Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Impressões do mercado editorial

Quem é o leitor brasileiro? Que tipo de literatura aprecia? Quais os títulos mais vendidos? Os autores prediletos? Perguntas como essas são molas propulsoras do mercado editorial do país, que movimenta por ano em torno de R$ 14,4 bilhões.

Os dados mais recentes são de 2012: segundo a pesquisa ‘Retratos da leitura no Brasil’, do Instituto Pró-Livro, existem 88,2 milhões de leitores no país, de um total de 178 milhões de brasileiros com mais de cinco anos de idade – são considerados leitores aqueles que leram ao menos um livro inteiro, ou em parte, nos últimos três meses. Apesar de a metade da população não ter o hábito da leitura, 49% dos atuais leitores afirmam estar lendo mais do que antes, o que pode explicar o crescimento das vendas de livros nos últimos anos, também alavancadas pelos livros didáticos, responsáveis por mais de 45% das vendas do setor.

Para comentar como respira esse mercado – ora retraído, ora aquecido – o sobreCultura convidou a agente literária Lucia Riff, à frente desde 1991 de uma das principais agências do país. Nesta entrevista, ela fala sobre temas que vêm agitando o segmento editorial, como a censura a biografias, o preço fixo para livros e as autopublicações gratuitas na internet. E aponta para o leitor que o mercado atual persegue: o jovem adulto, com uma mente aberta, a ser moldada, um leitor interessante e interessado.

O mercado editorial no mundo está passando por diversas transformações. De que forma essas mudanças estão afetando o nosso mercado?

Lucia Riff – O mercado editorial está sempre passando por transformações – sobretudo as tecnológicas. O Brasil é parte de um todo e podemos dizer que o país acompanha muito bem essas mudanças. Quando se começou a trabalhar com computadores pessoais, rapidamente incorporamos essa tecnologia, embora um pouco freados pela reserva de informática. No momento em que os grandes centros passaram a usar e-mail, o Brasil imediatamente começou a usá-lo também; o mesmo aconteceu com as páginas digitais. O país sempre acompanhou muito de perto e rápido essas transformações. Além disso, os editores brasileiros participam de feiras internacionais, compram muitos livros estrangeiros, estão muito sintonizados com o que está acontecendo lá fora.

Mas é possível notar alguma mudança no papel dos editores, autores, agentes, livreiros?

L.R. – Uma mudança palpável é a presença do agente de autor brasileiro. Isso é algo novo; até dois ou três anos atrás, não se viam no país agências – fora a nossa – trabalhando com autores brasileiros. Não que em todos os países existam agentes para autores locais. Nos Estados Unidos, na Espanha e na Alemanha, por exemplo, não se admite o autor sem agente; mas, na França e em outros países, não existe essa figura. No Brasil, era assim. Alguns autores estavam na minha agência, alguns tinham agentes estrangeiros, outros contavam com a representação de advogados, mas muitos e muitos autores tratavam diretamente com suas editoras. Isso está mudando; surgiram novas agências, o que é muito bacana.

Sempre existiram agências atuando com livros estrangeiros publicados no Brasil, mas isso é muito diferente do agente que lida com o autor brasileiro. Minha agência exerce esses dois papéis. Represento autores brasileiros e também o agente ou editora estrangeira para o Brasil. São dois tipos de trabalho bem diferentes. Nos últimos anos, surgiram agências com propostas novas – o mercado deu uma deslanchada. Houve um momento de entusiasmo, quando a economia estava aquecida, mas agora dá para sentir uma pequena retração e não sabemos o que vai acontecer.

É possível traçar um perfil do leitor brasileiro hoje?

L.R. – Não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro, sabe-se que a mulher lê mais. Então, as editoras focam mais nas leitoras. Existe um leitor que o mercado moderno persegue que é o jovem adulto. Quem seria ele? Um leitor de 18 a 30 anos, que está em formação e tem uma mente aberta. Ele vai ler tanto o livro adulto quanto o livro com uma abordagem mais jovem, tanto um clássico quanto um livro mais contemporâneo. É um leitor interessante e interessado.

Esses jovens adultos preferem ler livros tradicionais ou eletrônicos?

L.R. – O livro eletrônico só está com uma estatística de vendas minimamente razoável por causa dos best-sellers, que dão uma maquiada no número global. Alguns títulos vão vender 5, 10e-books por mês – um número muito baixo. Mas um best-seller, ou um livro ‘quente’, pode vender mil, 2 mil e-books ou mais por mês, o que melhora a média de vendas de todos os outros. De modo geral, os livros eletrônicos ainda estão com vendas bem baixas: não passam de 3% do mercado de livros em papel.

