Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Indicações para uma retrospectiva

Não se pode concordar com quem, como fez Daniel Piza no Estado de S.Paulo de domingo (19/12), não achou prosa de ficção relevante para registrar no ano de 2004. Pontificando com coluna semanal num dos maiores jornais brasileiros, que, aliás, tem prestígio internacional, não viu um dos grandes romances do ano bem pertinho dele, pois é de autoria de um colega de redação.

É O silêncio do delator, de José Nêumanne Pinto, editorialista e colunista da Casa. Se não se lê nem o colega de jornal, que podem esperar os outros? A imprensa ficou parecida com a universidade, onde os cubículos dos intelectuais, semelhando as mônadas de Leibniz, não têm comunicação umas com as outras? Intelectuais de prestígio, como Wilson Martins e Affonso Romano de Sant’Anna, estão entre os que destacaram esse livro.

Dieta de leitura

Sem a pretensão de elaborar lista completa, destaco alguns pontos altos da safra de 2004 na prosa de ficção, só para não dizer que estou de bronca com os editores que se ‘esquecem’ de livros importantes. Esses ficcionistas são craques titulares em qualquer time de prosadores.

O Brasil tem cerca de 3 mil editoras e 900 pontos de vendas (ninguém sabe ao certo quantas livrarias temos, nem mesmo a Câmara Brasileira do Livro), de modo que talvez seja impossível sequer examinar a produção literária nacional para fixarmos as contribuições mais relevantes.

Eis 14 prosadores da mais alta qualidade, craques da narrativa que lançaram livros inéditos em 2004. Um responsável pela seleção brasileira de literatura não poderia deixar de convocá-los.

1. O silêncio do delator, de José Nêumanne Pinto (Editora A Girafa);

2. A ira das águas, de Edla Van Steen (Editora Global);

3. Mare nostrum, de Salim Miguel (Editora Record);

4. O opositor, de Luis Fernando Verissimo. (Objetiva);

5. Trevas no paraíso, de Luiz Fernando Emediato (Geração Editorial);

6. Concerto para paixão e desatino, de Moacir Japiassu. (Editora Francis);

7. O vôo da madrugada, de Sérgio Sant’Anna (Companhia das Letras).

8. Tróia, o romance de uma guerra, de Cláudio Moreno (Editora LPM);

9. Um homem chamado Noel, de Mário Pontes (Editora Funcet – Fundação de Cultura, Esporte e Turismo de Fortaleza; lançado em fins de 2003);

10. Sujeito oculto, de Manoel Carlos Karam (Editora Barcarolla);

11. O homem que colecionava manhãs, de Liberato Vieira da Cunha (Editora Objetiva);

12. Contos de São Paulo, de Filippo Garozzo (Editora de Cultura);

13. Na teia do sol, de Menalton Braff; (Editora Planeta);

14. Getúlio, de Juremir Machado da Silva (Editora Record).

Para que a dieta de leitura seja ainda mais caprichada, registre-se o relançamento de Histórias das quebradas do mundaréu, Plínio Marcos (Editora de Cultura); Morte no paraíso, de Alberto Dines (Editora Rocco), edição revista, consideravelmente ampliada e reescrita; Hora aberta, poemas reunidos de Gilberto Mendonça Teles (Editora Vozes); Todas as horas e antes, poesia reunida de Neide Archanjo (Editora A Girafa); Portinari, de Antonio Bento (Léo Christiano Editorial Ltda); Poemas reunidos (2 volumes), de Affonso Romano de Sant’Anna (LPM); Pequeno dicionário de percevejos, de Nelson de Oliveira (Editora Lamparina). E, por fim, Francisco Félix de Souza: mercador de escravos, de Alberto da Costa e Silva (Editora da UERJ e Nova Fronteira).

Tempos terríveis

E o melhor inventário da literatura brasileira, de Pero Vaz de Caminha os nossos dias, veio de um pesquisador italiano, Giovanni Ricciardi, que ensina literatura brasileira na Universidade de Nápoles. É simplesmente referencial a sua obra Scrittori brasiliani (Tullio Pironti Editore, com apoio do Ministério da Cultura do Brasil, da Biblioteca Nacional e do Departamento Nacional do Livro). Em 1998, a APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) já premiara seu trabalho de divulgação da literatura brasileira no exterior. E ele, comovido, veio ao Brasil para receber o prêmio e subiu ao palco do Teatro Municipal, em São Paulo.

Em resumo, houve muito o que destacar em 2004. Mas para que o inventário seja possível, primeiramente é preciso calçar as sandálias da humildade e dizer: a lista é pequena, não foi possível ler tudo, editoras continuam escondendo os livros, livrarias continuam organizando vitrines que são verdadeiros atentados ao livro e aos leitores que sustentam o mercado editorial, e as bibliotecas passaram mais um ano sem comprar livros.

E os leitores? Bem, esses, se dependeram da imprensa para tomar conhecimento de lançamentos e relançamentos de livros, entraram numa fria! Não há mais resenhas, não há mais editores, não há mais discernimento, vivemos um tempo de terríveis liquidações nesse particular.