O jornalista mineiro Maurício Lara lançou na noite de 25 de abril seu terceiro livro, Com todas as letras – O estigma do câncer por quem enfrentou esse inimigo silencioso e cruel, editado pela Record. Aos 52 anos, o autor se revela um escritor. O primeiro livro, Campanha de rua – a cobertura jornalística de uma eleição presidencial (Geração Editorial, 1994) resultou de sua experiência como repórter da sucursal do Jornal do Brasil. O segundo, As sete portas da comunicação pública (Editora Gutenberg, 2003), da sua experiência como assessor de imprensa do prefeito de Belo Horizonte Célio de Castro. E o terceiro, de sua última experiência – a de um paciente de câncer.
A suspeita começou em novembro de 2003, quando fez o exame anual de medição de PSA, sigla de antígeno prostático específico, utilizado para detecção de alterações na próstata. O resultado (2.47) era o dobro do exame anterior, e o médico recomendou que voltasse a fazer o exame três meses depois.
Maurício Lara era assessor do ministro Luiz Gushiken, que já sofrera de câncer. Seu médico, Jurandir Costa – que compareceu ao lançamento do livro, em concorrida sessão do Sempre um Papo, na sede da Biblioteca Pública de Minas Gerais – consultado, disse que não tinha nenhuma prova, mas que sua experiência de 35 anos o autorizava a dizer que processos de forte estresse, situações-limite, grandes traumas podiam fazer desencadear quadros doentios. ‘Para ele, conta Maurício Lara, um ano de trabalho estressante poderia, sem dúvida, ter contribuído para fazer surgir ou se desenvolver o tumor, o que não significava, em absoluto, que eu estaria livre dele se levasse uma vida pouco estressante’.
O câncer só se confirmou em fevereiro de 2004, após biópsia. Dois meses antes, Maurício Lara pedira demissão do cargo em Brasília e voltara a Belo Horizonte, para retomar seu emprego de professor no curso de Comunicação Social da PUC-Minas. Seu estresse começou realmente ao constatar que estava com câncer na próstata. Sentindo a reação dos amigos ao saberem que estava doente, ele começou a perceber como as pessoas, em geral, estão pouco preparadas para lidar com essa situação. A própria palavra câncer se afigurava um tabu, e a maioria das pessoas, em Minas, se referia à doença como ‘o trem, que brota ninguém sabe como’. O velho repórter começou, então, a anotar as reações das pessoas – e as suas próprias.
De volta à análise
O livro foi escrito entre fevereiro e julho de 2004, praticamente em tempo real, durante a vivência do processo de diagnóstico e tratamento do câncer. Não se trata apenas de um depoimento pessoal do escritor. É um livro-reportagem. Para conhecer o senso comum sobre esse estigma, foi feita, em parceria com o Instituto Síntese, de Belo Horizonte, uma pesquisa qualitativa, nos dias 16 e 17 de abril. Foram reunidos seis grupos, cada grupo com 10 participantes na faixa etária de 35 a 60 anos. Além disso, Maurício Lara entrevistou profissionais que lidam com doentes de câncer em Belo Horizonte e no Instituto Nacional do Câncer, no Rio – para onde viajou de ônibus, voltando de avião apenas passada a fase pior do pós-operatório.
O resultado é um livro emocionante – mas não piegas. ‘O câncer não conseguiu matar meu bom-humor’, constata o autor, que, ao descrever um de seus dramas (voltaria ou não a ter ereção? voltou), lembra a piada do velho que, certa noite, surpreendentemente, teve uma ereção. ‘Oba, vamos aproveitar’, exclamou sua velha. ‘Aproveitar, nada. Eu vou é na esquina mostrar para os meus amigos’.
No posfácio, escrito recentemente, ele escreve: ‘Encerrado o primeiro ano do resto da minha vida, continuo humano, continuo mortal, continuo vivo e apaixonado pela vida. Decidi que 2004 tinha sido o ano em que eu não morri, mesmo sem saber bem o que isso significava. Talvez o ano da confrontação com o real, um real que apareceu por intermédio de um inimigo que, sem jamais mostrar a cara, me fez enfrentá-lo com todas as letras, incluindo o acento circunflexo no A’.
Maurício Lara, que hoje é professor e secretário de Comunicação da PUC-Minas e sócio da Lara Agência de Comunicação e Pesquisa Ltda., voltou a submeter-se a psicanálise. ‘Chegara a hora da elaboração daquela overdose vivida e as sessões semanais contribuíram para desencadear um processo interno rico, intenso e, por vezes, tormentoso’.
Um processo que ele compartilha agora com os leitores.
******
Jornalista, chefe de redação da sucursal do Jornal do Brasil em Minas quando Maurício Lara, recém-formado, iniciou ali sua carreira