Esse comportamento se repete em outros países?

L.R. – Acredito que sim. Sem dúvida, o best-seller alavanca as vendas dos eletrônicos. Mas é importante lembrar que não necessariamente o que é vendido é lido. Grupos como a Amazon têm essas estatísticas muito bem apuradas. A compra se faz por impulso, porque a pessoa é seduzida pelo preço mais baixo, e ela acaba guardando esse e-bookem sua biblioteca virtual, sem chegar a ler o livro. É curioso saber que há ferramentas que permitem que a Amazon saiba se o cliente leu ou não o e-book comprado – o que é meio assustador.

Quais os critérios para a escolha de títulos para livros eletrônicos?

L.R. – Normalmente, todo livro novo é publicado impresso e na forma digital, oferecendo duas opções para o leitor. Para os livros mais antigos, varia. As editoras dão preferência ao livro que tem mais procura, ou que está renovando o contrato, ou ao livro que será revisto, com nova edição. É importante lembrar que para os livros mais antigos sempre será necessário um adendo que inclua o e-book.

E como o mundo digital está lidando com a pirataria?

L.R. – A gente considera que é bom ter o livro eletrônico, porque ele desestimularia a cópia pirata. Se for a um preço razoável – o e-book é sempre mais barato que o livro impresso –, a pessoa que gosta de ler o livro na tela de seu tablet, ou celular, vai dar preferência a comprar a publicação eletrônica. Ou seja, prefere comprar uma cópia legal do que piratear. Mas a pirataria é uma praga. O que mais se vê são ofertas para baixar livros gratuitamente. Quando vejo isso, denuncio para a ABDR [Associação Brasileira de Direitos Reprográficos]. Mas é uma agulha no palheiro. Vai-se tirando uma agulhinha de cada vez.

O número de editoras nacionais e de livros publicados tem aumentado nos últimos anos. Como se explica esse crescimento?

L.R. – Voltando a nosso jovem leitor, penso nessa maravilha que foi o Harry Potter, oCrepúsculo e tantos outros livros que mostraram que a garotada lê e gosta, se empolga, comenta a leitura, cria amor pelos livros. Esses títulos ganharam um público leitor que não abandonou o livro. Esse fenômeno foi muito importante para o mercado editorial. Esquentou o mercado, criou nas editoras um departamento voltado para essa faixa etária, muitos autores passaram a se dedicar a esse público. Cresceu todo um mercado em torno desse público. O foco das editoras hoje é o de livro-texto para a faixa de oito a 12 anos e, em segundo lugar, para esse público jovem, de 15, 16, 17 anos, e aquele que o mercado chama de crossover, que atinge o jovem e o adulto.

Existem autores brasileiros que atendam esse público?

L.R. – Tem muito adulto que gosta de livros de fantasia, mais direcionados para o público juvenil; tem o gênero policial, de que tanto o jovem quanto o adulto gostam. A cabeça do santo, da Socorro Acioli, é considerado um crossover, por exemplo. É o livro que pode estar numa ou em outra prateleira. Isso impulsionou muito o mercado brasileiro, assim como as vendas para o governo.

A propósito, sabemos que os programas de venda para o governo têm movimentado grandes cifras (cerca de R$ 1 bilhão por ano). O que aconteceria se o governo mudasse sua estratégia?

L.R. – Quando eu entrei no mercado editorial, cerca de 30 anos atrás, morria de inveja das editoras americanas, que financiavam suas edições vendendo uma tiragem inteira – de 3 a 5 mil livros – para a rede de bibliotecas, enquanto, nós, brasileiros, tínhamos que dar livros para as bibliotecas, porque elas eram muito ‘pobres’ e pediam doações seguidamente. Portanto, é claro que faz a maior diferença poder vender livros para as bibliotecas.

Acho que a primeira venda importante – de grandes clássicos – foi feita em 1998, ou 1999, organizada pela Biblioteca Nacional. Isso foi um marco, algo espetacular. Depois, esse movimento foi se ampliando: compraram-se obras de outros autores, brasileiros e estrangeiros, de editoras grandes e pequenas, livros de todo tipo. Quer vendendo para o governo, quer vendendo para escolas que adotam certos títulos – que é outro caminho –, isso, realmente, é fundamental. Só esperar a venda em livrarias, no balcão, não dá. Em quase todos os países existe esse apoio por parte dos governos, de vendas para bibliotecas.

Editoras brasileiras têm sido compradas por grandes grupos multinacionais. Como a entrada desses grupos tem repercutido no negócio do livro?

