reportagem. Só agora parecem estar a descobrir o potencial do gênero. Há novas editoras, que estão a convidar jornalistas para escrever sobre temas que lhes são sugeridos, ou impostos. É um mercado que está a surgir e a criar novos leitores. Mas as editoras estão obcecadas com temas e títulos que se possam transformar em best-sellers, e pouco atentas à qualidade literária dos textos.

Sua trajetória profissional, de praticante e professor de Jornalismo Literário, tem a ver especialmente com sua experiência internacional ou você a atribui essencialmente às condições para desenvolvê-la que encontrou em Portugal?

P.M. – O jornal onde trabalho, o Público, foi uma ‘pedrada no charco’, quando apareceu, há 18 anos. Acreditava na reportagem literária e deu-me condições para desenvolver o meu estilo. Depois, esse ambiente deteriorou-se e quase tudo o que aprendi e me influenciou veio do estrangeiro. Principalmente dos EUA, onde vivi como correspondente do Público.

Que mentores marcantes você teve nesse desenvolvimento? Por que foram importantes e o que trouxeram de contribuição significativa para você encontrar seu próprio espaço no mundo do Jornalismo Literário? Que autores o influenciaram?

P.M. – Influenciaram-me romancistas norte-americanos como Hemingway e os pais do Novo Jornalismo, como Tom Wolfe. Outros, sinto que me influenciaram, mas trata-se de uma memória falsa, porque só os conheci mais tarde, como o polonês Kapuscinski. Na escrita, os meus gurus são sobretudo autores de ficção, como Nabokov ou Konrad, Bret Easton Elis, Kurt Vonnegut ou Chuck Palaniuk. Mas também realizadores de cinema como Roman Polanski, músicos como Trent Reznor ou coreógrafos como Sacha Waltz. Nos temas, quem me influencia mais são os poetas, como José Gomes Ferreira. Talvez isto queira apenas dizer que, em termos de mentores, andei muito sozinho.

De suas experiências pelo mundo, trabalhando como escritor da realidade, destaque uma ou duas que tenham sido significativas no seu crescimento como autor.

P.M. – Situações como a da Tchetchênia, o Afeganistão ou o Iraque marcaram a minha forma de descrever o real, por fazerem sentir as contradições entre a perspectiva de um indivíduo e a narrativa global de um acontecimento. Percebi que a única estratégia honesta de contar estas histórias é ‘encenar’, no mesmo texto, as perspectivas que geralmente são mantidas separadas. São situações que só se tornam inteligíveis através de uma espécie de ‘teatro do absurdo’ da reportagem.

Como vê o futuro do Jornalismo Literário e de outras formas narrativas inovadoras, de não ficção, em Portugal?

P.M. – O Jornalismo Literário terá um grande futuro em Portugal, e em todo o mundo, desde que adira à internet e às novas tecnologias de comunicação. Há novos instrumentos para descrever e compreender a realidade que não estão a ser valorizados. Não podemos deixar que sejam os nerds dos computadores ou os técnicos de publicidade a tomar conta das novas linguagens. É tempo de os jornalistas literários se apropriarem delas. O livro ainda não morreu, mas, se isso acontecer (paz à sua alma) não queremos ir para a tumba com ele.

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Jornalista, doutor em Ciências da Comunicação, professor da ECA-USP, integrante da Academia Brasileira de Jornalismo Literário