José Mindlin produziu diversos milagres ao longo de sua belíssima existência: levou ao pé da letra o moto de Montaigne (‘nada faço sem alegria’, ‘je ne fait rien sans gayeté’) e, assim, ao longo de 95 anos, conseguiu conviver com todas as tribos de canibais e antropófagos sem fazer um único inimigo.
Manso, otimista, porém convicto: jamais compactou com a violência. Escolheu Vladimir Herzog para chefiar o telejornalismo da TV Cultura e depois do seu assassinato nos cárceres do DOI-Codi preferiu deixar a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo para não assistir a outras barbaridades.
Humanista em todos os sentidos. A comprovação está na bonita cobertura da mídia (TV, rádio, jornal, web) sobre a sua morte. Sem badalações fúnebres – sábia decisão dos herdeiros – Mindlin não foi pranteado, foi saudado, festejado e acarinhado. E não será pela última vez.
O balanço das generosas façanhas de José Mindlin jamais ficará completo, mas é importante destacar a sua contribuição para o resgate do nosso primeiro periódico livre, o Correio Braziliense (impresso em Londres, de 1808 a1822) e de seu editor, patrono da nossa imprensa, Hipólito da Costa.
Encarnação do saber
A reedição dos 29 volumes num prazo recorde (maio, 2001/dezembro, 2002) tornou-se possível porque Mindlin tinha duas coleções completas e uma incompleta; e, graças a isso, foi possível escolher o exemplar em melhores condições para reprodução.
Exultou com o resultado: a reedição da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo saiu muito melhor do que os quase impecáveis exemplares que possuía (extremamente exigente, só adquiria livros em bom estado de conservação). Exultou mais ainda quando soube que os técnicos que trabalharam os fotolitos substituíram frases, palavras, letras e até vírgulas borradas por seus equivalentes com maior legibilidade. Esmero de quem gosta do que faz, reação em cadeia que começa quando alguém como Mindlin salva um livro velho e o recoloca na estante.
Recuperar e reproduzir o nosso primeiro veículo jornalístico é um feito extraordinário e não apenas no campo documental. Ressuscitar Hipólito da Costa e os antecedentes da independência equivale à revitalização da nossa percepção de nós mesmos. Dá ao jornalismo uma transcendência que poucos percebem e a muitos incomoda.
‘Homem-Livro’, monumento à curiosidade, encarnação do saber. Mindlin não foi apenas um colecionador, bibliófilo, livreiro-mor. Foi um revolucionário: acreditava na perenidade das idéias.
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Volumes avulsos ou coleções completas da reedição do Correio Braziliense podem ser adquiridas na Imprensa Oficial pelos telefones (11) 2799-9749 e 3105-6781. Cada exemplar custa R$ 20,00, estudantes e pesquisadores têm 50% de desconto.
Versão digitalizada e indexada pode ser encontrada no Projeto Brasiliana da Biblioteca Guita e José Mindlin da USP, que abre com uma homenagem a Mindlin. Outra versão é a da Fundação Biblioteca Nacional.