L.R. – É uma pergunta delicada. Esses grupos de fora muito grandes, que vão ficando cada vez maiores, de modo geral, me dão certa aflição. Em particular, o grupo que se formou em torno da Companhia das Letras o fez de forma muito estruturada, sólida e bem administrada. Tudo foi feito com muito cuidado e me parece que vai funcionar de forma boa para todas as pessoas envolvidas. Então, estou torcendo para que funcione bem. Nem adianta torcer para que as coisas voltem ao passado, porque isso não vai acontecer.

O dado presente é esse. A Penguin Random House, Companhia das Letras e Objetiva é um novo grupo que se formou em torno de pessoas honradas, que respeitam a concorrência e que – tudo indica – vai funcionar com excelência. Por enquanto, só há motivos para comemorar. É bom para os autores brasileiros, porque a Companhia já vinha tentando emplacar nossos autores lá fora. E, agora que se tornou parte de um grupo internacional, essa presença no exterior será mais fácil. A Record também tem um grupo grande, comprou outras editoras pequenas e está muito bem estruturada, fazendo um bom trabalho.

Mas esse arranjo deixa espaço para as editoras pequenas?

L.R. – Sim, com certeza. Não vejo em quê as editoras pequenas podem se prejudicar com isso. A própria Companhia das Letras começou como uma editora pequena, no quintal ou na garagem da casa do avô do Luiz Schwarcz. A Intrínseca nasceu minúscula; o Jorge Oakim tinha uma sala microscópica do outro lado da rua da minha agência. O primeiro contato que ele fez foi conosco. Quantas editoras compraram seu primeiro livro com a gente! A Sextante teve um começo supertumultuado e está aí brilhando, são queridíssimos amigos. Algumas editoras foram pra frente, lindamente; outras, não.

Começar pequeno é a saga de todo mundo. Eu vi editoras que tiveram um começo lindo, com um verdadeiro toque de Midas, que acertaram em cheio na escolha dos livros, com venda de best-sellers, que em cinco anos estavam ‘bombando’ e depois faliram, porque gastaram o que tinham e o que não tinham, porque contrataram gente demais… E há editoras pequenas, como a 34, a CosacNaify, a Pallas, que estão do tamanho que querem, bem equilibradas, redondinhas. O fato de serem pequenas não significa necessariamente que elas querem crescer; às vezes elas estão bem e felizes assim. Enfim, a editora pequena não vai se dar mal porque tem uma grande do lado. Tem espaço para todas.

Como vê a questão da censura, da não autorização de publicação de biografias?

L.R. – Participei em outubro de uma reunião com o senador Ricardo Ferraço sobre a questão das biografias, que tem movimentado muito o mercado. Obviamente sou contra a censura; é importante que seja liberada a publicação das biografias. E o projeto de lei que passou na Câmara dos Deputados não atende aos interesses dos editores ou dos autores.

Na verdade, na última hora, o deputado federal Ronaldo Caiado introduziu no projeto uma emenda que dizia que, se o biografado sentir que tem naquela obra alguma parte que o incomoda, ele pode entrar com uma ação num juizado especial, como o de pequenas causas, e exigir que o livro seja corrigido já numa segunda edição. Ora, esses juízes não estão preparados para lidar com questões editoriais como essa. Então, o senador Ferraço quer vetar o projeto, porque, se passar essa emenda, a lei fica pior do que estava, porque passa a instituir uma censura posterior.

E a questão do preço fixo de capa? Qual é sua posição?

L.R. – O mercado editorial prefere chamar de preço justo. A discussão é sobre se o Brasil deve ou não adotar o preço fixo de capa, como é na França e na Alemanha, e como já foi na Inglaterra e não é mais. Quem defende a ideia sugere o preço único apenas por um período.

Na França, por exemplo, durante seis meses após ser lançado um livro, ele é vendido pelo mesmo preço em qualquer lugar: grandes livrarias, supermercados, lojas de bairro. Como lá não tem inflação, o preço é impresso na capa. A partir desse período, estão autorizadas as promoções e vendas por preços mais baixos. Lá, as margens de desconto são muito mais apertadas: a variação entre o maior e o menor desconto não pode ultrapassar 5%. Uma livraria pequena consegue até 35% de desconto, enquanto uma rede grande de lojas consegue, no máximo, 40%.

