Dizem nas redações que repórter, além de ser bom, tem que ter sorte. E John Reed (1887-1920) tinha. Ele estava na Europa cobrindo a Primeira Guerra Mundial quando estourou a Revolução Russa (1917). Correu para lá, cobriu os fatos e escreveu um livro, Dez Dias que Abalaram o Mundo, que se tornou um clássico do jornalismo e tem um dos títulos mais felizes da história da literatura.
Relançada agora pela Penguin-Companhia das Letras com nova tradução, a obra do norte-americano Reed concentra seu relato nos acontecimentos de pouco mais de uma semana de novembro de 1917.
Apesar de jornalístico, o texto flerta com a imaginação do autor, como alerta o historiador A.J.P. Taylor (1906-90) na introdução da própria obra: ‘Boa parte do livro’ é ficção. Mas a riqueza de Dez Dias que Abalaram o Mundo está na narrativa que ele faz sobretudo da vida cotidiana de Petrogrado em plena Revolução Russa. Um exemplo está na descrição sobre a arquitetura do Instituto Smolny – colégio interno de filhas da nobreza no antigo regime transformado naquela época em QG revolucionário.
Era do individualismo e do consumismo
Nesses momentos, Reed parece até se incomodar com o fato de as pessoas aparentemente não ligarem para a revolução. Escreve ele: ‘Poetas compunham versos – mas não sobre a Revolução […] Jovens senhoras vinham do interior para a capital para estudar francês e canto.’ Reed não praticava o ‘jornalismo objetivo’ que começava a se impor na imprensa americana – ‘Não fui eu um homem neutro’, disse.
Reed não escondia suas preferências. Apesar de sua formação elitista – diplomou-se em Direito pela Universidade de Harvard –, o autor simpatizava com os movimentos sociais antes mesmo da Revolução Russa. Em 1914, cobriu a revolta liderada por Pancho Villa (1878-1923), que originou o livro México Insurgente.
Morreu cedo, aos 33 anos incompletos, de tifo, e em Moscou, onde foi velado como herói na Praça Vermelha.
Resta saber se a obra de Reed, relançada agora, em plena era do individualismo e do consumismo, terá o mesmo sucesso. Afinal, seus relatos sobre um movimento que pregava o coletivismo e o socialismo parecem hoje incompatíveis com a fixação pelos iPads e outros últimos lançamentos tecnológicos.
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Editor da Folha Ribeirão