Já no Brasil é tudo liberado e a variação dos descontos e dos preços praticados entre os grandes e pequenos é enorme. Eu não sei qual mecanismo seria melhor para o país, mas acho muito interessante a ideia de proteger a pequena livraria, porque ela traz uma diversidade de títulos que a grande rede – mais preocupada com os best-sellers – não tem. A discussão é válida, oportuna e muito importante.

E o que é mais interessante do ponto de vista do consumidor?

L.R. – O consumidor que quer comprar mais barato pode optar pelo e-book, ou ele pode esperar uns meses, quando o preço baixar, para comprar o livro a preço mais vantajoso. Mas temos que pensar também em longo prazo: o consumidor quer variedade ou quer um mercado que só tenha best-sellers? Ele é um dos elos dessa corrente, que tem que ser boa para todos. Certamente, nem sempre o melhor é o mais barato.

Com as novas plataformas digitais, as autopublicações vêm conquistando espaço no mercado. Como fica o papel do editor na configuração atual?

L.R. – Sempre fiquei muito angustiada, antes da chegada da internet, com os milhares de telefonemas e consultas de autores que queriam ser publicados e não tinham como. Alguns faziam apelos dramáticos. Era praticamente inacessível para o autor que não tinha um amigo, um conhecido ou recursos ter sua obra publicada. E, hoje, ver que essas pessoas podem publicar gratuitamente na internet é sensacional. Muitos desses autores são lidos e passam a fazer muito sucesso.

Tem vários exemplos de autores que começaram se autopublicando, como a E. L. James, de Cinquenta tons de cinza, ou o William P. Young, de A cabana, que virarambest-sellers. Inclusive, tem agências literárias especializadas em buscar na internet livros que estão fazendo sucesso para convidar seus autores a ter uma editora para publicar suas obras. Há autores que estreiam na internet e não querem ser publicados, porque a opção deles é o mundo digital. Mas muitos se lançam na rede esperando um dia ir para uma editora tradicional e conseguir uma edição física. Então, acho sensacional que exista um veículo para se lançar sem o editor. Mas não tenho a menor dúvida de que muitos desses textos teriam ganhado muitíssimo se tivessem tido um editor, um crítico, um conselheiro, alguém que ‘limpou’ o texto antes de ser lançado. O editor é e vai ser sempre necessário.

Há editoras especializadas em autopublicação, como a E-galáxia, que é maravilhosa, e que oferecem para o autor o trabalho do editor. Mas acho que ter uma editora ‘física’ por trás, com toda a infraestrutura que ela pode oferecer, todo o marketing, todo o apoio, ajuda muito. E não só isso, mas o incentivo, a ajuda com ideias ao autor, convites, eventos e com a possibilidade de fazer parte de algo maior.

Qual é o segmento mais forte hoje no mercado editorial brasileiro?

L.R. – De modo geral, pensando nos autores brasileiros, o que vende mais é a não ficção. São os autores de não ficção que dominam a lista dos mais vendidos, e competem diretamente com os estrangeiros. Dentro desse segmento, os livros de autoajuda e religião, e também algo de biografias, são os mais fortes.

Os autores brasileiros estão conquistando maior visibilidade no exterior. A que se deve isso? Quais são os mais vendidos lá fora?

L.R. – O que tem ajudado muito nessa visibilidade é a bolsa de tradução da Biblioteca Nacional e o fato de o Brasil estar sendo convidado para várias feiras internacionais – Frankfurt [Alemanha], Bolonha [Itália], Gotemburgo [Suécia] e o Salão de Livro de Paris [França] –, quatro seguidas em que o país foi convidado de honra. Dizer que o Brasil está vendendo muito bem pra fora não é uma realidade. Aumentou em relação ao que se vendia antes, mas antes era um desastre total. Não temos – fora o Paulo Coelho – nenhum outro autor que seja um grande destaque. Mas temos obtido alguns bons resultados. Aqui, na agência, alguns autores vendem bem pra fora: Luis Fernando Verissimo, Adriana Lisboa, Moacyr Scliar, Marina Colassanti, Vanessa Bárbara.

E na nova geração de escritores brasileiros, quais são os mais conhecidos e vendidos? É possível encontrar uma linha em comum entre eles?

Nomes como Michel Laub, Daniel Galera, Adriana Lisboa, Vanessa Bárbara, Paulo Scott têm vendido bem aqui e lá fora. Um que está começando a vender bem e que é maravilhoso é o Ricardo Lísias. Além da idade e da excelência da literatura, não vejo algo em comum entre esses autores. São estilos diferentes e não consigo compará-los. Mas, de certa maneira, são todos bem brasileiros, não teriam surgido em outro lugar.

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Alicia Ivanissevich, da revista Ciência Hoje